Jogo de espaços, tempo e decisões.

O jogo e os seus métodos defensivos evoluíram de uma forma incrível ao longo da última década.

Costuma afirmar-se o quão caro está cada metro quadrado no jogo de futebol da actualidade. As organizações colectivas cada vez mais conseguem no momento defensivo reduzir espaço ao portador. Sem espaço, reduz-se o tempo para enquadrar. Para decidir e para executar, antes que a perda surja.

Para todos em posse, o jogo é um jogo de espaços. Na actualidade é praticamente impossível chegar-se ao golo por um caminho em linha recta. Os corredores fecham-se com muita facilidade, a concentração de defensores aumenta, e as possibilidades de sequer manter a bola diminuem, quanto mais as de se chegar à meta seguindo por um caminho que mais não é que o bater contra uma parede.

Com ainda maior incidência nas equipas onde não há Messis e Iniestas para em espaços fechados e curtos se resolver ofensivamente problemas, hoje assume grande preponderância em termos ofensivos o jogo de espaços. O rodar o centro de jogo. O procurar dar ao portador as melhores condições para ele ter sucesso.

É muito fácil de perceber como aumenta ou diminui a dificuldade e a probabilidade de sucesso. Qualquer miúdo com seis, sete anos que jogue futebol consegue entender que mais espaço e menos oposição facilitar-lhe-à as possibilidades de ser bem sucedido.

Decidir em organização ofensiva passa bastante por identificar os espaços que promovam superioridades e recusem inferioridades. Mais espaço mais fácil. Menos oposição mais fácil.

Um texto recente com um golo do Newcastle trouxe uma discussão interessante, que ajudará a explicar não só o facilitar ou dificultar as condições ao portador mas também o que difere da acção / decisão.

“A variação de flanco não traz nada de positivo ao lance”

Por imagens a variação de flanco:

1

2

3

 

Experimentem, até pode ser com os amigos no páteo reproduzir mil situações (espaço – situação numérica) da imagem 1 e 2. E outras mil da três, perceba qual das situações lhe trará maior sucesso. Em quais fará mais golos. Posteriormente volte cá e comente a ideia de que não trouxe nada de positivo passar de uma situação de jogo para outra.

Porque o gesto técnico da recepção foi mau, afirmou-se que aquela variação deixou o portador sem espaço e como tal foi uma má decisão.

Nada mais errado sobre o que é decidir ou não. A decisão não se confunde com a consequência. Conforme mostram as imagens, na verdade, mesmo com a má recepção, mesmo com os três toques que foram precisos para dominar a bola, continuou a haver um espaço tão grande para o portador que quase se torna invulgar nos dias de hoje! Nem parece que as equipas estão nos seus momentos de organização!

 

4

 

Ainda assim, imagine que de facto o portador está apertado, ou pior, que na recepção deixou a bola passar por baixo do pé e esta saiu para lançamento para a equipa adversária. É uma má decisão de quem rodou o centro de jogo? Obviamente que não! Havia condições para transformar uma situação com dezenas de pernas num 1×1 com imenso espaço, e mais profundo no relvado há que o fazer. Mesmo que depois não se use sempre esse espaço para desequilibrar (tal já dependerá da qualidade do portador), há sempre que procurar na decisão facilitar a tarefa ao portador. Se tecnicamente o passe sai errado, ou não sai a recepção, tal não significa nunca que a decisão foi má!

Da mesma forma que o cruzamento para a área não é uma boa decisão porque deu golo! Cruzar para aquele espaço (intenção ou gesto errado?!) em vinte dará um golo. Calhou ser neste. Mas cruzar com a bola a cair onde caiu, não é uma boa decisão! Ainda que tenha sido golo!

Nunca confundir decisão com resultado da acção!

 

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Sobre Paolo Maldini 3828 artigos
Pedro Bouças - Licenciado em Educação Física e Desporto, Criador do "Lateral Esquerdo", tendo sido como Treinador Principal, Campeão Nacional Português (2x), vencedor da Taça de Portugal (2x), e da Supertaça de Futebol Feminino, bem como participado em 2 edições da Liga dos Campeões em três anos de futebol feminino. Treinador vencedor do Galardão de Mérito José Maria Pedroto - Treinador do ano para a ANTF (Associação Nacional de Treinadores de Futebol), e nomeado para as Quinas de Ouro (Prémio da Federação Portuguesa de Futebol), como melhor Treinador português no Futebol Feminino. Experiência como Professor de Futebol no Estádio Universitário de Lisboa, palestrante em diversas Universidades de Desporto, Cursos de Treinador e entidades creditadas pelo Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ). Autor do livro "Construir uma Equipa Campeã", e Co-autor do livro "O Efeito Lage", ambos da Editora PrimeBooks Analista de futebol no Canal 11 e no Jornal Record.

16 Comentários

  1. Maldini, esta variação de flanco não começou a ser mais usada quando da passagem do guardiola no Bayern? Onde se via várias vezes o Boateng meter a bola no Douglas Costa? E este ano no City, guardiola também tem tentado muitas vezes esta variação de flanco e em profundidade para os alas contrários. Estou errado? Sera este um movimento que iremos passar a ver cada vez mais no futebol atual, de maneira a aproveitar o espaço e desiquilibrio que causa no adversário?

