Raciocínios tácticos. Manchester City.

Em cada ideia de jogo que os treinadores adoptam e nos posicionamentos que escolhem para dar vida ao seu modelo de jogo, há jogadores mais beneficiados e outros menos beneficiados. A tendência natural do treinador será a de escolher os jogadores que mais facilmente poderão encaixar no que ele idealiza, saindo as suas qualidades valorizadas. Mas é impossível enquadrar todos dentro da mesma ideia, porque apesar das semelhanças todos são distintos.

O trabalho de Guardiola, que tende a adaptar-se ao valor do jogador, vai nesse sentido. E as dinâmicas que escolhe, em ataque posicional, são reveladoras dessa tendência. Desde que deixou Barcelona, nunca mais os seus extremos foram avançados, e os seus laterais extremos. Porque nunca mais teve laterais com a capacidade de Daniel Alves e Jordi Alba, assim como foi tendo sempre extremos com uma capacidade absurda no 1×1.

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Na segunda fase de construção o posicionamento de base é este. E importa lembrar que o sistema que se escolhe influencia e muito o rendimento que cada jogador pode ter. Não importa só a dinâmica, mas também o ponto de partida de cada jogador.

Como se percebe, Fernandinho na linha dos centrais e os laterais Zabaleta e Kolarov dentro. E tendo em conta as características de ambos os laterais, que não se precipitam contra o adversário nem fazem da velocidade a sua maior arma o quão beneficiados eles são com a posição de onde partem. Servem como referência interior quando a bola está nos elementos mais recuados, e como cobertura quando a bola está nos mais adiantados. Não é por isso que deixam de participar activamente na criação, alterando de forma significativa o seu posicionamento consoante a situação de jogo. Mas percebe-se bem qual é o seu ponto de partida e a sua missão. Ligar com a criação.

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Este forma de colocar a equipa tem ainda a vantagem de provocar uma transição defensiva com menor necessidade de ajustes. Os laterais estão mais perto da sua posição natural – ao lado dos centrais -, assim como os interiores e os extremos. Basicamente, é só recuperar para trás da linha da bola. Veja-se o triângulo Kolarov, Fernandinho, Zabaleta, que abre a possibilidade da linha defensiva estar quase sempre composta, ou de serem os elementos da linha defensiva, e o 6, a defender as situações mais complexas. Com poucos jogadores e muito espaço. A competência defensiva destes, pela experiência (tempo que passam em acção defensiva naquela posição, ou noutras), não tem comparação com a de outros.

Se de Sterling, Silva, e Aguero não importa falar muito, porque as suas posições de partida vão de encontro ao que de melhor podem dar ao jogo, o ponto de partida de Nolito, e De Bruyne não os tem beneficiado. Mais Nolito que De Bruyne, diga-se. Nolito beneficiaria mais em jogar como apoio frontal, entre central e lateral, ou até mesmo entre centrais, porque o que de melhor pode oferecer ao jogo está na sua capacidade para jogar dentro do bloco. Afastando-o do corredor central estamos retirar quase tudo que de melhor pode oferecer. Pela capacidade que tem de ver tudo à sua volta antes de receber, e por isso de rapidamente enquadrar; Pela percepção do timing perfeito para colocar a ruptura, temporiza; Tabela, e finaliza; A velocidade de execução é perfeita para espaços reduzidos, bem como a forma como não se precipita sob pressão. Jogando por fora são-lhe colocadas situações onde o seu principal atributo não se destaca.

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Como na imagem acima, onde Zabaleta aparece na posição que deveria ser de Fernandinho, onde Silva aparece na posição que deveria ser de Kolarov, pretendia-se que fosse Nolito o apoio frontal de Silva e Kolarov a dar largura. Kolarov sairia a perder, principalmente na transição defensiva por não ter velocidade para recuperar rapidamente a posição. Mas Nolito ganharia muito. Imagine-se que Silva jogava como interior direito, na posição de De Bruyne. De Bruyne como interior esquerdo na posição de Silva, a pegar no jogo mais atrás. Nolito na posição de Kolarov, e Kolarov na de Nolito.

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Porque é ali, no corredor central, onde ele é preponderante. Não apenas na posição onde se encontra na imagem acima, mas também na posição onde está Silva. O que não se quer para que possa potenciar ao máximo o seu rendimento é que esteja na posição de Sterling, que encaixa perfeitamente nas exigências do jogo exterior. Veja-se a acção de Nolito no quarto golo, quando parte de um posicionamento distinto daquele que adopta mais vezes.

