Os atletas, os futebolistas e os palermas. No aniversário de Deus Maradona.

“Qualquer atleta faria aqueles 80 metros mais rápido que o Diego, mas nenhum ser humano o faria com a bola nos pés” Valdano sobre o golo do século. Maradona frente a Inglaterra no México 86.
“Eu não sou um atleta. Sou jogador de futebol” Romário depois de questionado sobre o estilo de vida que levava. Bem diferente do que o recomendado para os atletas.
Há alguns anos em conversa com um especialista de top mundial em treino e exercício físico questionei-o sobre a excessiva pronação dos pés de um miúdo que joga agora no Belenenses. “Deixa assim. No Brasil costumamos dizer que é quem tem essas diferenças morfológicas que sai jogando futebol. Esses pés tortos são o que fazem o menino ter esse sucesso todo no drible”
“Veja o Coentrão. Sendo um indíviduo débil, frágil, numa disputa de bola contra dois matulões do FC Porto, Cissokho e Rolando, conseguiu, com uma ginga, sentar os dois e ir embora com a bola. Isto para mim é que é força. Ter capacidade de arrancar, travar, voltar a arrancar mas pelo lado contrário” Vitor Frade.
“…se calhar ao mesmo tempo que defendem que o músculo é cego, defendem que é importante a proprioceptividade. Ou seja, não sabem o que estão a dizer. Porque a proprioceptividade é precisamente o que faz do músculo fundamentalmente um orgão sensitivo. Portanto, uma série de mecanoreceptores que se alteram para captarem a evolução do corpo no tempo e no espaço. Ora, o futebol de qualidade, para qualquer posição, apresenta uma diversidade de agilidade e mobilidade que… Eu costumo dizer que a ignorância é atrevida para caraças” Vitor Frade.
“De um modo muito simples, porque altera a relação do corpo com o corpo, ou seja,… Há dois tipos de timing. O timing coordenativo dos músculos entre si, que é a co-contractividade, portanto, vão existir cadeias que passam a degladiar-se, que se passam a estorvar umas às outras. Porque é uma coordenação que se coloca contrária à fluidez que sugere e solicita a espontaneidade do jogo de futebol. Para além disso, há outro tipo de timing, que tem a ver com o ajustamento muscular à alteração sistemática regular que o envolvimento coloca. Ao fazer musculação vai estar a bulir com isso, vai estar a enganar o sistema nervoso. Portanto, vai obstruir o leque de possibilidades de manifestação que o corpo tinha a jogar futebol. E se o fizer quando em desenvolvimento vai inclusivamente bloquear o crescimento, por exemplo, dos ossos e de outras estruturas” Vitor Frade.
Há cerca de quinze dias atrás num contexto fora futebol, tentaram vender-me uma qualquer ideia com o tema “força atlética de base” para apresentar ao futebol formação do clube. Não deixei sequer que  o treinador de cross trainer me falasse sobre ela, pois na verdade cada vez tenho menos tempo a perder a falar de um desporto com quem nada sabe sobre ele. A minha recusa em ouvir deu direito a um texto na página do tal treinador de Cross Trainer. O tal treinador fez questão de o comunicar. Li dois parágrafos e fechei a página. Não li mais, e muito menos comentei. 
A página é esta: https://www.facebook.com/SunTzu.Lusitano.Endovelico?hc_location=timeline.
E o texto é “Uma era pós periodicidade táctica”
Aqui vão alguns excertos:
“Nesse contexto, falei-lhe do meu trabalho da última década, referente ao desenvolvimento de uma estrutura programática do treino da “Força Atlética de Base”, especialmente vocacionada para a aplicação em desportos de estímulo e resposta complexos (desportos coletivos, como o Futebol; desportos de combate, etc.). A reação imediata foi: “Sou completamente contra isso!”. Ao que se seguiu mais à frente outra “interessante” demonstração do espírito de abertura, evolução, aprendizagem e progresso que caracteriza os meandros do “nosso” futebol: ´”Não vale a pena tentar-me convencer, porque eu tenho já as minhas ideias e não me desvio delas”  Lindo! Pergunto eu, porque terá sido que nos últimos anos, praticamente nenhum jogador de relevo apareceu formado nas academias do clube em questão…?  Quando eu lhe perguntei que opinião tinha então sobre o abundante trabalho de força que é feito na NBA e na NFL, respondeu: “Aí Joga-se com as mãos!”… Mas então imprimir aceleração numa bola com os pés não exige força como exige imprimi-la com as mãos? Então a bola move-se com o quê?… Com o vento que lhe dá… Ou com a força que lhe exercida com o pé?… Enfim!… Além de que correr, arrancando, acelerando, desacelerando e mudando de direcção, tanto acontece na NBA, como na NFL ou no Futebol europeu! Acções motoras estas que exigem MUITA força! Posteriormente, terá ainda argumentado que, para não perder tempo, o próprio aquecimento é feito com bola”

