Formatar até torná-los tolos. Jogar e jogar.

Um tolo não pode jogar futebol.

São mais que muitas as condicionantes que enfrentam os jovens atletas na sua prática demasiado organizada desde muito cedo. Enquanto que fora do raio de acção do adulto, se experimenta. Se erra ou se tem sucesso. Se constroem caminhos em função de vivências descobertas pelo “eu”, se guarda a bola para a eternidade se a qualidade individual assim o permitir, nas competições formais organizadas desde muito cedo, não há liberdade para o traquina poder testar-se.

Futebol de petizes, traquinas e benjamins, cada vez mais parecido com um espetáculo circence, que visa alimentar o ego do pais, e por vezes dos próprios treinadores. Miúdos na arena a tomar decisões que vêm da bancada. Em busca de um possível sucesso imediato, guiados por quem não entende sequer o que é uma boa decisão. Por isso, tantos crescem a “saber” que na linha de fundo se cruza, que a bola não se guarda por demasiado tempo e que se houver oportunidade para rematar, não há outra decisão possível. Formatar miúdos desde sempre. E ainda pior, formatá-los com ideias erradas. Formatá-los para que nunca percebam o jogo. Para que nunca entendam contexto e coloquem as suas decisões em função deste.

No futebol há dois elementos importantes. Capacidade física e inteligência.

Não há outra forma de potenciar o que de mais importante hoje o jogo requer, que não o de permitir o erro. O possibilitar à criança descobrir por si o caminho porque errou, ou porque acertou. Só crescendo com a bola no pé a tomar decisões livremente se poderá no futuro ter aqueles que não decidem de forma estandardizada, mas que analisam a grande velocidade tudo o que se passa no campo de jogo e enquadram as suas decisões no que observam. Sem ideias preconcebidas. Os que infelizmente ainda hoje são fora da caixa, por não tomarem decisões padronizadas em cada situação.

Velocidade mental de Messi é insuperável

Ou a de Thiago. Ou de outros que tiveram a possibilidade de praticar por horas a fio, longe de uma intervenção nociva de ordens que castram quando se é demasiado novo. Só com muita bola no pé se pode desenvolver o que diferencia os melhores na actualidade. A qualidade e velocidade da tomada de decisão, em cima de um grande qualidade técnica. É no campo e a jogar que se cresce. Com jogos infindáveis que promovam ao máximo o tempo de empenhamento motor pelo número mais reduzido de jogadores, que obriga a um foco máximo e a um constante tomar de decisões porque se está sempre no centro do jogo.

Se é pai de um jovem futebolista, por mais que custe, deixe-o jogar! Não intervenha! Deixe-o decidir, e errar. Não há futebolistas aos vinte anos se não forem crianças aos dez. Que se promova o lado lúdico, o ecletismo e a multilateralidade no crescimento dos jovens. Ainda nos dias de hoje um exemplo perfeito. Um português entre uma das maiores promessas do futebol mundial, que aos treze… jogava hoquei! Para quê a ansiedade que só coarcta? Que experimentem tudo do ponto de vista motor. Com repetição. Sem ordens. Quando chegar a hora, a organização aparecerá.

Todas as citações são retiradas de frases proferidas por Xavi Hernandez.

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Sobre Paolo Maldini 3828 artigos
Pedro Bouças - Licenciado em Educação Física e Desporto, Criador do "Lateral Esquerdo", tendo sido como Treinador Principal, Campeão Nacional Português (2x), vencedor da Taça de Portugal (2x), e da Supertaça de Futebol Feminino, bem como participado em 2 edições da Liga dos Campeões em três anos de futebol feminino. Treinador vencedor do Galardão de Mérito José Maria Pedroto - Treinador do ano para a ANTF (Associação Nacional de Treinadores de Futebol), e nomeado para as Quinas de Ouro (Prémio da Federação Portuguesa de Futebol), como melhor Treinador português no Futebol Feminino. Experiência como Professor de Futebol no Estádio Universitário de Lisboa, palestrante em diversas Universidades de Desporto, Cursos de Treinador e entidades creditadas pelo Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ). Autor do livro "Construir uma Equipa Campeã", e Co-autor do livro "O Efeito Lage", ambos da Editora PrimeBooks Analista de futebol no Canal 11 e no Jornal Record.

4 Comentários

  1. “Não há outra forma de potenciar o que de mais importante hoje o jogo requer, que não o de permitir o erro.”

    Caro Paolo Maldini

    A formatação existe, por haver um treinador, logo é preciso que os jogadores sigam as instruções do treinador, caso contrário, correm o risco do treinador escolher outro jogador que siga as suas instruções.

    Compete ao treinador corrigir os erros no treino, para não os cometerem no jogo.

    No treino é que existem “jogos infindáveis”, sendo que o treinador pode e deve dar a chance de errar mas é preciso que os jogadores também aprendam rápido, afinal é um sinal de inteligência.

  2. «Se é pai de um jovem futebolista, por mais que custe, deixe-o jogar!» Correcção, se é pai de um desportista, deixe-o “desportar”! Aquilo de que vocês se queixam na formação do futebol não difere dos problemas da formação do andebol ou do judo (para falar de duas modalidades distintas – uma colectiva, outra individual – das quais conheço os pavilhões).

    E falando de futebol e do que faziam noutra vida a recém campeã europeia Jackie Groenen tem um currículo invejáve de medalhas… em judo! https://en.wikipedia.org/wiki/Jackie_Groenen

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