O Autor: Johan Cruyff

Há muitos treinadores gravados na história, mas são poucos os que tiveram capacidade para a escrever. O sucesso e o insucesso. É dessa forma redutora que se juntam os grandes nomes do futebol. E sendo verdade que é impossível dissociar os grandes ganhadores do jogo, não se pode colocar na mesma categoria quem muda e revoluciona completamente o que se pensava até então. Quem vê mais longe. Quem em tempos primitivos vive o futuro.
Johan Cruyff. Um dos únicos verdadeiros autores que o jogo de hoje tem. E digo tem porque o que ele me deixou continuará vivo em cada princípio ofensivo que defendo.
Não o conheço como jogador, nem o contexto em que competiu, e por isso a minha história com ele começa com o treino; Com o jogo; Com as ideias. “O primeiro atacante é o Guarda-Redes, o primeiro defesa é o avançado”. Assim começa o final do futebol do outro século e a passagem para o futebol como ele é hoje. A ideia é simples e rompe com tudo aquilo que se pensava até então, onde reinava a lógica simplista que cada jogador deveria dentro do espaço que ocupava mais vezes ser mais competente no ataque ou na defesa. Cruyff matou-a. Disse que todos devem saber atacar e todos devem saber defender, sem reservas. E mostrou-o na prática. O seu 1x3x4x3 losango afinado de Amesterdão para Barcelona; Pensado para triturar o adversário ofensivamente; Para marcar mais do que aqueles que sofria.
O pai do jogo ofensivo, do ataque posicional. Já aí ele pensava no tipo de jogador que a sua ideia ofensiva pedia. Por exemplo, os jogadores que jogavam mais por fora (dos três defesas) com necessidade de ter uma grande capacidade para dar profundidade e largura, ganhando espaço para receber ou arrastar adversários e libertar espaços para outro jogador noutra zona. Já pensava no tipo de movimentos que lhe permitiam ganhar espaços (aproxima ou afasta) e confundir os adversários, nos timings em que cada um se devia movimentar.
A percepção que malabarismos tinham pouco a ver com a qualidade técnica, e que a técnica deve ser orientada para o jogo. A primazia pela inteligência sobre o físico, mesmo que defensivamente. “Só existe um momento para chegares à bola. Se não estiveres lá, estás adiantado, ou estás atrasado”. A ideia de que a forma como a equipa se posiciona, como cada jogador se posiciona, com e sem bola, é a chave para o triunfo. “Quando tens a bola precisas de fazer do campo o maior possível, quando não a tens precisas de fazer dele o menor possível”. A idealização da posse como um meio para atingir vários objectivos de jogo, e a assumpção de que é impossível tê-la sempre, e aí o ideal é fazer jogar apenas os piores executantes do adversário. “Só existe uma bola, então deves tê-la. Devemos garantir que os piores jogadores deles tenham a bola, num instante a teremos de volta”. A percepção do desgaste físico e mental dos jogadores adversários, e da confusão que causava nos outros treinadores, quando defrontavam o seu modelo de jogo.
Com estas pequenas coisas Cruyff não entra na história do jogo, escreve-a. Isto leva a que o seu maior sucesso não esteja nos títulos que ganhou, mas na forma como influenciou milhares de treinadores, como eu, a colocar muito do seu conhecimento na forma como hoje se pensa o jogo, e em particular na forma como penso que a minha equipa deve jogar. Por ser distinto na forma como nos marcou perdurará. As ideias nunca morrem.
Eu e o meu companheiro de sempre o fizemos viver no balneário aquando do nosso primeiro ano como treinadores:
Nós – Quem é o organizador de jogo da nossa equipa?
Eles – É o jogador X. É o jogador Y.

Nós – Não. O organizador é cada um de vocês quando têm a bola. São vocês que decidem para onde o ataque segue, e por isso são todos organizadores de jogo. E são todos defesas assim que perdemos a bola.

 

Deu-nos mais do que vitórias, derrotas, ou empates. Deu-nos mais do que grandes momentos de futebol, e de requinte técnico. Deu-nos mais do que grandes golos. Deu-nos o jogo que ele pensou, o jogo que se pensa hoje.

 
Johan Cruyff, para sempre, o Autor.

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