“Foi pena. Teria sido muito mais difícil para a equipa do Real Madrid se eu estivesse ali nestes últimos minutos. Foi pena, o Sporting fez uma grande partida contra o campeão europeu. O Real Madrid começou a fazer algum desequilíbrio nos últimos dez minutos, com as substituições, o que fez com que a nossa equipa perdesse algumas referências e começasse a ser menos rigorosa.” Jorge Jesus
No mais recente podcast do Lateral Esquerdo, falámos da importância que podem ter as declarações de Jorge Jesus.
Para além daquilo que não podemos confirmar, o treinador e os jogadores vão-nos deixando pistas, que nos permitem questionar a autonomia e a capacidade coletiva da equipa, nos momentos em que precisam de interpretar e resolver determinados problemas.
O treinador do Sporting foi expulso aos 58 minutos da segunda parte, frente ao Real Madrid. As suas declarações no pós jogo parecem indicar-nos que a equipa depende da presença do treinador, para que possa ser cumpridora.
Terá assim tanta importância na performance individual e coletiva, a presença do treinador no banco? E se de facto tem, fará sentido que tenha? Não me parece.
Recentemente, em mais um ótimo artigo, o Pedro Bouças afirmou algo interessante:
“No modelo de Jesus, todos os posicionamentos são definidos ao mais ínfimo pormenor. Os comportamentos posicionais são repetidos até à exaustão. Comportamentos pensados pelo treinador leonino, ordenados para que tenham a lógica que Jesus encontra no jogo.”
Parece-me consensual que as ideias com que Jorge Jesus procura resolver os problemas que encontra em Portugal, têm um enorme valor. No entanto, acredito que deva existir um cuidado com a forma como estas ideias são passadas aos jogadores e, sobretudo, com a forma como elas são treinadas.
Ao operacionalizarmos uma forma de jogar, não nos podemos esquecer da diferença que existe entre quem responde de forma automática e de quem o faz em resposta a um determinado entendimento, que resulta de uma percepção do contexto atual.
“Se soubéssemos a explicação para a derrota tínhamos aplicado durante o jogo. Tentamos desde o inicio impor o nosso jogo, a nossa ideia, mas fomos contrariados.” Adrien Silva
São muitas, as vezes que avaliamos determinado padrão de jogo de uma equipa e valorizamos aquilo se repete com qualidade. No entanto, e como referi num texto anterior, essa apreciação não significará que essa equipa não reaja de outra forma, em situações similares.
Numa passagem incluída num capítulo, interessantíssimo, do livro “Mourinho – Porquê tantas vitórias?”, José Mourinho diz-nos o seguinte:
“Quando vou estudar o adversário e procurar identificar os seus comportamentos-padrão, constato que, muitas vezes, o desenvolvimento dessa dinâmica de jogo é, não tanto uma dinâmica, mas um automatismo mecânico.”
Ora, isto parece fazer todo o sentido, quando relacionamos a qualidade de um determinador conjunto de ideias com a incapacidade coletiva para solucionar determinada situação.
Ainda assim, é importante perceber que não estou certo que isto seja um problema de Jorge Jesus. Até porque já surgiram declarações que nos guiam no sentido contrário.
“…faz o jogador pensar: o quando, como e onde é que tem de, por exemplo, receber a bola…para onde tem de se movimentar, em que momento, em que timing (…)” Paulo Fonseca, sobre Jorge Jesus.
Esta é uma das mais valias do treinador: a capacidade de despertar nos seus jogadores, a vontade de conhecer o jogo.
Criar contextos de exercitação que potencializem a procura de diferentes soluções e aceitar as soluções oferecidas como válidas e integráveis naquilo que é a proposta do treinador, é fundamental para que se respeite a real dinâmica do jogo. Um jogo que é muito mais deles, do que nosso.
o verdadeiro aluno é o treinador e quem ensina sem saber maior parte das vezes é o jogador…
Este post tras de novo o tema do treinar aberto e treinar fechado. Ou, mais fechado vs mais aberto. Entender e interpretar vs Repetir e reproduzir.
Muito bom Bruno!
Exatamente! Muito obrigado.
Como se sabe, o objetivo do treino é conseguir controlar o que acontece no jogo, em cada um dos momentos, não permitindo que as coisas aconteçam por acaso. Mas há um ponto a partir do qual esse controlo é excessivo e a equipa perde capacidade de adaptação, imprescindível tendo em conta a natureza do jogo.
É por aí, José. Reduzir a aleatoriedade sem perder capacidade de adaptação.
“Ao operacionalizarmos uma forma de jogar, não nos podemos esquecer da diferença que existe entre quem responde de forma automática e de quem o faz em resposta a um determinado entendimento, que resulta de uma percepção do contexto atual.”
Caro Bruno Fidalgo
Este texto lembra-me a longínqua final da CHAMPIONS LEAGUE 93/94 Milan-Barcelona (4-0).
Para mim, o Milan partia como favorito absoluto e ainda mais favorito ficou quando Cruyff retirou Laudrup (por excesso de estrangeiros) da convocatória; muito melhor seria se tivesse retirado Koeman ou Stoichkov.
Ora, o Barcelona portava-se como uma máquina extremamente bem oleada mas retirada a criatividade de Laudrup ficou extremamente vulnerável e muito facilmente, Capello (na esteira de Sacchi) pôs uns grãos de areia na máquina e Desailly, Savicevic e Massaro dinamitaram o Barcelona.
Mecanizar é útil mas é preciso jogadores criativos para evitar que a equipa torne-se previsível que fique vulnerável.
O patamar competitivo em que cada treinador esta inserido dita sobremaneira algo que considero essencial em todo o processo; a capacidade e disponibilidade cognitiva dos atletas, para per si descobrirem, entenderem e manusearem o jogo.