Jogo percebido e não decorado. O verdadeiro bom jogo.

No último texto falou-se dos processos padronizados e que exigem a todo o instante o mesmo posicionamento a cada um dos seus intervenientes. Seja um jogador muito dotado tecnicamente e veloz, ou outro menos dotado e mais lento.

Cada vez mais a chave do jogo e do bom processo passa pela compreensão do jogo por parte do jogador e não pelo decorar. Naturalmente que há alguns indicadores que se repetem e ajudam a equipa em determinados momentos, nomeadamente o baixar de um elemento para a linha defensiva na construção, ou os próprios triângulos ou losangos que se formam ao portador no início do processo ofensivo em organização.

Mas, tudo o mais importa que se perceba e não se decore. Integrar movimentos porque o lance assim o pede, e o ajuste necessário da restante equipa em função do movimento de um seu elemento.

O Real Madrid que tem a construção mais pausada e inteligente do futebol mundial, conseguindo demasiadas vezes monopolizar o jogo pelas ligações que estabelece e decisões que toma o seu trio de médios (Kroos, Modric, Isco) ao qual tantas vezes se junta também Benzema para ligar o jogo em espaços mais adiantados, não tem a saída padronizada. Embora no início os posicionamentos sejam praticamente sempre os mesmos (Kroos à esquerda de uma linha de três, Isco mais adiantado, mas pronto para ligar com o alemão, tal como Marcelo, mas este por fora), a partir do momento que a bola rola, tudo é inteligência e perceber o jogo, e nada decorado. Trabalho para dar linhas de passe, mais importante que decorar espaços onde aparecer. Por isso por vezes se notam dois jogadores a virem mostrar-se onde falta gente, mas muito rapidamente um percebe que se movem dois e adapta o seu posicionamento mudando-se para outro espaço.

Naturalmente que muito ajudará ter os melhores a iniciar o processo ofensivo, e bastará não ter Kroos como ponto de referência para ligar corredor esquerdo com central em construção para que se perca qualidade. Porque o alemão tem a qualidade e personalidade necessária para não acelerar o jogo só porque sim, e temporiza o que for necessário para que as opções surjam. E porque, só por ser o Kroos que encontra sempre caminhos, praticamente nenhum adversário se atreve a ir pressioná-lo, pois sabe que o alemão iniciará logo desequilibrio aproveitando a saída para pressionar.

Curiosamente, como quem já esteve na formação “Modelo de Jogo e opções de planeamento” poderá confirmar, também no nosso período no futebol feminino, ofensivamente apenas os posicionamentos iniciais na construção estavam predeterminados. A partir daí, entender o jogo e mover-se em função do portador!

Slides da formação:

Dá para reconhecer muita coisa comum ao processo do Real, não dá?

Sobre Paolo Maldini 3828 artigos
Pedro Bouças - Licenciado em Educação Física e Desporto, Criador do "Lateral Esquerdo", tendo sido como Treinador Principal, Campeão Nacional Português (2x), vencedor da Taça de Portugal (2x), e da Supertaça de Futebol Feminino, bem como participado em 2 edições da Liga dos Campeões em três anos de futebol feminino. Treinador vencedor do Galardão de Mérito José Maria Pedroto - Treinador do ano para a ANTF (Associação Nacional de Treinadores de Futebol), e nomeado para as Quinas de Ouro (Prémio da Federação Portuguesa de Futebol), como melhor Treinador português no Futebol Feminino. Experiência como Professor de Futebol no Estádio Universitário de Lisboa, palestrante em diversas Universidades de Desporto, Cursos de Treinador e entidades creditadas pelo Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ). Autor do livro "Construir uma Equipa Campeã", e Co-autor do livro "O Efeito Lage", ambos da Editora PrimeBooks Analista de futebol no Canal 11 e no Jornal Record.

4 Comentários

  1. sendo um bocado off topic, não acham que é um dos problemas das equipas do jesus, tudo demasiado padronizado dando pouca liberdade à capacidade individual de ler e interpretar o jogo?

  2. Excelente post.A Padronizacao dos movimentos em organizacao ofensiva, foi precisamente um dos problemas com que me deparei na época transacta na minha equipa. Limitei demasiado o jogo posicional da equipa, o que nos retirou mobilidade e imprevisibilidade. Este ano, muito mais liberdade, sobretudo a partir da 2a fase de construcao e muito foco em adaptacoes posicionais em funcao de vários fatores. Nao está determinado quem faz o que. Está determinado que alguém o tem que fazer. seja desmarcoes de apoio, de ruptura, linhas de passe que oferecam opcoes ao portador e criem instabilidade e dúvida na estrutura adversária, etc. Naturalmente que temos também em atencao as características individuais dos jogadores e em funcao disso tentamos potenciar ao seus pontos fortes e colocá-los mais vezes em situacoes que podem desequilibrar. Até agora com 5 semanas de treino decorridas e vários amigáveis, os resultados sao evidentes na qualidade ofensiva da equipa. O que mais me surpreendeu ainda assim, foi a satisfacao que os jogadores várias vezes demonstraram em ter essa liberdade responsável. E essa alegria melhora o nosso jogar significativamente.
    Saudacoes futebolisticas! Continuacao do bom trabalho!

  3. Mas isto, na prática, “só” é realmente possível com muitos inteligentes. Claro que é preciso ser inteligente para perceber o que se tem e o que se pode fazer.

    Sem eles, talvez seja mais “seguro” padronizar.

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