Pro Evolution Mourinho

José Mourinho analisa a sua carreira em entrevista publicada, esta semana, na France Football, sublinhando um conjunto de ideias que nos ajudarão a perceber a sua evolução que, segundo o próprio, se caracteriza por uma constante adaptação do contexto, dos campeonatos, dos clubes e dos jogadores onde tem trabalhado.

O futebol como ciência humana

Se me tivesse perguntado porque é que eu ganhei títulos em todos os campeonatos onde passei, dir-lhe-ia que o consegui porque me adaptei a todos os lugares onde trabalhei. A minha equipa joga desta ou daquela maneira porque isso corresponde à qualidade dos jogadores que tenho em determinado momento.

José Mourinho

Mourinho defende, repetidamente, nesta conversa com o jornalista da France Football, as qualidades humanas como o ponto essencial do trabalho de treinador. Nunca como agora, nesta fase de um Mourinho mais tranquilo, se percebe a influência de Manuel Sérgio no trabalho do técnico português, até porque o Professor da Faculdade de Motricidade Humana lembrava, há dias, ao Tribuna Expresso, “o que tem de estudar é só isto: é o que é específico das ciências humanas, porque o desporto é uma ciência humana”.

Como operacionalizar este entendimento? Segundo Mourinho, a partir do “ponto-de-vista táctico e do ponto-de-vista mental”.

Tacticamente, sublinha que os jogadores devem entender perfeitamente aquilo que o treinador espera que estes façam, enquanto cabe ao treinador ser capaz de prever tudo aquilo que o adversário pode fazer no jogo em questão. Na entrevista, sublinha os acontecimentos prévios à final da Taça da Liga Inglesa, quando o Southampton teve um pequeno período de férias antes de disputar o jogo. “Estiveram duas semanas em Espanha. Quem é que me diz que durante esse tempo não se preparam para me surpreender? É preciso ser capaz de prever isso, ter soluções para os diferentes posicionamentos que o Tadic poderia ter, por exemplo”.

O seguimento é portanto este: Modelo de Jogo – Análise do Adversário – Cálculo das possíveis alterações do adversário para defrontar o nosso Modelo de Jogo – Apresentação de Alternativas, dentro do nosso Modelo, para corresponder às surpresas do Adversário.

Ao nível mental, José Mourinho sublinha a capacidade de empatia como um valor central do sucesso com os grupos de jogadores que teve, lembrando, uma vez mais, essa capacidade humana de entender o contexto em que se insere. Como já é conhecido de outros depoimentos, o Inter de Milão, onde conviveu com Materazzi, Córdoba, Ibrahimovic, Milito ou Thiago Motta foi o clube onde sentiu, da parte dos seus jogadores, maiores possibilidades para atingir o impossível. Logo, a forma como a equipa joga, o desenho para atingir os seus objectivos, tudo é sempre adaptado, por Mourinho e pela sua equipa técnica, a partir daquilo que os seus jogadores podem dar. A chave de Mourinho tem estado, muitas vezes, em conseguir descobrir nos seus jogadores capacidades e qualidades que, antes, não eram perceptíveis.

Dezassete anos de mudanças

Outro aspecto muito interessante a ter em conta é a definição de um quadro de alterações profundas que se foram realizando ao longo destes dezassete anos que José Mourinho leva como treinador principal.

As que ele destaca:

O número de estrangeiros nos plantéis :Quando estava no FC Porto com Sir Bobby Robson tínhamos dezoito portugueses, um brasileiro e um argentino. Hoje tens gente do todo o mundo, de todas as religiões, de diferentes línguas. Tens que saber adaptar-te a isso”;

O poderio económico de Inglaterra:Em Espanha há dois clubes que dominam a Liga economicamente, na Alemanha há um só clube, em Inglaterra o poder económico está distribuído. Agora o Manchester United já não pode ir comprar jogadores a nenhuma das outras equipas de topo. Mesmo as equipas mais frágeis têm um forte poder económico. Tens que procurar os teus reforços no estrangeiro, logo, tudo pode acontecer. Em Inglaterra, pelo poder económico existente, é impossível que uma equipa vença repetidamente durante um largo período de tempo”;

A tensão no lugar do treinador:Quando Wenger sair do Arsenal, nenhum outro treinador poderá voltar a estar vinte anos numa equipa. A pressão que todos sentimentos será o maior desafio que é colocado aos treinadores das próximas gerações e não se estarão preparados para isso. Eu percebo quando Luis Enrique diz que quer sair do Barcelona, como percebi quando o Pep Guardiola saiu de lá e disse que ia passar um ano sabático em Nova Iorque. Tal como ele, também acho que a qualidade de um treinador forte é ser capaz de estar imune à pressão, de não ouvir. O problema é que nós ouvimos. Logo, regressa-se às qualidades humanas. É um trabalho multifuncional e, no contexto actual, cruza-se o futebol paixão e o futebol indústria, com o treinador no meio a ter que gerir o impacto de todas essas vertentes”.

