A história da coerência, da liderança e do treino

A liderança de equipas, pela complexidade e ambiguidade em que é exercida, continua a apaixonar muitos de nós, bem como a liderança do treinador, que é um dos campos de análise e discussão mais fascinantes num ambiente altamente competitivo. É difícil descrever todos os desafios e funções de um treinador. Construir uma relação e influenciar o desenvolvimento psicológico do atleta, passar confiança, conseguir compromisso, possuir o domínio das competências técnicas, táticas, interpessoais como a inteligência emocional, motivar e inspirar, gerir conflitos e alinhar a equipa no objetivo comum, manter a sinergia e um sentimento de pertença.

E é aqui que entra a balança entre aquilo que os treinadores afirmam que gostam de realizar nos treinos e o seu perfil de liderança. Dos exercícios, estilos, métodos, hábitos e crenças que baseiam os seus ideais de treino vs o modo como comunicam, se comportam, pensam e sentem, ou não fosse isto um bom apanhado daquilo que contribui para aferir o que somos nós enquanto líderes de alguém!
E o que contribui para a incoerência entre os exercícios e métodos de treino que aplicamos e aquilo que somos apurando as palavras e gestos é que para lá do desconhecimento que temos enquanto o que somos realmente como líderes de uma equipa, o que pedimos ou mandamos realizar não é acompanhado por uma coerência e sinergia dos comportamos durante ou pós os exercícios. Ou seja, eu crio e dinamizo exercícios ou tento incutir ações na equipa, mas ao mesmo tempo tenho ações distintas ou opostas, criando uma espécie de castração na liberdade ou no controlo que tento dar.

Leio e observo tantos treinadores a aplicarem o que observam noutros treinadores. E noutras equipas. E aplicam nos seus territórios com condições e atletas distintos. Mas também eles, treinadores, nem sabem se conseguem acompanhar o exercício com intervenções verbais e gestuais alinhadas e coerentes com aquilo que o exercício trabalha em termos de comportamentos. Nem tenho bases para afirmar se isto é pior do que não fazer quase nada. Mas creio que exercícios, sejam eles simples, sempre que alinhados com as intervenções de liderança, comunicação, reforço positivo ou controlo desenfreado, se tudo for alinhado, pelo menos uma coisa conseguem: maior compreensão por parte do atleta daquilo que o treinador pretende.

Numa entrevista dada por Mike Krzyzewski, este afirma a ideia da construção de uma figura e a necessidade de a transmitir: “Tu tens de ser tu próprio. Isto é algo que tu tens de falar às tuas equipas, de ser e usar a tua personalidade e os teus valores para atingir a equipa”. O treinador por norma expõe-se e isso traz um risco, sendo que a relação de cada treinador com a sua identidade marca tensão, ansiedade e entusiasmo. A interação com os outros é marcada por uma intensidade emocional que é fundamental para criar a ligação com a audiência e é interessante que os treinadores têm preocupações nos momentos em que falam de si e que sabem que isso é importante para alcançar o que pretendem de quem vai ouvir.

Alguns estudos demonstram que os treinadores com mais hipóteses de serem campeões possuem um conhecimento extenso mas específico nas áreas em que trabalham, têm uma capacidade fantástica de organizar o seu conhecimento pela importância que possuem e analisam na sua mente factos que acontecem de modo estruturado. Memorizam e comparam desempenhos de atletas e competições com facilidade, têm o foco elevado na resolução de problemas e na deteção dos mesmos. E ainda têm uma capacidade de se analisarem mais exigente e regular.

E detetar um problema à distância é perceber que eu crio um exercício para trabalhar a tomada de decisão, mas recrimino ou vou castrando sempre que alguém decide diferente daquilo que eu considero o ideal. Analisarmos cada um de nós é perceber que mais vale começar por analisar quem eu sou…e só depois, perceber quais os exercícios que se alinham com os meus valores. Porque também os meus planos de jogo devem estar alinhados com o modo de estar de cada treinador. Se não for assim, muita confusão iremos criar na cabeça de cada atleta!

Sobre Rui Lança 2 artigos
Coach de equipas e de alguns treinadores, professor universitário, escritor e vai partilhando ideias nas áreas da liderança, equipas, coaching e autonomia. Licenciado e Mestre na FMH, a terminar o doutoramento em liderança no ISCSP. Autor do 'Coach to Coach', 'Guardiola vs Mourinho, mais do que treinadores', 'Como formar equipas de elevado desempenho' e 'Reservado'.

4 Comentários

  1. Caro Rui Lança

    O importante é os clubes/sads darem as melhores condições para os treinadores fazerem o seu trabalho.

    É nexte contexto que os dirigentes devem fazer um esforço para que os jogadores estejam sempre disponíveis para a entidade patronal e não andarem a dispersar o foco e esforços em brincadeiras nas selecções.

    • Adorei a brincadeira de verão deste ano em que saímos de França campeões europeus.

      PS: Tens pinta de quem um dia foi funcionário da Federação e acabou despedido. Aceita e segue em frente. Podes seguir o teu próprio conselho, não dispersares focos e esforços nesse negativismo todo contra as seleções e focares-te em algo que gostes.

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