O problema da sorte na Liga portuguesa.

Num jogo de futebol não há sorte. Mesmo nas maiores injustiças houve sempre alguma competência ou incompetência, mais não seja na hora de finalizar. Há porém, uma imensa aleatoriedade na forma como por vezes se chega às situações, sem uma construção ou criação sustentada por trás.

Por exemplo, na jornada transacta sem que nada o fizesse prever, num lance padrão da organização ofensiva do Benfica, a equipa encarnada chega ao empate contra o Portimonense e vê-se a jogar contra apenas dez elementos, o que lhe facilitou imenso um jogo que estava extremamente complicado. Não se pode afirmar ter sido sorte, porque há trabalho de movimentos por trás, há qualidade na execução de Pizzi, e na recepção de Salvio. Todavia, no jogo até então não tinha havido da parte do Benfica nada na sua construção ou criação que de forma sustentada fizesse crer que tal lance surgiria. Não foi sorte. Mas, porque a criação era diminuta, foi uma feliz aleatoriedade.

O problema da aleatoriedade, é que não é controlável. Se é aleatório, hoje pode sorrir a uns e amanhã a outros. As melhores equipas têm no seu jogar e ao longo do jogo uma série de lances, ou ocasiões que geralmente acabam por sustentar o momento em que os golos surgem. Ou seja, vão-se superiorizando sucessivamente em diferentes fases do jogo, ou espaços do campo, até que se torne quase inevitável que a fortuna chegue.

O problema de quando a fortuna chega por aletoriedade, e sem sustentação, reside no facto de se perceber que no médio ou longo prazo, numa prova de regularidade, mais tarde ou mais cedo, se pagará o preço.

A sustentação das vitórias surge sobretudo fruto de duas grandes valências. A qualidade de organização e a qualidade das individualidades. É mentira que não há bons treinadores sem bons jogadores. Mas, é verdade que não há troféus em provas de regularidade se individualmente a equipa for bem inferior num computo geral à dos adversários, se estes também tiverem organização. Como é o caso actual na Liga portuguesa.

Não esteve nada fácil, porque defrontámos uma equipa bem organizada defensivamente. Mas neste momento temos uma equipa com muitos argumentos, com jogadores que a qualquer momento podem fazer golo. E foi o que aconteceu.

[factor determinante para o arranque só de vitórias?] A escolha dos jogadores. Contratámos jogadores que quando a equipa não consegue fazer a diferença, fazem eles. Desde que estou no Sporting, não digo que é a melhor equipa que já tive, mas é a que mais poder tem, com jogadores que a qualquer momento podem fazer a diferença. O mais importante é que acertámos nos jogadores. Têm experiência, mas também uma cabeça sã e boa.

Jorge Jesus

Depois de dois anos sem troféus de nomeada, Jorge Jesus tem hoje entre o que é individual e colectivo, sustentação no seu jogo para poder sonhar realisticamente com o titulo. Como também já o havia tido na sua primeira temporada. As palavras e os resultados na nova temporada do treinador leonino são interessantes para que se perceba o que mudou, para que o sucesso seja por ora bem diferente. Os jogadores.

Talvez o presente texto seja interessante de ler para quem conseguir hoje, uns bons meses depois, recordar-se das “guerras” e “choro” da temporada passada, depois de um texto mais do que assertivo publicado pelo Rodrigo Castro, em que apelidava o FC Porto da época transacta de ser o Leicester português, num momento em que as vitórias consecutivas iam aumentando de jogo para jogo, mas sem nada que as sustentasse.

O Leicester português porque ganha. Porque surge nesta fase tão perto do título (é líder provisório) por erros e demérito dos adversários directos (SL Benfica e também Sporting), que o foco e a adrenalina que aumentam a vontade de vencer, em cima das qualidades individuais e da capacidade para vencer duelos no choque vão aproximando o FC Porto das vitórias. Sempre de forma menos pensada, mas mais recuperando um estilo de luta permanente por toda e qualquer bola que tanto o caracterizou.

O golo que coloca a equipa de Nuno na frente do marcador, tão comum a tantos outros que vêm servindo para o adiantar no marcador. Um rasgo individual. Uma bola parada. A personificar bastante bem o futebol que trouxe para o Dragão o ex treinador do Valência.

O caminho de vitórias consecutivas não tinha qualquer sustentação no seu jogar, como se afirmou por cá em plena “época” de vitórias, e não foi de espantar o FC Porto ter acabado por ficar para trás.

Hoje, na Liga portuguesa decorridas que estão seis jornadas, já se pode perceber o que é sustentado e o que não o é. Não é por acaso que o FC Porto sofre o seu primeiro golo somente à sexta jornada. Ainda antes da temporada oficial arrancar, já havia referenciado a muita dificuldade que em Portugal todos terão para marcar à equipa de Sérgio Conceição. Porque aos bons traços defensivos das individualidades que compõem a sua defesa, junta-lhe agora uma organização que nunca teve com Nuno Espírito Santo.

