Mudança de paradigma? Não!

Ao longo do tempo que temos estado por aqui e por muitas mudanças que foram acontecendo na nossa forma de ver o jogo, as convicções permanecem. Ainda que tal não impeça que sejam sempre questionadas por nós. O que vem mudando talvez seja a forma como vamos transmitindo a mesma ideia, e como aqui ou ali se enfatiza determinado factor.

O jogo que nos faz andar por aqui, é um jogo de equilíbrio e desequilíbrio onde nunca existiu perfeição. E por isso, cada mais valia só é uma mais valia se dentro do contexto adequado para que possa sobressair sobre os outros factores. O exemplo mais mediático é o de Jorge Jesus. Sempre fomos dizendo por aqui que por mais defeitos que tenha a sua qualidade acaba sempre por aparecer. E por isso, ainda que nem sempre leve o caneco, é um treinador especial por ter qualidades que lhe permitiram no contexto que encontrou sobressair quase sempre. Guardiola é igual. O melhor treinador da história em tudo o que é ofensivo, e na transição defensiva. Não tão bom em organização defensiva, e a defender com poucos. Compensa todos os seus defeitos pela forma como consegue extrapolar as suas qualidades para um nível demasiado alto. Há Ronaldo. Também muito falado por aqui, que com os mil golos que foi garantindo ao longo do tempo foi conseguindo fazer valer a sua presença na disputa dos prémios individuais mais notáveis.

Entre casos de jogadores mais fortes em determinada variável e menos fortes noutras, é preciso perceber se a qualidade que lhe vale compensará a menor valia noutros aspectos do jogo. Quando o treinador escolhe é fundamental ter isso em conta. Para este jogo, para aquele adversário, para a situação actual da equipa, para o modelo de jogo em acção, compensará a presença de um e não de outro? E para o plantel tendo em conta o campeonato que se disputa? São questões que ficam sempre na altura de fazer escolhas.

O caso mais falado é o dos jogadores inteligentes e com qualidade técnica acima da média. Equilíbrio-Desequilíbrio. No final das contas, o desequilíbrio que aquele jogador poderá causar justifica a falta de equilíbrio que resultará da sua presença no onze?

Um bom exemplo recente é a Itália de Conte no europeu, que deixou o seu jogador mais talentoso do ponto de vista ofensivo de fora. Insigne. Olhando para a forma como a Itália jogou, o que alterar para colocar Insigne em campo? Abdicava da sistema e modelo de jogo que adoptou, ou o colocava como avançado e no limite como médio. Percebendo o talento de Insigne, compensaria trazer uma solução colectiva diferente para o beneficiar? Beneficiaria mais a equipa com uma abordagem virada para aquele talento em particular? Talvez não. E jogando como avançado, tendo em conta a forma como a selecção jogava, exigia potência, e provocava o choque nas duas posições da frente, será que sairia por cima? E pela exigência física dos três jogadores da zona do meio campo, quem ficava a beneficiar da presença daquele talento no onze? A equipa? Ele? O treinador? Eu, que quero ver sempre os melhores no campo?!

Não basta colocar os talentosos em campo, é preciso criar condições para que possam ser bem sucedidos. Fica sempre a ideia que os melhores executantes, os mais talentosos, devem estar sempre em campo; Afinal, é por eles que eu também anseio. Mas não! Porque o futebol não é um jogo onde encontras os onze melhores jogadores. É um jogo onde encontras os melhores onze para jogar no contexto em questão.

18 Comentários

  1. Concordo em parte. Acho que deves configurar a equipa para tirar o máximo partido dos mais talentosos que tens ao teu dispôr, sendo que o conceito de talento é subjectivo ao critério do treinador, ao modelo que ele quer utilizar, e aos jogadores que tem disponíveis e que consegue convencer a jogar consigo e por si.

    • Concordo que o talento é objectivo ao critério do treinador. Mas não é por isso que o jogador deixa de ser talentoso nos critérios em que eu os caracterizo. Portanto, tu quando montas a equipa, montas em função da ideia de jogo que tens, e depois vais procurar quem encaixa melhor nessa ideia de jogo. Nessa parte, isso não tem nada a ver com talento. Um treinador pode perfeitamente reconhecer o talento e perceber que no seu modo de jogar não enquadra.

  2. Muito bom Blessing.

    O caso do Insigne é semelhante a outros que andam por aí encostados porque não são mais valias nos modelos de jogo dos seus planteis. Assim à cabeça vem me o Oliver Torres. A questão é então em que contexto tu ves o teu jogador a ser relevante. Em que contexto o Simeone achará fixe ter o Oliver? Será que não faz mais sentido ter um outro jogador, com outras competencias defensivas e fisicas tendo em conta o modelo do Atletico?
    É que parece-me muito curto ter um jogador que só é relevante em contextos muito peculiares e pouco frequentes.

