2012: Odisseia no Espaço Livre

Ponto prévio: Escreve-vos alguém que em todas as equipas que teve a sorte de fazer parte tentou sempre incutir algum conceito do Barcelona de Pep Guardiola. Alguém que continua a segui-lo atentamente e a reparar no brilhantismo e evolução nas suas ideias de jogo, como também na dificuldade que o próprio encontra agora que o futebol se moldou para se defender da sua melhor criação. Sim, o futebol de hoje não o seria sem essa maravilhosa equipa. De tal modo que, hoje, as organizações ofensivas do melhor futebol do Velho Continente se basearam na amplitude, largura, jogo-interior, movimentações e conceitos (como a saída desde trás ou o terceiro homem) desse mágico Barcelona. Mas não só no ataque se revolucionou o futebol desde há quase uma década (e que bom seria parar para pensar que, sim… já foi há quase uma década que Pep Guardiola deixou a Cidade-Condal). Adiante, dizia, não só as organizações ofensivas foram afectadas pelo legado do Pep-Team. Também todo o jogo sem bola evoluiu para se defender do plágio continental que se seguiu.

E assim sendo (porque basta reparar nos espaços que hoje as equipas fecham, e no detalhe de posicionamento de hoje comparado com o de há dez anos) fará algum sentido continuar a medir o futebol de hoje pelo que o Barcelona de Pep Guardiola conseguiu? Mais ainda quando a haver alguém que o conseguiria fazer (replicar esse mesmo futebol), esse seria o próprio Pep Guardiola. E como sabemos, Pep nunca mais encontrou o contexto ideal para reproduzir algo que é de época e não universal – ao contrário do que muita gente parece não entender.

Há quanto tempo não viam uma coisa destas, amigos?

Não conseguiu reproduzi-lo Pep, porque, primeiro e mais importante do que tudo o resto, nunca mais teve os mesmos jogadores à disposição. Porque uma coisa é apontar rotas através de um écrã, outra coisa é, na relva, segurá-la entre-linhas em plena hora-de-ponta e, ainda assim, criar a partir daí o desequilíbrio que essa opção gerou. É fácil dizer que esse desequilíbrio acontecerá se a bola entrar ali, mas a fluidez nunca será a mesma se quem a receber não for Xavi, Iniesta ou Messi (ou até Busquets entre a linha avançada e a média). E Pep teve de viver com isso. E viveu bem, se esquecermos a idiota dualidade derrota/vitória com que se mede um sucesso abstrato. Fosse no Bayern ou no City foi imensa a riqueza táctica com que nos brindou. E o que perdeu em termos de qualidade individual (não que no City ou Bayern os jogadores sejam coxos, mas… vocês percebem) acrescentou na evolução do jogo. Mais a mais quando todos mexeram defensivamente para o parar.

Jogadores a subir quando deveriam descer, espaço entre-linhas completamente desprotegido. Preocupação nula com elementos que hoje são básicos.



É que se Pep foi ao detalhe, também as organizações defensivas estão hoje apetrechadas e alertadas para, por exemplo, impedir os espaços que mais o Pep-Team explorava. A tal ponto que hoje no léxico dos comentadores entra também o controle da profundidade e a redução do espaço entre-linhas. Isto porque o Barça de Pep teve o condão de os destapar vezes sem conta acenando à necessidade de se encontrarem maneiras de travar essa progressão. Mas o sucesso de época iludiu tanta gente que pensa torná-lo intemporal, que a idiotice reina hoje nas colunas e TV’s em exercícios religiosos por um Messias que já não volta. E já não volta porque a identidade de outrora raramente se compadece com a actual por um simples facto que devia ser básico mas parece não ser: as reações do Mundo externo mudam. Daí que a definição de loucura dada por Einstein seja já um cliché.

Inter-Shakhtar (5-0) Meias-Finais da Europa League, 2020


E assim, tal como Sérgio Conceição lembra hoje na 1.ª parte da entrevista a O Jogo, nestes dias elogiam-se equipas que têm 30% da sua posse no seu meio-campo defensivo. Ou, se quisermos ir mais longe, elogiam-se equipas que sabem como aumentar a posse-de-bola fugindo aos caminhos em que o Barcelona de Pep tinha via-rápida. Hoje um seguidor (ou um imitador) de Pep pode conseguir chegar aos tais 74% de posse-de-bola e perder o jogo muito mais facilmente do que esse Barcelona. Porque joga por fora e porque nada realmente cria, pode facilmente chegar a esse número e reclamar para si os louros dos comentadores, mas de Pep esse futebol nada terá porque não explora as áreas que fizeram desse Barcelona uma obra-prima de época. E de época porque essas áreas estão hoje mais fechadas que nunca estiveram, o que faz com que jogadores com índice técnico mais reduzido que os do Pep-Team tenham de fazer melhor em espaços mais reduzidos. É assim justa toda esta análise contemporânea que mais se assemelha ao fundamentalismo religioso do que a (real) futebol? É sequer equilibrado que a bítola para a medição da qualidade das equipas de hoje seja algo de época específica com condições específicas e que… já não existe?

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