O deteriorar do jogo do Benfica

Há pouco mais de três semanas atrás escrevia no Jornal Record sobre as dificuldades de Benfica e Porto. O título “Ases pelos ares” não era de todo inocente. Referia-se à incapacidade de ambas as equipas produzirem com qualidade e em quantidade suficiente um tipo de jogo mais apoiado e mais ligado desde trás. E a consequência mais natural óbvia. O recursos sistemático a uma procura por colocar a bola na grande área adversária de forma mais rápida e menos pensada. Pelo ar.

Em suma, a incapacidade para construir e criar bem a deixar os colectivos reféns da bola que vem pelo ar.

Três semanas depois vencem as suas partidas os dois candidatos ao título, com quatro golos de bola parada (em quatro) e três após finalizações / assistências de cabeça.

Não que tenha de ser necessariamente menos meritório chegar ao golo no ar, ou sequer que considerar que as bolas paradas não fazem parte do jogo. Porém, olhando para o que têm produzido ambas as equipas, percebe-se que estão cada vez mais reféns de um momento do jogo que é mais aleatório e menos passível de ser controlado (ainda que no caso azul e branco, ter vários jogadores muito fortes no ataque às bolas aéreas não torne uma surpresa a supremacia que vem demonstrando nas bolas paradas ofensivas).

Se o FC Porto tem sido desde o início da época uma equipa que privilegia este tipo de jogar, no caso do SL Benfica tem-se assistido a um deterioramento do seu jogo.

Adaptou-se muito bem à lesão de Jonas e foi na primeira metade da época, com um onze mais definido, jogando com um avançado mais móvel ofensivamente e mais cumpridor defensivamente, uma equipa muito competente. Terá sido nesse período até o melhor Benfica de Rui Vitória, independentemente de não ter feito a percentagem pontual do período referente ao final da temporada transacta, demonstrou competência em todos os momentos. Foi uma equipa atractiva ofensivamente, tendo inclusive resistido bastante bem à ausência de um dos seus “motores” do jogo ofensivo (Grimaldo).

Construiu um jogar que envolvia criar superioridade numérica nos corredores laterais, pelo aparecimento de mais um elemento e cresceu em cima de uma ideia que beneficiava da liberdade que confere no último terço. Em suma, jogando sempre os mesmos, as situações repetiam-se no último terço e os jogadores do Benfica tinham encontrado soluções para desmontar as estruturas adversárias.

Se nos jogos mais difíceis na realidade nacional (FC Porto e Sporting) não se conseguiu nunca impor, porque estrategicamente não esteve à altura, nos jogos em que a superioridade individual era avassaladora (e estes são talvez noventa porcento deles), vencia tranquilo e convencia.

Em Janeiro tudo se alterou. Apenas uma alteração, mas que modificou todo um jogar que estava consolidado. A entrada de Jonas por Gonçalo Guedes, porque características tão díspares muda todo o jogo colectivo da equipa. Jonas hoje com dificuldades que não sentia antes da lesão, nomeadamente na habilidade motora, velocidade com que executa e mobilidade. É hoje um jogador com um raio de acção muito menor, e cuja percentagem de sucesso é ela também bastante inferior à do passado. Ainda assim, bastante acima de Mitroglou, por exemplo.

Benfica passa a jogar com dois avançados bastante mais fixos que se têm revelado bastante mais fáceis de serem neutralizados porque não dão a variabilidade de outrora. Nenhum é capaz de se mover na profundidade (o que dá um conforto grande a quem defende. Porque mesmo que haja simulação na profundidade, percebe-se que a ideia será voltar para receber no pé). Além de que raramente perdem a sua energia nos momentos defensivos, sobrecarregando a restante equipa.

As dificuldades para ligar o seu jogo pelo chão estão maiores e em Moreira de Cónegos surgiu provavelmente o pior Benfica da época. Bastará relembrar a inexistência de um único lance de desequilíbrio nos corredores laterais, seja por Nélson ou Grimaldo, os dois grandes impulsionadores de tanto volume ofensivo na primeira metade da época. Antes saíam da combinação para o desequilíbrio individual. Hoje, muito mais entregues a terem de resolver com menos apoio, e menos espaço.