    • Relativamente ao Óliver, coloco algumas hipóteses. Pode ser só uma delas, ou até todas:

      1 – O facto de ser um jogador da formação com muita qualidade pode levar a que haja alguma pressão para o manter na equipa.

      2 – O facto de o ter colocado em empréstimo e não o ter vendido, para poder realizar um bom encaixe com ele.

      3 – Talvez Simeone tenha mesmo tentado fazer com que Oliver se adaptasse ao seu modelo, mas tal não aconteceu, e por isso não faz muito sentido continuar por lá.

      Quanto ao texto, está muito bom, e o último parágrafo é top. De facto, a partir de um determinado nível em que os jogadores já têm todos um mínimo de qualidade e existe equilíbrio nessa qualidade dentro do plantel, não são os 11 melhores que devem entrar, mas sim os 11 melhores para aquele contexto, com tudo o que isso envolve.

      E JJ tem sido fantástico na forma como potencia determinados jogadores, precisamente por potenciar as suas caraterísticas dentro de um modelo com alguma rigidez, mas também flexibilidade por permitir e até apoiar essa expessão individual. Slimani e Adrien são exemplos flagrantes.

    • Gonçalo,

      A partir do momento em que o atlético é considerado um grande, passará muito mais tempo em organização, porque joga contra outras equipas que replicam a forma de estar actual do atlético.

      A partir desse momento, a não utilização do Oliver é pura burrice.

      Isto, obviamente, atendendo às qualidades futebolísticas do jogador, o que vai dentro do balneário já não sei.

      • Gonçalo, é considerado grande por estatuto. Porque em termos de jogo, não é dominante. Dão a construção de borla, baixam linhas, e esperam para sair. Na liga espanhola funciona porque “todos” querem ter bola. Em Portugal tava fodido, ia ter que atacar à grande.

  3. Quando é um jogador que gostamos e um treinador que não achamos tanta graça ao modelo a culpa é do treinador…quando é um treinador e modelo que nos revê mos,então foi o jogador que não se adaptou,ou é egocêntrico…será assim tão linear?

    • Olá Romário, concordo que muitas vezes possa parecer assim, mas não será.

      Se olharmos puramente nessa vertente, ignoramos o contexto histórico vs actual de clube, treinador e jogador.

      Parece-me lógico que o atlético precisará, cada vez mais, de jogadores como Oliver, porque se não será prisioneiro do seu próprio modelo e processo de jogo.

      • Todas as equipas são prisioneiras do seu modelo de jogo.

        De resto, enquanto Simeone for o treinador não vale a pena ter jogadores como Oliver. Não têm o fundamental para ele.

    • Nunca é assim tão linear. Eu acho que um treinador se percebe que não conta com o jogador o melhor a fazer é deixar que ele vá. Agora, fico fodido quando não contam com o jogador e o agarram para passar uma época no banco e fora da convocatória. Quanto aos jogadores acho que se percebem que não há compatibilidade com o treinador devem sair. Ficar para depois andar a chorar que é injustiçado é zero. E dentro disto há muitos ziguezagues. Nada é tão linear.

  4. Bom artigo. Os modelos são sempre dinâmicos e dependentes do contexto desde logo porque mm que as ideias de um treinador se mantenham iguais as entradas e saídas de jogadores alteram necessariamente a forma como o seu modelo e as suas ideias são interpretados. E depois há a questão que muitos subestimam que é a adaptação dos adversários ao nosso modelo de jogo leva necessariamente a uma necessidade de diversificar as formas de ataque.

    A grande maioria das pessoas que visita este e outros blogs similares prefere um futebol de posse, com muito jogo interior e que privilegie o momento de organização ofensiva. Eu tb faço parte desse grupo mas sou radicalmente contra fundamentalismos que acham que essa é a única forma de ter sucesso independentemente do contexto (jogadores, clube, valia dos adversários, etc).

    Por exemplo existem algumas pessoas que se questionam e sentem-se quase traídas qd uma equipa do Guardiola faz uma transição mais rápida, um passe mais longo, um remate de fora da área ou um cruzamento para área. O problema é que se as equipas do Guardiola nunca cruzarem as equipas adversárias estrategicamente vão defender com os laterais muito por dentro o que por sua vez dificulta o jogo interior de penetração e tabelas. Aliás os laterais deixariam de se aproximar dos alas quando estes recebessem a bola no pé. Para quê ir lá se eles n cruzam? para depois levar com uma tabela no espaço entre o lateral e o central?

    Este é aliás um desafio para os poucos treinadores e equipas que ainda privilegiam a organização ofensiva. É que o nível global das organizações defensivas melhorou imenso e só organizações ofensivas mais competentes e mais versáteis (e que sejam minimamente competentes nos outros momentos de jogo) é que conseguirão ganhar sistematicamente a equipas com nível qualitativo semelhante que decidam especular o jogo.

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