Incomodar o adversário, princípio dos jogos colectivos

A tentação de formar uma seita parece estar sempre presente na actual análise do jogo. Como se vivêssemos numa constante guerra, onde criar alianças é essencial para nos mantermos vivos, vamos agregando ou dispensando da nossa proximidade aqueles que pensam como nós ou que tendem a ter opiniões diferentes.

Seria, no entanto, muito estranho que a evolução, em qualidade, da análise do desporto se fizesse com o objectivo de fechar respostas como definitivas e tentar cristalizar soluções para tudo o que acontece. Como se os jogos colectivos pudessem ser respondidos como um jogo de Trivial Pursuit. A experiência e o conhecimento das cartas do jogo (com as respostas nas suas costas), levar-nos-iam a reconhecer as dificuldades e a encontrar, mais facilmente, o caminho para a vitória.

Na conversa entre Maurício Pellegrino, treinador do Alavés, e Sito Alonso, treinador da equipa de basquetebol do Baskonia, salta a ideia de que, nos jogos colectivos, para lá de se entender que uma equipa é melhor ou pior, há um princípio de incomodar, no jogo, o adversário, que permite que todos tenham a ilusão de poder vencer. O incómodo causa-se no adversário com o recurso a opções que este não tenha o hábito de enfrentar ou que tenham sido propositadamente preparadas para o enganar.

No basquetebol, onde tudo acontece de forma muito mais rápida e num espaço de menores dimensões, essas pequenas armadilhas têm o efeito, sobretudo mental, de retirar o adversário do seu espaço de conforto, fazendo-o duvidar, fazendo-o perder a confiança no seu plano inicial. E a partir desse incómodo causado no adversário, abrem-se espaços para que a nossa equipa possa ultrapassar um conjunto que nos é, na verdade, superior.

A tentação de formar uma seita parte da ideia de que todas as coisas são estáveis. Como se estivéssemos perante um jogo de computador onde desviar um “jogador” da faixa para o centro logo modifica a vantagem de uma equipa numa zona determinada. Na realidade, para que isso aconteça no jogo, o jogador tem que estar treinado para o fazer, tem que compreender exactamente a ideia do treinador, tem que ser capaz de, na dinâmica do jogo, fazê-la acontecer. É um caminho mais longo.

Por isso é que as seitas, em busca de uma verdade digna de um Santo Graal, tendem a um discurso definitivo sobre os acontecimentos. Ou é verdade ou é mentira – e dentro da mentira cabem todas as análises que não se adaptam à verdade que defendemos. O problema é que mesmo para que possam perceber a verdade que defendem, falta-lhes o essencial. Conhecer o que acontece dentro da equipa. Conhecer as relações entre equipa técnica e jogadores e entre estes. Conhecer as opções que o treinador terá tomado, como as discutiu e como as transmitiu aos jogadores. Conhecer, no final, como durante o jogo estes se adaptaram às indicações e foram ou não capazes de as impor no confronto frente ao adversário.

O que eu gostaria é que as pessoas soubessem o que há por trás daquilo que se vê. Porque há muito trabalho e isso, por vezes, não tem reflexo nos 40 ou 90 minutos. Se as pessoas soubessem, perceberiam muito mais.

Sito Alonso

Sobre Luís Cristóvão 103 artigos
Analista de Futebol. Autor do Podcast Linha Lateral. Comentador no Eurosport Portugal.

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