Inteligência, bola, ganhar e Xavi.

Uma entrevista fascinante do génio de Xavi ao The Tactical Room. A defesa da inteligência e da bola como o factor diferenciador para a vitória… e para o prazer!

Imagino-me no banco a sofrer como um cão se o adversário tiver a bola. Eu quero que a minha equipa tenha a bola sempre. Criaram-me a ter a bola e a jogar ao ataque, pelo que naturalmente essas serão as minhas ideias. Desde que me recordo que aprendi a jogar assim. Mas não é só o que aprendi. Ganhei tudo a jogar assim! Ganhámos e fomos admirados no mundo inteiro…

Demasiadas vezes parte-se em vencer ou jogar bem e ter a bola, como se fossem conceitos diferentes. Para Xavi, a bola não é somente uma questão de vivências ou prazer. É acreditar numa ideia resultadista! Mesmo que se extrapole as duas ou três excepções de quem, abdicando da organização ofensiva e concentrando-se somente em jogar ofensivamente em transição, tenha conseguido ocasionalmente vencer troféus.

Com Pep tinhamos o Keita e o Touré, e eles ganhavam os duelos, mas a equipa não jogava para ganhar duelos. Os duelos eram momentos pontuais no jogo. Nós evitávamo-los, fugíamos dos adversários, do barulho e dos duelos. Se havia algum, lá estava o Keita e o Touré para os ganhar, mas a nossa intenção era nunca chocar contra os adversários. E não vejo o Barcelona a jogar de outra forma… Se compras jogadores para correr… e agora vejo jogadores do Real que são jogadores de Barcelona, como o Kroos e o Modric.. O David Silva escapou-nos, como escapou o Santi Carzola.. fariam a diferença no Barça…

Os duelos. Quem nos seguiu ao longo da temporada passada, foi sempre a maior critica ao jogar de Nuno Espírito Santo no FC Porto. Uma equipa que se concentrava muito em disputar lances individuais, onde era de facto muito forte, e pouco em construir e criar de forma inteligente. Aproveitando espaços, tendo saídas com bola mais fácil de dominar e controlar. Conseguiu demasiados pontos a impor-se defensivamente pela forma como individualmente todos os cinco elementos mais defensivos se impunham e roubavam bolas no choque, e outros pelo explorar das bolas longas para Soares, ou para os corredores laterais. Porém, um jogo de choque é sempre um jogo de resultado mais aleatório, do que aquele em que se usa o cérebro para defender e atacar.

O guarda redes começa tudo. Controla a bola e decide por onde começamos a atacar. Às vezes recebe um melão e tem de controlá-lo e procurar o homem livre, e a partir daí, realizar os passes, as acções e os movimentos necessários para atacar com superioridade numérica. É mais difícil jogar assim, mas é mais completa e dá mais prazer

O “modelo integrador de todos os jogadores. Todos atacam, todos defendem”, como Luís Castro, a quem voltaremos, destacou ao Lateral Esquerdo. Um jogo mais difícil somente porque exige maior inteligência aos seus intervenientes, porque tecnicamente torna-se mais fácil por requerer passes mais curtos e recepções mais fáceis por bola chegar “redonda”. Mais fácil porque jogar em e com a superioridade numérica será sempre o maior catalizador do sucesso. Porém, difícil para quem cognitivamente tem maiores dificuldades.

Deveriam estar no Barcelona! Porque não os contratámos na altura devida…? Imagino-os a fazer maravilhas pelo Barcelona.

Questionado sobre o que sente quando vê jogar o Real com Kroos, Modric e Isco em simultâneo.

Sobre a cultura própria de um clube que ganha e encanta. Proposta de jogo do Barcelona que tanto marcou o mundo do futebol, que quando surge quem coloque decisões e inteligência num jogar, é desde logo associado a um jogar à Barcelona. Mesmo que joguem no maior rival!

O legado de quem não venceu somente. Convenceu e encantou.