Nota final. Percebe-se o pouco conforto que os jogadores têm na circulação, e em esconder a bola do adversário. A equipa ainda é muito impaciente. Se pressionado, e devidamente aproveitado pelos adversários, poderá custar alguns pontos à equipa de Guardiola nesta fase.

15 Comentários

  1. Extraordinário post! Estive com bastante atenção ao jogo e mesmo assim não consegui ver/compreender muito do que foi referido.
    Na 2ª parte pareceu-me que o Fernandinho passou a recuar para o meio dos centrais também na primeira fase de construção. Na primeira parte pareceu-me posicionar-se dentro do bloco adversário (na 1ª fase), com o lateral do lado da bola em largura e o lateral do lado contrário dentro também. Com a bola no corredor central, um dos laterais vai dentro (normalmente Zabaleta). É isto, Blessing?

    Ainda que os processos não estejam bem assimilados, este City já joga muito!

    • Martelo, “Na 2ª parte pareceu-me que o Fernandinho passou a recuar para o meio dos centrais também na primeira fase de construção. Na primeira parte pareceu-me posicionar-se dentro do bloco adversário (na 1ª fase), com o lateral do lado da bola em largura e o lateral do lado contrário dentro também.”

      Ele recuava sempre que era necessário, na minha opinião. Se o Steua fecha os centrais ele recua para o meio deles para receber. Se há um central livre, ele mantém o seu posicionamento à frente dos centrais. Não sei se reparaste, por exemplo, na forma como sem bola os centrais se adiantam para receber na posição 6, sempre devidamente compensado por Fernandinho, mas por forma a criar uma opção de passe segura para dar seguimento ao jogo. Ou seja, ali, na construção, centrais e 6 têm liberdade para se movimentar consoante a oposição.

      “Com a bola no corredor central, um dos laterais vai dentro (normalmente Zabaleta). É isto, Blessing?”

      Na passagem da primeira para a segunda fase os dois laterais vão dentro. Extremos mantêm largura, e interiores sobem. Normalmente foi isto que aconteceu, na minha opinião

  2. Eu dou dois meses para que o Sterling comece a ser adjectivado como “fantástico”, “grande jogador”, “joga muito”, “sempre disse que tem um grande potencial”, por aqueles que agora dedicam o seu precioso tempo a malhar no rapaz. Já faltou mais.

    Vi o jogo de sábado e o de ontem, mas com pouca atenção. Uma coisa é certa: já é do melhorzinho que anda por aí. Tudo bem que aqueles jovens do Steaua, eh, têm umas coisas giras mas que não servem para este patamar. Mas o resultado certo era 10-0.

    E que golos… Quase tudo em construção. O que era fácil demais não servia.

    • Edson, tem estado bem. Ao nível que se esperava dele. Mas ainda tem mto erro e mto para crescer. Aliás, falei dele num tópico num desses grupos que aí andam, porque o adjunto do Guardiola que veio do Liverpool foi treinador dele na formação. Nos sub19, e aí percebe-se perfeitamente que ele não era nada do que foi, por exemplo, no Euro. Tem tudo a ver com a forma como o talento dele é enquadrado. E ele é talentoso.

      • Claro que sim, no sábado então, contra um adversário mais complicado, fez umas série de parvoíces: mas aos 5 minutos já tinha provocado um pénalti. É um jogador com um grande potencial, na minha opinião. E será, acredito, um dos maiores beneficiados por trabalhar com o Pep. Aliás, já se nota a diferença.

  3. Concordo com a ideia de que Nolito muito preso na linha rende menos, mas acho que a ideia de ter os extremos bem abertos é algo que Pep não abdica. O henry explica isso num video do youtube (https://www.youtube.com/watch?v=DeA4OHmOVy8). Os extremos estarem presos na ala é crucial para que o jogo interior funcione, porque se o adversário optar por amontoar muitos jogadores no meio, a bola entra na profundidade num dos extremos.
    Acho que daqui a uns tempos, jogará Sané por fora, e Nolito passará a contar como médio interior e lutará por um lugar com Silva e De Bruyne (mais o segundo, porque o espanhol parece me que é a referência de todo o jogo da equipa).
    Em relação aos laterais por dentro a receber, não é novo. No Bayern, fez algo parecido (mais no último ano), mas creio que foram raros os jogos em que ambos apareciam por dentro como se fossem médios. Era mais habitual lahm aparecer e alaba/bernat dar largura. Concordo com a ideia de que isto acontece porque os médios ofensivos têm maior capacidade de desequílibrio (principalmente Sterling e De Bruyne) e os laterais menos capacidade de desequilíbrio e velocidade, mas também me parece que Guardiola procura isto porque falta um médio centro como foi Xavi nos 4 anos de Barça, Kroos no primeiro ano de Bayern e Thiago a espaços no Bayer. Se calhar com Gudogan, as dinâmicas serão outras.

