O Benfica de Rui Vitória – Uma equipa digna de Sacchi

Arigo Sacchi, AC Milan Manager

“É a melhor organização defensiva que há na Europa neste momento. Mas não é uma equipa defensiva, pelo contrário. Coloca a linha defensiva muito subida e pressiona sem parar. Não deixa espaço entre linhas, não cabe um cabelo entre as duas linhas mais recuadas (…) é uma equipa digna de Sacchi ”

Recentemente, ganharam grandes proporções, estas declarações de Guardiola, que se podem encontrar, no livro “Pep Guardiola, La Metamorfosis.”

A associação que é feita ao futebol de Sacchi é compreensível. Os comportamentos defensivos do 4-4-2 de Rui Vitória são fantásticos e terão, naturalmente, influências provenientes do mestre Arrigo Sacchi.

O treinador italiano foi aclamado o pai da “zona pressionante” e a excelência da sua organização defensiva, ainda hoje serve de exemplo.

“(…) os nossos oponentes não conseguiam ir por onde onde queriam, eles teriam de ir por onde nós queriamos.”

Arrigo Sacchi

O Milan, treinado por Sacchi, organizava-se, assim como faz o Benfica, em 4-4-2 clássico, no momento de organização defensiva. A proteção do espaço central e a orientação do jogo adversário para os corredores laterais são armas que, facilmente, se identificam em ambas as equipas.

“O Milan de Arrigo Sacchi não deixava eleição: estendia todas as armadilhas para a recuperação da bola acontecer nas faixas laterais. Assim, a equipa adversária tinha a bola, mas não o mando; na realidade, os jogadores eram vítimas transportadas mansamente até uma faixa lateral e aí, «nham,nham», eram devorados.” em, Defesa à Zona no Futebol, de Nuno Amieiro.

A verdade é que estes comportamentos já não são invulgares, mesmo que não sejam muitas, as equipas que apresentam comportamentos zonais de excelência.

O factor diferenciador deste Benfica está relacionado com o posicionamento da linha defensiva. A distância a que se coloca da linha média é inovadora.  A forma como consegue manter distâncias, mantendo a equipa subida no campo, é assinalável.

espaço inexistente entre linhas

Na época passada, na Madeira, a equipa ficou reduzida a 10 jogadores e foi a sua brilhante organização defensiva que fez a diferença.

madeiraaa

O segredo, passa pela forma fantástica como a equipa consegue controlar a profundidade. Os movimentos de subida e descida da linha variam, em função de determinadas referências.

A questão da bola coberta e descoberta é importante mas não me parece que seja suficiente. Para evitar baixar sem necessidade, acredito que os jogadores devam estar focados na leitura corporal do adversário. Faz sentido preparar os apoios para correr quando a bola está descoberta mas só fará sentido diminuir o espaço existente em profundidade, quando o portador revelar intenções de colocar a bola nas costas da linha defensiva.

O Benfica já apresentava excelentes comportamentos defensivos com Jorge Jesus, mas esta ligação entre-setores cria problemas novos aos adversários.

Sacchi revelava, no treino, as suas preocupações com a forma coordenada, com que a equipa deveria controlar os espaços.

O treino setorial aparece no sentido de preparar a linha defensiva para as diferentes exigências do jogo: subir, descer, alinhar, ajustar, manter distâncias, garantir coberturas, etc.

Considero fulcral que os 4 elementos da linha defensiva funcionem como “um todo”. No entanto, não acho que essa conexão seja suficiente para controlar todos problemas que podem surgir ao defender tão alto. Toda a equipa (guarda-redes incluído) tem de saber reagir perante as investidas do adversário. O treino terá de ir, obviamente, para além das propostas setoriais. Se não existir reação, por parte dos médios, à bola colocada em profundidade, podem acontecer situações como esta:

O Benfica é hoje, uma equipa que serve de referência, no estudo do momento defensivo. Defender com a linha tão subida, asfixiando o espaço entre linhas e quase nunca permitindo que o adversário conquiste o espaço nas suas costas, tem muito valor.

Sacchi teve um papel muito importante, na forma como olhamos para o jogo. São muitos, os treinadores que se deixaram influenciar pelas suas ideias. Parece-me justo reconhecer os méritos de Rui Vitória, aproveitando para relembrar alguém, fundamental na maneira como entendemos o futebol.

 

Sobre Bruno Fidalgo 83 artigos
Licenciado em Ciências do Desporto. Criador e autor do blog Código Futebolístico. À função de treinador tem aliado alguns trabalhos como observador.

35 Comentários

    • A forma como colocam as duas últimas linhas e continuam a ser eficazes no controlo a profundidade, não.

      Daquilo que eu conheço, claro.