No Ténis jogas mal, perdes. No golf e no basquetebol, jogas mal, perdes. No futebol não é assim. Podes jogar mal e ganhar um jogo ou um título no minuto noventa. Não há uma correlação directa entre jogar bem e ganhar… Acredito que jogar bem fará ganhar mais vezes mas vai haver sempre um par de jogos na temporada que não vences… lembro-me de um jogo com o Rubin Kazan que defendeu com duas linhas de cinco! E ganhou-nos! Foi incrível! Dez tipos a defender em frente à sua área. Os extremos seguiam os nossos laterais e às vezes era uma linha de sete defesas! Foi horroroso… tentas encontrar espaços… as vezes não os encontras como ocorreu naquele dia, e perdemos… mas maioria das vezes ganhas…

Tantas vezes por aqui abordada a especificidade do futebol. Há melhores caminhos e há caminhos piores. Vinte vezes percorridos, garantidamente que na maioria das vezes o sucesso chegará nos melhores. Porém, cada lance é somente um caminho, e mesmo fazendo mal, por vezes há sucesso. O que não significa que se fez bem! Apenas se beneficiou da pontinha de “sorte” que não chega por algo mais controlado. Jogar melhor, decidir melhor, é percorrer o melhor caminho. Escolher a melhor opção. Dias ou lances haverá em que não resultou. Mas no final do dia, é tudo uma questão de probabilidades. Vencerá mais, e marcará mais, quem decidir bem. Quem jogar bem.

Pep por vezes não deixava os laterais subirem… para evitar que o adversário depois forme uma linha com seis ou sete defesas. E isso provoca ires buscar vida a outros espaços…

Com a informação disponível para todos quanto os que a procurem, surgiu uma nova tendência de quem por não perceber como funciona um jogo, crê em receitas finais. Os laterais são projectados, o médio defensivo baixa para entre os centrais, os extremos agora jogam dentro. Não! Tudo pode fazer sentido, ou não fazer sentido algo! Depende sobretudo do que provoca no adversário. Por isso os posicionamentos não podem ser estanques e compreender o jogo para quem o joga será sempre mais importante que decorar o modelo que idealiza o treinador. Tantas vezes baixar os laterais serve como atracção.

P.S. I – Entrevista completa de Xavi na drive do Lateral Esquerdo.

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Novos uploads realizados nos últimos dias, disponíveis na drive. Pep Guardiola, Jorge Valdano e Xavi!

Sobre Paolo Maldini 3828 artigos
Pedro Bouças - Licenciado em Educação Física e Desporto, Criador do "Lateral Esquerdo", tendo sido como Treinador Principal, Campeão Nacional Português (2x), vencedor da Taça de Portugal (2x), e da Supertaça de Futebol Feminino, bem como participado em 2 edições da Liga dos Campeões em três anos de futebol feminino. Treinador vencedor do Galardão de Mérito José Maria Pedroto - Treinador do ano para a ANTF (Associação Nacional de Treinadores de Futebol), e nomeado para as Quinas de Ouro (Prémio da Federação Portuguesa de Futebol), como melhor Treinador português no Futebol Feminino. Experiência como Professor de Futebol no Estádio Universitário de Lisboa, palestrante em diversas Universidades de Desporto, Cursos de Treinador e entidades creditadas pelo Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ). Autor do livro "Construir uma Equipa Campeã", e Co-autor do livro "O Efeito Lage", ambos da Editora PrimeBooks Analista de futebol no Canal 11 e no Jornal Record.

3 Comentários

  1. Que bíblia. Enorme. Prepara-se para ser um belíssimo treinador.

    A nova moda do médio defensivo baixar para o meio dos centrais só porque sim é das coisas mais irritantes, hoje em dia. Não quer dizer que o jogo não o exija em determinados contextos, mas a maioria dos treinadores exige que o façam mesmo sem perceber o porquê, ou o contexto que o exige ou não.

    Esta coisa das formulas mágicas não resolve nada. E a próxima grande tragédia é quando for tudo replicar o 3x4x3 só porque anda tudo a jogar assim às quartas as 19h45.

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