Só uma bola parada e a dose de sorte necessária poderia salvar tal exibição.

Com idas a Alvalade e a Vila do Conde, sobretudo, muitas das fichas do actual Benfica estarão também no que Braga, Chaves e Marítimo poderão fazer na recepção ao FC Porto.

Sobre Paolo Maldini 3828 artigos
Pedro Bouças - Licenciado em Educação Física e Desporto, Criador do "Lateral Esquerdo", tendo sido como Treinador Principal, Campeão Nacional Português (2x), vencedor da Taça de Portugal (2x), e da Supertaça de Futebol Feminino, bem como participado em 2 edições da Liga dos Campeões em três anos de futebol feminino. Treinador vencedor do Galardão de Mérito José Maria Pedroto - Treinador do ano para a ANTF (Associação Nacional de Treinadores de Futebol), e nomeado para as Quinas de Ouro (Prémio da Federação Portuguesa de Futebol), como melhor Treinador português no Futebol Feminino. Experiência como Professor de Futebol no Estádio Universitário de Lisboa, palestrante em diversas Universidades de Desporto, Cursos de Treinador e entidades creditadas pelo Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ). Autor do livro "Construir uma Equipa Campeã", e Co-autor do livro "O Efeito Lage", ambos da Editora PrimeBooks Analista de futebol no Canal 11 e no Jornal Record.

9 Comentários

  1. Existem vários problemas do Benfica, nomeadamente a parte defensiva.
    Se outrora fomos elogiados por Pep Guardiola, agora se este viesse mesmo com o Manchester City desfalcado iríamos sofrer e bem.

    O Benfica o ano passado era uma equipa que pressionava alto, com grande intensidade, mas isso rapidamente foi uma ideia alterada após o mês de Janeiro, aqui talvez se deva ao trabalho de Renato Sanches na altura. Não percebo porque se desistiu da ideia, e se o Benfica era equilibrado com Pizzi na direita, porque não utilizar esta estratégia em jogos de similar/ maior valia do adversário.
    Os extremos, Salvio e Rafa, são extremos para jogaram em campos de dimensão superior aos do Moreirense, eu pelo menos defino assim jogadores mais verticais. Enquanto Cervi, Carrillo (principalmente) e Zivkovic são extremos que jogam muito bem cortando para o interior.

    Depois existe a questão do jogo ofensivo, se Jonas não aparece para intercalar com Pizzi na função de distribuir jogo, está aberta a sorte para o resultado que sair dali. E ontem foi o que se viu.

    É por isso que para mim, adepto apaixonante do Benfica, apreciador do trabalho de Pep e adepto do futebol bem jogado (Napoli de Sarri), fico triste porque vejo que falta muito a este Benfica. E começava logo a jogar com 3 médios, 4-2-3-1 ou 4-3-3.

    Estarei errado?

    • O Pizzi nesses jogos não joga à direita primeiro porque o Salvio tem jogar para ver se é valorizado e vendido e porque não existe um único 8 que faça o papel para além de do Pizzi, ou pelo menos nenhum que o Rui Vitória tem à sua disposição é do seu agrado.
      E quanto à mudança de tática sou completamente a favor, mesmo que o Jonas tenha de ser vendido pois se formos ainda estamos a jogar em 4-4-2 por causa dele mesmo que o deixemos ir embora, temos 2 avançados capazes de jogar sozinhos na frente de ataque, Jimenez e Mitroglou. Esta mudança tática também possibilitaria e facilitaria a entrada no onze titular de João Carvalho, Pedro Rodrigues e André Horta.

      • O Rafa não tem característica que o apontam como proto-8? É que o Rafa anda tão nervoso com o não acertar que se calhar um recuo no terreno tirava um bocado essa pressão, melhorava a saída de bola da equipa e o Pizzi no lugar do Sálvio não estranha as movimentações.