    • A variação de flanco sempre existiu e sempre foi usada, e sempre com o mesmo propósito, que é meter a bola num espaço onde possamos ter mais vantagem.

  2. “Da mesma forma que o cruzamento para a área não é uma boa decisão porque deu golo! Cruzar para aquele espaço (intenção ou gesto errado?!) em vinte dará um golo. Calhou ser neste. Mas cruzar com a bola a cair onde caiu, não é uma boa decisão! Ainda que tenha sido golo!

    Nunca confundir decisão com resultado da acção!” Era engraçado comparar isto com o que foi dito no post anterior, antes do autor o ter editado

  3. E ter qualidade p isso? 🙂 n é para todos tb… pode nem ser uma variação. Aqui o que se fala é mm o chegar a espaços e situacoes mais vantajosos. E este caso é o mais óbvio que pode haver para se perceber essa msg!

    • Mas as situações são ou não vantajosas dependendo das caracteristicas dos jogadores envolvidos ou não? Se quem vai receber a bola com mais tempo e espaço é um jogador fraco no 1×1, porque é que a variação trouxe algo de positivo? Porque é que deixar um jogador fraco no 1×1 sem nenhuma opção que não seja cruzar para a área trouxe algo de vantajoso?

      • Ah e sem nenhuma opcao sem ser cruzar pq? Ou como assim? Nao podia ter ficado com a bola à espera que chegasse a cobertura o rodar por tras pq ou esperar outra aproximaçao qq? Essa é a vantagem de ter aquele espaço todo. Nao precisas de precipitar a decisao (q foi o q ele fez na decisao de cruzar). Com aquele espaço. .. quem manda é o portador. Pode fazer o que quiser. Sabes que o tipo q fica parado à frente dele nem q atire flechas pelo rabo… se la vai para desarmar é sp comido ne? Ja tiveste uma bola nos pes.. parado… e alguem veio de frente p ti para ta tirar? Se já o q aconteceu…?

  4. Nao sendo um entendido, mas sim um curioso do futebol, penso que o que Guardiola tenta sempre fazer (e ja desde o barça… Embora aí tivesse o ET que tornava tudo simples) é atrair o adversário e desposiciona-lo de forma a que o espaço surja para os seus desiquilibradores partirem a loiça com maiores probabilidades de sucesso.

      • É mais fácil criar é um facto, mas porque está mais longe da baliza, a desorganização adversário deverá ser procurada pela a equipa que ataca, contudo, acho que será um erro apenas direcionar o jogo para as variações do centro de jogo, ao invés de abrir o campo, mostrando ao adversário que conseguimos jogar no corredor central, e aí parece me pertinente falar da importância do jogo interior e jogo exterior, e como a sua relação origina a criação de espaços tanto nos corredores laterais como central. Ainda para mais a solução vista na variação do centro de jogo é vista como ótima só pelo espaço, quando no meu ver, isso não é verdade… sendo assim deverá ser garantido não só o espaço, mas essencialmente a superioridade numérica um principio geral comum a todos os desportos coletivos, e vejo ser este o verdadeiro problema das variações do centro de jogo sem sucesso.

        Na imagem acho que é bastante perceptível alguns erros, primeiro ofensivamente a relação de igualdade, a evitar… depois na defesa, a contenção longe do portador da bola e não a limitar o espaço de ação, quando na verdade, e seguindo os princípios de jogo a cobertura defensiva está demasiado longe, nessa situação criaria um 2×1.

        No fundo, acho que o verdadeiro problema está situado na compreensão dos princípios de jogo, tanto gerais como específicos…. Ainda hoje num jogo da Serie A com jogadores de topo mundial reparei em alguns erros relacionado com os princípios…. e se é um princípio é porque é mesmo fundamental.

        Abraço

  5. Uma vez ouvi uma pessoa alcoolizada em um bar,que disse algo que nunca mais me esqueci:
    “O Futebol é um jogo de deslocamentos diagonais, quer seja o homem, quer seja a bola.”
    Associando as variações de flanco a passes diagonais longos, fica a essência de muitas variações de flanco que surgem cada vez mais no campo.

    Grande trabalho como sempre.

  6. Boa tarde a todos,

    Na minha opinião só há algo de excepcional neste lance, a decisão de abrir no outro flanco pelo jogador do Newcastle.

    Antes disso, temos uma circulação segura, mas sempre por fora, tens poucos apoios frontais, pouca dinâmica entre as linhas, nada de excepcional, até porque não podemos esquecer que se trata de um plantel de Premier League a jogar no Championship.

    Depois do passe, tens uma decisão precipitada por uma má recepção, o tal centro para a área, que me parece com pouco critério. Ter sido golo, pouco importa, porque não vi ali nada que fosse efectivamente planeado ou definido por um dinâmica pré-existente.

    O que houve foi apenas uma boa decisão do tal jogador, antes e depois, tudo relativamente banal.

    Seria um post interessante com este título: “como dinâmicas colectivas banais podem ser exponenciadas por boas decisões individuais”.

    Gosto muito quando vocês não estão de acordo.

    Um abraço

  7. “A decisão não se confunde com a consequência.”
    “Nunca confundir decisão com resultado da acção!”

    Caro Paolo Maldini

    Fantástico

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