Para que é preciso um treinador?

Alguma vez colocou a hipótese de conduzir o seu filho a uma consulta médica onde o médico não estivesse presente? Ou imaginou que nas aulas da escola do seu filho, parte do horário fosse assegurado por alguém que não estivesse qualificado para o fazer? Acredito que não. No entanto, quando se trata de práctica desportiva, o facto do treinador ter ou não ter qualificação é muitas vezes encarado como algo dispensável, como se o domínio técnico da profissão de treinador fosse algo que é tão natural a alguns que nem precisam de passar pelo reconhecimento de uma formação.

É certo que na maior parte das vezes se avalia um treinador tendo em conta os resultados. Uma equipa que ganha terá, com certeza, um bom treinador, enquanto uma equipa que perde, com o jogo, perde também a confiança nas qualidades do seu timoneiro. Acontece que um resultado é pouco para avaliar aquilo que o treinador vale. Como quem joga o jogo são os jogadores, não é difícil de encontrar situações em que uma equipa, apesar do seu treinador, continua a ganhar, enquanto outra, mesmo tendo em conta a qualidade do trabalho realizado pelo técnico, continua a perder. Diferentes pontos de partida e diferentes processos levam a diferentes resultados.

Um treinador assume, para além da condução directa da competição e do treino, um papel essencial na aprendizagem do jogo nas etapas iniciais, bem como um papel de coordenação e supervisão do trabalho durante a época desportiva, bem como a concepção, planeamento, condução e avaliação de todo o trabalho realizado pelos jogadores que tem a seu cargo. É inegável afirmar que quando um treinador falta ao treino ou ao jogo da sua equipa, a capacidade desta fica diminuída e não estarão sob protecção os atletas e os encarregados de educação que acreditaram no clube onde inscreveram os seus filhos.

Na reunião do executivo da Câmara Municipal realizada esta semana (13 de junho de 2017), foi a votação um protocolo entre o Município de Torres Vedras e a Associação de Futebol de Lisboa que “visa a promoção da modalidade de Futebol, nomeadamente através do desenvolvimento dos Campeonatos Municipais, com uma forte preocupação de promover hábitos de vida saudáveis, com um adequado enquadramento técnico”. No entanto, na Clásula 2ª do mesmo protocolo, uma das situações que fica estabelecida é a isenção de multa por falta de treinador por jogo nas equipas que disputam o Campeonato Municipal de Torres Vedras.

Compreendendo-se as dificuldades que as equipas do Concelho de Torres Vedras poderão ter para assegurar a presença de Treinadores qualificados nos jogos das suas equipas, não é um hábito saudável excluir os treinadores do momento competitivo, já que para além de, claramente, se perder o adequado enquadramento técnico na experiência competitiva, dá-se um exemplo bastante negativo que se espera não tenha seguidores. Porque, tal como numa consulta médica ou numa aula, também no jogo e no treino, não deveria ser possível imaginarmos a situação de não ter um treinador presente.

PROTOCOLO – ASSOC FUTEBOL DE LISBOA

Sobre Luís Cristóvão 103 artigos
Analista de Futebol. Autor do Podcast Linha Lateral. Comentador no Eurosport Portugal.

8 Comentários

  1. Tema pertinente, mas gostava de ver as coisas de outra forma.
    Qual a razão da inexistência de treinadores habilitados? A anormalidade que representa o custo (total) do curso é, certamente, um dos factores. Há outros, como o facto de um individuo não poder frequentar o curso por ter a 4 classe.Como se as habilitações literárias definissem a qualidade do trabalho do senhor em questão. Resultado? O senhor continua a treinar sem habilitação, quando poderia ter adquirido conhecimento. Depois existem outras questões. Quantos há, habilitados, que afirmam que o curso não serve para nada? Quantos há que passam a época a copiar exercícios de equipas sénior para aplicar na formação?
    Arrisco a dizer que haverá uma equipa em Torres Vedras que beneficiará com o facto de não ter treinador habilitado…

    • Mas ainda há mais, para além do custo que prejuízo não dá de certeza, abriram 60 vagas em Lisboa para 260 inscritos.

      Mas o melhor mesmo é acabar com as equipas por não haver treinadores habilitados que queiram treinar pinos na terra do Osório!
      Já que se defende tanto o futebol de rua (e eu também), onde realmente o treinador para além de não servir para nada, não existia. Também podia-se deixar de matar clubes em multas quando os mesmos não conseguem preencher as suas equipas, diga-se, não são assim tão poucos.

      Sendo que certamente há mais senhores do futebol com mais conhecimento de futebol metódico e estruturado, quando digo mais conhecimento é: mais horas que o curso de Treinador habilita, o que não falta por aí é muita gente com quem aprender no terreno e literatura para levar para casa que permita ultrapassar os conhecimentos adquiridos no curso.

      Verdade seja dita, acho muito bem exigir treinadores com o maior conhecimento possível, mas antes de o obrigar e punir, que dêem condições às pessoas para o fazerem (o que não acontece), mas não, vamos antes criticar sem conhecimento uma medida em prol dos miúdos de clubes pequenos.