  2. Em termos ofensivos, gostei bastante de ver o Benfica contra o Estoril, em que jogou com Rafa, Ziko, Carrillo e Cervi. Notou-se que havia alguma variabilidade no jogo ofensivo, embora tivesse falhado bastante a nível defensivo, e concentração em geral.

  3. Mas nesta fase não é fácil não entrar com jonas e mitro. a ideia que fico é que o benfica não pressiona alto porque não pode, é muito fácil a equipa adversária sair com qualidade. houve vários lances no jogo com o moreirense em que a equipa subiu para condicionar um lançamento lateral e o moreira facilmente metia a bola na outra ala para sair pelo ala ou lateral. e não consegue pressionar porque tem 2 avançados que neste momento são ridículos em tudo o que não seja finalizar, o que não pode ser.

  4. Estou de acordo com a passagem para sistema com 3 medios interiores (na próxima temporada),o problema é se o Benfica terá um avançado capaz de jogar “sozinho” na frente coisa que acho que Mitroglou não é capaz.

    • A questão é de como chega lá a bola. ‘No man is an island’ e é importante termos isso em conta.

      Com uma asa manca (a direita) é mais difícil a bola rolar para abrir brechas. Se os adversários não se mexem, é mais difícil entrar. Assim sendo, o que é isso de um “avançado capaz de jogar sozinho na frente”?

  5. Discordo com grande parte do texto.

    O Guedes foi titular em 14 jogos do Benfica (50% dos jogos jogados). Nestes jogos o Benfica perdeu 1 e empatou 2 (exactamente o mesmo que nos restantes 14 jogos). Sofreu mais 1 golo (ou seja, não foi mais cumpridor defensivamente) e marcou mais 4 golos.

    Neste capitulo convém referir que o Guedes marcou 2 golos pelo Benfica nesses 14 jogos e fez 2 assistências. Já o Jonas (que no fundo é a comparação que se faz no texto) em 11 jogos marcou 7 golos e fez 3 assistências. São números incomparáveis.

    Depois fala-se dos níveis exibicionais. Mas ninguém se lembra do Benfica contra o fcp nas antas? Compare-se com a da Luz (e fcp com melhor equipa)? Ou a exibição no Estoril? Ou com o Rio Ave em casa?

    Se é verdade que o espaço de acção do Jonas está um pouco mais reduzido devido à sua forma física (que lhe afecta também a capacidade de finalização – ver o que falhou em Paços…), é mais verdade que os extremos não estão, nesta fase, a criar desequilíbrios nem ganhar a linha como faziam antes (cabendo esse papel ao Jonas em muitas ocasiões – já agora por que sai o Cervi da Equipa?).

    A ausência do Grimaldo veio também acentuar este problema e ainda retirar parte da veia goleadora ao Benfica, pois marcou 2 golos e fez 2 assistências para golo em 8 jogos – números impressionantes. Alias, esta ausência do Grimaldo, e ao contrário do que diz o texto, é critica, pelo impacto negativo que teve em todo o jogo do Benfica. Como ele o Benfica chegava mais rápido à linha, permitindo mais opções no jogo interior. Fazia assistências e não perdia a consistência defensiva.

    Resumindo, não é pela troca Guedes vs. Jonas que o SLB perdeu fulgor, pois a diferença entre os dois é gritante (e não pelos golos e assistências, mas também pela qualidade de jogo, pelo critério e pelo que faz os outros jogar (Mitro que diga…). Alias, quando os dois estavam disponíveis, o Benfica foi fazer um grande jogo a Guimarães com o Guedes no banco.

    Por fim, uma palavra para o departamento médico do Benfica. À 24º não consegue ter os jogadores todos disponíveis.

    • Eu tinha avisado. Com Grimaldo e Jonas, meio bom, é muito dificl para os nossos adversários. Pena que o Lateral Esquerdo tenha ido na horda do politicamente correcto. O Guedes, que nunca fez muito pelo Benfica, foi uma venda beutal. O Grimaldo muda o jogo. O Jonas é classe pura.

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