Os jogadores são diferentes:Quando cheguei ao Chelsea lidei com um Franck Lampard que, aos 23 anos, era um homem, um trabalhador, um profissional. Hoje em dia, só tenho miúdos de 23 anos. Com os seus smartphones no balneário, a quem não podemos impedir de fazer uma parvoíce qualquer nas redes sociais. Todo o mundo mudou e tudo o que os rodeia é, hoje, diferente. Tive que me adaptar a isso, mas o facto de ter filhos da idade dos meus jogadores me ajudou a perceber isso antecipadamente”.

A sua filosofia de treinador:Adaptar-me. Adaptar-me à realidade do clube, às suas necessidades, aos seus desejos. Chama-se ser inteligente”.

Mourinho a ser Mourinho.

Sobre Luís Cristóvão 103 artigos
Analista de Futebol. Autor do Podcast Linha Lateral. Comentador no Eurosport Portugal.

6 Comentários

  1. «“Quando cheguei ao Chelsea lidei com um Franck Lampard que, aos 23 anos, era um homem, um trabalhador, um profissional. Hoje em dia, só tenho miúdos de 23 anos. Com os seus smartphones no balneário, a quem não podemos impedir de fazer uma parvoíce qualquer nas redes sociais. Todo o mundo mudou e tudo o que os rodeia é, hoje, diferente. Tive que me adaptar a isso, mas o facto de ter filhos da idade dos meus jogadores me ajudou a perceber isso antecipadamente”.»

    Isto é tão verdade em tantas áreas diferentes!

  2. Grande Mourinho. Sempre a mostrar porque continua a ser um dos melhores do Mundo. Falta-lhe alguma qualidade individual no sector defensivo para poder ter um futebol mais característico do MU.

  3. Nunca percebi esta ideia de que ” no meu tempo as pessoas eram mais maduras”, preconizada pelas pessoas quando chegam ao meio da sua vida. É incrível como se fizermos uma procura por ideias semelhantes verificamos que até Sócrates na Grécia Antiga se queixava do mesmo.
    É mais uma consequência da fase da vida do individuo que tem esta leitura do que propriamente da atitude de gerações especificas.
    Da mesma forma que fala de adaptação, também dava jeito perceber que não se trata de maturidade. Trata-se de abertura à experiência.
    As gerações mais recentes experimentam mais coisas, viajam, mudam de papeis e por isso tem mais duvidas e são menos conservadores.Ser conservador e disciplinado não é ser maduro. Os primeiros são traços de personalidade, o terceiro é um processo. Eles discutem, discordam, não comem e calam como o Mourinho prefere e acha que deve de ser (tanto é que dá uma conotação negativa aos miúdos de hoje). As estruturas organizacionais mudaram nas empresas, os estilos de liderança e os processo educativos também. Nada disto é por acaso. O Mourinho gosta de soldados. Hoje há menos soldados porque há menos guerras. Ou melhor, as guerras são outras. É um sinal dos tempos, das mudanças sociais. Não é propriamente negativo, nem positivo, é apenas diferente. Dito isto, para quem arranjou conflitos com os 2 melhores jogadores das ultimas equipas por onde passou (Ronaldo e Hazard), talvez seja importante perceber que o problema não pode ser só dos outros. A adaptação que ele tanto fala, parece que acaba quando o seu ego é posto em causa.

    • Há uma diferença entre falta de maturidade e o “fatalismo da juventude perdida” que vai até Sócrates. O segundo é aquilo que interpretas, o primeiro é a diferença entre um Eden (ou mesmo Thorgan) Hazard e um Balotelli.

  4. Talvez faça falta incluir um Psicólogo nas suas equipas. Caso seja um com bagagem psicanalítica, provavelmente aconselhava-o a ler:
    “Falsos deuses” de Arno Gruen.

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