  2. Concordo, na base, com várias das observações do “Lírico do Inatel” e do “Pois”.
    Creio, no entanto, que não têm acompanhado a discussão que vai sendo feita neste site sobre a situação dos treinadores.
    Por isso mesmo convido-vos a ouvir o podcast onde foram mencionadas as situações dos cursos de treinadores (https://www.lateralesquerdo.com/pt_PT/2016/10/13/lateral-esquerdo-podcast-episodio-005/) bem como a ler um artigo recente sobre a situação dos treinadores (https://www.lateralesquerdo.com/pt_PT/2017/06/07/a-situacao-dos-treinadores/).
    Não tenho a mínima dúvida que a melhor maneira de proteger e defender os miúdos dos clubes pequenos será expô-los a um trabalho preparado e consciente que, não tenhamos dúvidas, quem tem o curso está mais capacitado para fornecer.
    Ao mesmo tempo, não nos enganemos com a ideia de que ter um treinador mal preparado é igual ao futebol de rua, porque o problema não é o jovem não ter acesso aos conteúdos, é o risco que se corre de ter acesso aos conteúdos que o prejudicam mais do que beneficiam.
    Em resumo, esta não é uma crítica avulsa. É a continuação de um pensamento estruturado e que recorre à experiência para assinalar que certas medidas que parecem vir a favor dos clubes pequenos e dos jovens, acaba por ser uma forma de os limitar, desde cedo, à exploração máxima das suas capacidades.

  3. Confesso que não estou familiarizado com a discussão sobre a situação dos treinadores.
    Concordo com a situação que “Pois” refere. Castigar o clube não é solução, muito menos a nível amador ou na formação. Devem as associações e a Federação criar mecanismos para que todos os treinadores possuam formação e não seria inconveniente estender essa formação aos dirigentes (já existe) e outros intervenientes no jogo.
    Luís, eu sou da opinião que todos deveriam estar habilitados, mas primeiro há que criar condições para tal.
    A maioria das matérias leccionadas encontra-se disponível a quase todos e por isso em termos teóricos não haverá desculpas.

    • “as associações e a Federação criar mecanismos para que todos os treinadores possuam formação e não seria inconveniente estender essa formação aos dirigentes (já existe) e outros intervenientes no jogo.” – Plenamente de acordo.
      Eu não pretendo que se castiguem os clubes, apenas que se incentivem as boas prácticas. E não acho sensato podermos imaginar competições sem que existam treinadores habilitados. Se existem fundos para competir de forma organizada (algo que até pode ser discutível em determinadas idades…), porque não existem para formar treinadores?

  4. Concordo com a opinião do artigo.

    Ainda assim, numa utopia, seria interessante haver pelo menos 1 jogo por época em que não havia treinador, simplesmente jogavam os miúdos normalmente sem indicações externas (diretores, pais…).

    Isto para ver até que ponto é que o treinador tinha preparado os seus jogadores para serem autónomos a resolver as situações que surgem no jogo, e de que modo conseguiriam naturalmente adaptar-se às possíveis mudanças que fossem ocorrendo no jogo.

  5. Caro, Luís Cristóvão há um erro de pressuposto na hipótese que colocou. Quando se leva um filho a uma consulta ou a uma aula o encarregado de educação tem a expectativa dele ser tratado de uma doença ou que adquira um determinado conhecimento (ou vários…) dai que procure uma consulta ou aula fornecida por um profissional habilitado. Será que o mesmo se passa quando esse mesmo encarregado de educação leva o seu filho a um treino desportivo? Há real interesse em que o jovem adquira uma valência motora especifica que só pode adquirir/desenvolver naquele treino? Ou está o encarregado de educação apenas interessado na ocupação dos tempos livres do jovem?

    Se for esta última opção a prioridade do encarregado de educação, ele não dará qualquer valor à qualificação do treinador/orientador de tempo livre do educando. Talvez dê prioridade ao valor que tenha de despender… e num valor baixo, para não dizer ínfimo, é difícil encontrar um profissional qualificado/habilitado disposto a “ocupar” o seu tempo…

    Parece-me, vendo de muito longe, que hoje há oferta excessiva de desporto formatado/organizado e pouca de pratica desportiva livre. Por outro lado, aquilo que a sociedade procura é “algo” que dê pratica desportiva aos seus filhos e não necessariamente formação habilitada para se tornarem atletas de uma qualquer modalidade.

    No choque entre estes dois mundos varia a necessidade de ter um treinador qualificado. Exemplo, naqueles clubes que coleccionam equipas A, B, C, D, …, num mesmo escalão de formação, se calhar os putos das equipas menos dotadas (da B para baixo…) não deviam estar inseridos numa estrutura de clube desportivo com técnicos qualificados.

    • Caro LMGM,
      mas para a ocupação de tempos livres existem normas legais e licenciamentos necessários para a sua organização.
      A prática de desporto livre pressupõe os pais deixarem os filhos irem para um parque verde, um quintal, ou um outro espaço descaracterizado, para que estes, livremente, pratiquem as actividades físicas que bem entenderem.
      O pressuposto errado é considerar-se que se pode ter competição sem ter agentes qualificados para orientarem a mesma. Querer-se sol na eira e chuva no nabal.

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