Importa referir que é errada a premissa de não abertura à evolução e à aprendizagem. Na verdade há esse “fecho” com quem se percebe que não tem nada de útil para trazer. Porque o espírito para ouvir quem acrescenta é cada vez maior. E percebe-se que debater o que quer que seja que envolva futebol com o treinador de cross trainer é uma perda de tempo, quando à resposta “ai joga-se com as mãos” surgem conceitos físicos. Quando a diferença é da habilidade motora que é requerida ao praticante. Não se relaciona com capacidades físicas / condicionais. Voltamos à frase de Valdano sobre Maradona…
“Se 15 ou 20 minutos diários a aplicar numa rotina de força, que poderia marcar uma acentuada diferença para com os adversários, era logo muito tempo perdido… Então pergunto eu, para que continuam actualmente os treinadores de Futebol a incluir sessões de alongamentos e lanços de corrida rápida nos treinos…? Ou nem isso já é bom fazer p’ra “não perder tempo”? LoL… Dá que pensar… Os comportamentos técnico-táticos são de facto os que mais demoram a adquirir e aperfeiçoar, mas também os que mais demoram a “desaparecer”. Por isso mesmo, a “condição física” deverá ser a primeira preocupação na retoma de qualquer temporada. Eu sei.. Eu sei… Tenham calma! LoL.. Conheço toda a teorização que sustenta o ultra-famoso conceito da “periodicidade tática” tão falado desde a “coroação” de São Mourinho… LoL… É certo que foi o melhor do mundo e continua até actualmente, em minha opinião, a sê-lo. Mas ser o melhor, não é nem nunca para ninguém será “SER PERFEITO”! Há que lembrar “certos pormenores” como o facto de quando esteve a trabalhar em Itália se ter visto “obrigado” a ceder e “deixar” os seus jogadores praticarem a “tradicional musculação”, quase diária, que já é praxe das principais equipas Italianas. Penso que nem tudo ao mar nem tudo à terra. Quem não se lembra de Roger Spray no Vitória de Setúbal e no Futebol Clube do Porto? O homem que, sendo preparador físico, marcava mais a diferença nos clubes por onde passava do que os treinadores principais. Desde meter os jogadores a correr por serras e praias, com maquilhagem militar e a “berrarem” cânticos militares enquanto se exercitavam, até à execução de pesadíssimos treinos com halteres e barras olímpicas e “duras” sessões de sauna. Foram tempos onde a supremacia foi marcada pela elevação dos índices de condição física. Obviamente que a seguir a essa fase, como é natural pela forma como em sociedade as coisas costumam evoluir, surgisse uma fase diferente. Uma fase onde a supremacia viesse a ser marcada por quem se preocupasse pelos aspetos aos quais ultimamente se tinha vindo a dar menos importância e atenção. Surgindo pois então o conceito do Treino Integrado e posteriormente a Periodicidade Tática”
Portanto, o Roger Spry é um Deus da competência do futebol porque a malta pintava a cara e subia serras, e próximos só os treinadores de futebol que treinam atletismo (“lanços de corrida rápida”)

As palermices são mais que muitas e o atrevimento, como lhe chama Vitor Frade não paga imposto. Curiosamente no mesmo dia em que após umas discussões parecidas, uma daquelas pessoas que acrescenta me havia dito enquanto troçava com outro atrevido “vê lá se fazes no clube um programa de pliometria para ganharem 29cm no jogo aéreo”. 

Mas afinal porque desenterrei algo que não me suscitou qualquer valor?

É que hoje, dez dias após o tal texto, provavelmente por uma certa mágoa por não o ter escutado, ou comentado, passou a seguinte mensagem para um amigo que temos em comum Sabe aquele artigo que escrevi motivado pela conversa com o seu amigo? Já me valeu 3 propostas de trabalho no Futebol! hahahahaha. Agradeça-lhe da minha parte!”

E isto é que é preocupante. Palermas que não conheçam a especificidade da modalidade há aos pontapés. Palermas a comentar proferindo atrocidades são mais que muitos. O preocupante é quando há palermas a tomar decisões, empregando outros palermas que coarctam as possibilidades de desenvolvimento dos nossos jovens jogadores. 
Palermice maior só mesmo crer que um mundo cheio apenas de bons decisores será um Mundo de futebol robotizado. Quando é precisamente o contrário. Robotizado é recebes dali, jogas ali, tu entras ali. Boa decisão é recebes dali, analisas o contexto e jogas onde as possibilidades de sucesso forem maiores.

Aos 4’11” a resposta ao “what if he’d have missed?” O culto da decisão. Não por um homem, mas por Cantona.

Sobre Paolo Maldini 3828 artigos
Pedro Bouças - Licenciado em Educação Física e Desporto, Criador do "Lateral Esquerdo", tendo sido como Treinador Principal, Campeão Nacional Português (2x), vencedor da Taça de Portugal (2x), e da Supertaça de Futebol Feminino, bem como participado em 2 edições da Liga dos Campeões em três anos de futebol feminino. Treinador vencedor do Galardão de Mérito José Maria Pedroto - Treinador do ano para a ANTF (Associação Nacional de Treinadores de Futebol), e nomeado para as Quinas de Ouro (Prémio da Federação Portuguesa de Futebol), como melhor Treinador português no Futebol Feminino. Experiência como Professor de Futebol no Estádio Universitário de Lisboa, palestrante em diversas Universidades de Desporto, Cursos de Treinador e entidades creditadas pelo Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ). Autor do livro "Construir uma Equipa Campeã", e Co-autor do livro "O Efeito Lage", ambos da Editora PrimeBooks Analista de futebol no Canal 11 e no Jornal Record.

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