    • “a ideia de ter os extremos bem abertos é algo que Pep não abdica”

      abdica pois. se tiver laterais com capacidade para jogar em largura. como a Alemanha faz. quanto à questão do jogo interior também vou falar sobre isso brevemente, pois acho que com a forma como todos agora defendem em bloco a largura por si só não espaços. só abre se associada ao mesmo tempo a um ataque a profundidade. de corredor para corredor o resultado é quase nenhum, uma vez que quem defende não usa o adversário como referência, ou não usa tanto, jogando em bloco.

  4. Grande Post , o que não acredito é que com adversários mais fortes ele aposte numa equipa tão ofensiva como ontem (apenas Fernandinho tinha características defensivas).

    Em 1 mês de trabalho já dá mais vontade de ver o City a jogar que com Mancini e mesmo o Pelegrini que me parece 1 treinador q vcs apreciam neste blog agora site, nunca tive paciência de os ver jogar pq embora tenham grandes jogadores o futebol deles é pachorrento, fica sempre a sensação que lhes falta estofo/culhões sei lá…

    Ainda existem muitas coisas a melhorar, mas pelas ideias já dá pra ver que teremos já um City com um futebol muito mais atractivo do que teve nos últimos anos, o resto a qualidade individual que lá abunda fará a diferença , e ainda falta Sane pra festa ser completa , espero que resolva seus problemas com Yaya…

    Uma coisa ninguem pode criticar o City, lá os treinadores tem estabilidade pra trabalhar , Pelegrini e Macini tiveram 3 épocas , portanto Guardiola e City têm tudo pra ter sucesso.

  5. Yap, concordo com isso que dizes. Aliás, quando Nolito foi contratado pensei que acontece uma de duas coisas: 1) ruptura com aquilo que era habitual no Bayern, ou seja, extremos desequilibradores, por fora com muitas situações de 1×1 e criação de 2×1 nesse espaço; 2) Nolito ser um jogador para jogar por dentro, isto porque não o considero um jogador desequilibrador naquilo que os extremos do Pep no Bayern eram. Não aconteceu nenhuma destas e ele tá a jogar mesmo por fora. Não acho que beneficie Nolito nem a equipa, mas acho que irão surgir mais dinâmicas nesse corredor. Nomeadamente Kolarov a envolver-se muito ou um dos 3 da frente a mostrarem-se formas diferentes para que com bola Nolito consiga penetrações interiores.

    Quanto a Sterling, sempre disse que era excelente tecnica e fisicamente e que desequilibrava muito fácil. Sempre achei que tinha de ser enquadrado num contexto que fosse de encontro às suas melhores características e de apanhar um treinador que o fizesse evoluir a nível cognitivo, a perceber o contexto, as formas de o resolver e de como se associar c colegas. Apanhou o treinador certo… vai, para mim, explodir e mostrar tudo o que sempre prometeu.

    Acho que como já te disse, Pep vai sentir falta de Lahm e Alaba. Porque nenhum dos laterais do City apresentam características tecnicas e cognitivas tão fortes. Aquela dinâmica que o Bayern tinha imprimida pelos laterais fascinava-me!!

    Bom post!

  6. Bom porto. Eu acho que no barça, tb já teve os laterais dentro, mas nunca como interiores. Se bem me recordo, o Dani Alves e o Abidal juntavam-se imensas vezes ao Trinco, pq Guardiola tinha os extremos bem abertos. Lembro-me do 5×0 ao Real, aí, em ataque posicional, um dos laterais estava sempre no meio para ajudar o trinco da altura em momentos de transição.

  7. espectaculo blessing,mas ainda falta a pausa que o gundogan vai dar a equipa,nota se claramente,mais na 1 parte que ainda nao estao confortaveis com bola,fixam pouco antes de soltar,2 parte mto melhor,até encontrarem o buraco e aceleram,stones a crescer,cada jogo do city é de uma riqueza de ideias e de aprendizagem!

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