  1. Acrescento a mais valia que é Ederson neste modelo e o desmistificar a questão de que “um central X é melhor do que Y porque é mais rápido”. Luisão, mesmo lento, é muito bom para a organização defensiva que RV quer ter. Por outro lado, Lisandro, é o cavalo de tróia que acaba por tramar toda a equipa ao estar quase sempre desalinhado. Mesmo que seja rápido, com bom jogo de cabeça, capacidade de antecipação e corte, neste modelo, jogador com apenas dois neurónios não pode jogar…
    Fui ver algumas imagens de Outubro de 2015…arrepiantes as diferenças! (em vez de 4 alinhados, o único alinhamento que havia eram dois a dois – isto porque é sempre possível traçar um segmento de recta entre dois pontos…) Felizmente que RV mudou!

  2. Sem qualquer tipo de ironia, de um leigo para um especialista, gostava que me explicasse como é que esta brilhante linha defensiva concedeu tantas ocasiões de golo flagrantes na Turquia, nos dois jogos contra o Sarri e no Dragão.

    (espero não ser moderado por uma pergunta inofensiva)

    Saudações

  3. Este comportamento também se verificava com Jorge Jesus no seu Benfica. Acham que Rui Vitória habilmente se aproveitou desse trabalho?

    • Obviamente que as experiências vividas com Jesus ajudam. Os comportamentos defensivos com JJ eram muito bons e é normal que tenha existido continuidade no trabalho desenvolvido.

  4. A questão é, nunca se viu este comportamento em outras equipas de Rui Vitória…

    Talvez neste caso, a dita inovação, o comportamento em campo de alguns jogadores (Fejsa, Luisão) seja mais decisivo do que o treino?

    • Não acho. Os treinadores não apresentam sempre as mesma ideias ao longo das suas carreiras, mal seria. Isto é treino, muito treino.

    • No extremo não se via sequer uma sombra deste comportamento nos primeiros 5/6 meses de Rui Vitória no Benfica. Teram começado no último terço do campeonato transato, parece-me.

    • Esse lance é tirado fora do contexto.
      A defesa está assim porque o Ederson fez uma péssima reposição e apanhou a equipa em contrapé.

      • O Guimarães ganha a bola no meio campo… Se isto não é uma má transição entao o que o é?

        utilizei este pq é o que me lembro mais recentemente se tens estado atento aos jogos devias ter reparado na forma como o Luisão se posiciona quase sempre

          • Queres ver que não se podem tirar conclusoes nenhumas? Sou de acordo que não dá para tirar tudo e que um lance nao define nada. Mas este tipo de situações é recorrente ou voces acham que o Luisão tem um posicionamente/comportamentos de excelencia sem bola?

  5. Nos jogos grandes, tentam manter a organização e a separação de e entre linhas mas “descem” sempre.
    Percepção e inteligência. Mas medinho também.

  6. Caro Bruno,
    Lembrei-me agora de um post q fiz em Setembro do ano passado – http://orgulhosamentelampiao.blogspot.pt/2015/09/controlo-da-profundidade.html – as diferenças entre o ontem e o hoje são abismais; acho que não foi apenas o RV que “decidiu mudar”. Creio que “a equipa” (jogadores, equipa técnica, Rui Costa, etc.) tiveram um papel fundamental para perceber que o caminho que estava a ser seguido não era o mais correto. Mérito para RV que acedeu a mudar e soube liderar todo esse processo de aprendizagem (também sua).

  7. Boa malha.
    O que diferencia este Benfica dos 4-4-2 super pressionantes que há hoje em dia, é a coragem de subir as linhas bem até ao meio-campo, contra qualquer que seja a equipa. É algo que não é fácil de implementar, porque a equipa adversária fica sempre com a primeira linha de construção disponível. Um passe de um central com bons pés, ou de um médio playmaker de classe que vem receber a bola, em condições normais, pode abrir uma defesa que não tenha elevado nível de concentração e posicionamento.
    É até um pouco contra-natura, se pensarmos que uma defesa alta, funciona melhor com um pressing também ele alto. O Benfica, tal como o italiano, escolhe os momentos certos em que a pressão deve incidir, e com isso, obriga a equipa adversária a procurar outros caminhos, que provavelmente não são tão eficientes.

    Obviamente que tem os seus pontos fracos, e o Benfica já o comprovou, bebendo um pouco do seu veneno. O facto desta ideia de jogo assentar sobretudo num jogo sem bola, faz com que a equipa, não assuma determinados momentos do jogo, quando tem jogadores e qualidade para tal. Veja-se os casos dos jogos em casa contra o Besiktas, ou contra o Sporting.
    É um conceito de jogo, de risco muito elevado, acima até do Tiki-taka do Guardiola- na minha opinião-, claramente para jogadores dotados de uma agressividade e uma capacidade física fora do normal. Não é por acaso que o Benfica, tem muitas mais dificuldades a fazer o mesmo esta época com Pizzi, do que o que tinha com o prodígio Renato.

    Por último, a diferença para Jesus, é que Jesus bebe da filosofia de Cruyff e Guardiola, de defesa alta, e pressão alta, enquanto que Vitória envereda claramente por outro caminho.

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