E não é por acaso que o Sporting com a integração de William e Bruno Fernandes, juntando-os a Coentrão e Mathieu na equipa cresceu bastante na sua organização ofensiva, como não será por acaso que decorridos seis jogos, o Benfica tenha perdido o comboio da liderança.

E se Rui Vitória referiu com toda a justiça, o facto de o Boavista não ter feito o suficiente para vencer, ou sequer pontuar, porque não foi capaz de construir e criar, e acabou por chegar aos golos em duas bolas paradas, também não é menos verdade que quando não há sustentação na qualidade de jogo, seja porque falha uma, outra ou ambas das duas valências obrigatórias para se triunfar (organização colectiva e qualidade individual), o que é aleatório acentua-se e pode cair para qualquer lado. Caiu para o Benfica na recepção ao Portimonense. Caiu para o Boavista na sua recepção ao Benfica.

Tem tudo a ver com a forma como o jogar de cada equipa sustenta os seus resultados. Quando não o faz, é sempre uma questão de tempo até cair. E que melhor exemplo que o do FC Porto da temporada passada?

 

Sobre Paolo Maldini 3828 artigos
Pedro Bouças - Licenciado em Educação Física e Desporto, Criador do "Lateral Esquerdo", tendo sido como Treinador Principal, Campeão Nacional Português (2x), vencedor da Taça de Portugal (2x), e da Supertaça de Futebol Feminino, bem como participado em 2 edições da Liga dos Campeões em três anos de futebol feminino. Treinador vencedor do Galardão de Mérito José Maria Pedroto - Treinador do ano para a ANTF (Associação Nacional de Treinadores de Futebol), e nomeado para as Quinas de Ouro (Prémio da Federação Portuguesa de Futebol), como melhor Treinador português no Futebol Feminino. Experiência como Professor de Futebol no Estádio Universitário de Lisboa, palestrante em diversas Universidades de Desporto, Cursos de Treinador e entidades creditadas pelo Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ). Autor do livro "Construir uma Equipa Campeã", e Co-autor do livro "O Efeito Lage", ambos da Editora PrimeBooks Analista de futebol no Canal 11 e no Jornal Record.

6 Comentários

  1. Parece-me que há aqui uma questão de semântica. Aleatoriedade feliz ou fortuna são sinónimos de sorte, não se pode dizer que não existe sorte mas estas existem. De resto, completamente de acordo com o texto.

    Concordo que a equipa do Benfica este ano é bem mais fraca que no ano passado, mas não te parece que existe também alguma falta de capacidade em disfarçar isso do RV? Modelo incrível com jogadores maus nunca chega para tudo, embora seja melhor que nada. Mas neste caso parece-me que estamos perante um modelo apenas razoável com jogadores medíocres (em alguns sectores). Talvez não chegue para ganhar o campeonato, mas parece-me que o Benfica tem equipa mais forte que 90% das restantes no campeonato e as exibições não têm mostrado isso.

    • Eu não sei se estamos perante um modelo de nível razoável. Questiono-me até sobre a própria existência de um modelo. Em muitos momentos não há ali nada.

      • Desculpa-me intrometer, eu que não vejo muitos jogos do Benfica, e por isso abstenho-me de dar uma opinião pessoal. Mas se o ano passado havia modelo no Benfica, elogiado (a espaços) por muitos, como é que não o há este ano?

        Foram vendidos 3 titulares do sector recuado (todos com enorme impacto, não haja dúvidas), mas foram substituídos por elementos que já faziam parte do plantel. Se havia um modelo, estes já o conheciam…

        • «Se havia um modelo, estes já o conheciam…»
          Exactamente. Sublinhe-se o «se havia».
          É que aquilo que se vê faz mais lembrar a aplicação da teoria da escolha racional ao futebol…

          • Vamos assumir que sim, havia um modelo. Esse modelo era adaptado à matéria prima que havia, sim ou não?

            Com a perda da matéria prima esse modelo ainda será aplicável? Ou seja, pode um treinador qualquer, e aqui tanto faz se se chama RV ou PG, com a perda de qualidade que o Benfica sofreu agarrar-se às mesmas rotinas e comportamentos? Claro que pode, mas e se a matéria prima que tem não lhe permite isso? Quer dizer, em termos de consistência defensiva e criação a partir de trás, Lindelöf é quase insubstituível de forma directa. Ruben e Kalaica até seriam as hipóteses mais próximas, mas teria de haver uma capacidade de tolerância ao erro grande, uma vez que nenhum está ainda no ponto em que o sueco estava quando deu o salto.

            Não me vou alongar com a questão do LD ou do GR, as outras duas peças fundamentais no tal “modelo” que poderia ou não existir, mas a questão que deixo é se faz sentido insistir num modelo que não tem pernas para andar só porque sim.

            …Até porque me preocupa mais a “mudança de modelo” na frente!

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