Athletic Club de Bilbau – Os Quatros Pêndulos Táticos

Os Quatros Pêndulos Táticos de Marcelino Toral

Athletic Club – único, singular e respeitado

O Athletic Club, recorrentemente denominado de Athletic de Bilbao, será sempre um clube especial. Fundado em 1898, por emigrantes britânicos, rapidamente se destacou como uma das principais equipas em Espanha. Para além disso, sempre se pautou por uma forte identidade sociocultural com a respetiva região, a Euskadi, e pelo facto de, desportivamente, ser o único clube espanhol que participou em todas as edições da Liga Espanhola de Futebol, em conjunto com os intocáveis FC Barcelona e Real Madrid (90 presenças), rivalizando, inclusive, sucessivamente na luta de títulos nacionais.

Quando se analisa La Liga, é com naturalidade que os focos rapidamente se virem para os dois gigantes da capital espanhola (Real Madrid e Atlético Madrid) e para o FC Barcelona. No entanto, o Athletic conta no seu palmarés com 8 títulos de campeão nacional e, ainda, 24 títulos de vencedor da Copa do Rei de Espanha.

A singularidade dos Leões de San Mamés, como carinhosamente são tratados, fazendo referência ao símbolo do clube e ao estádio, evidencia-se ainda mais, no plano futebolístico, pelo facto de apenas fazer atuar nas suas fileiras jogadores de naturalidade ou descendência basca, um gigante marco cultural e social, algo completamente contraditório com a realidade capitalista da modalidade.

Na verdade, o Athletic acaba por fazer uma aposta muito forte na prata da casa, sendo a sua formação um dos maiores motivos de orgulho, incubadora de talentos e local de transmissão de valores, ideias, ideais e princípios inerentes ao Basquismo.

No entanto, não deixa de realizar contratações, de jogadores de clubes da mesma região como o Alavés, Osasuna, Eibar ou Real Sociedad ou de outros que possam estar a jogar noutras fileiras nacionais e internacionais, sempre com a limitação de terem de ser bascos, limitação que é defendida com orgulho pelas gentes de Bilbau.

Depois dos anos dourados de Marcelo Bielsa e Ernesto Valverde, com presenças nas competições europeias e noites míticas de futebol no velhinho San Mamés, o Athletic Club respira saúde ao leme de um homem tranquilo, pacífico e pensador, Marcelino Toral.

  • Organização Defensiva – Agressividade na Pressão da Saída de Bola

O Athletic Club apresenta-se com uma pressão alta e mista logo na saída de bola do adversário. Organizado num 4-1-3-2, a pretensão de Marcelino é de colocar os centrais contrários numa situação incómoda, sem tempo e espaço para uma saída limpa.

Dessa forma, os dois jogadores mais adiantados saltam a pressionar H-H mas sempre com o cuidado de fechar a linha de passe para o médio-defensivo contrário. Individualmente, tanto Sancet, Raul Garcia ou Iñaki Williams, demonstram uma responsabilidade posicional alta, lendo constantemente as costas de forma a interpretar possíveis movimentações e trocas nas suas costas.

Pressão do Athletic Club na saída de bola

Ao mesmo tempo, os extremos bascos juntam-se no corredor central a um dos interiores, normalmente Zarraga, de forma a prevenir e impedir a progressão do adversário pelo espaço central, deixando Dani Garcia nos equilíbrios e a prevenir uma possível distância grande entre a linha intermédia e defensiva. Os 3 jogadores da linha intermédia, ficam responsáveis em defender o espaço.

Os alas, Muniain e Berenguer, dividem o espaço entre o lateral e interiores contrários enquanto que Zarraga se posiciona entre os dois interiores contrários. No entanto, esta tendência e organização no momento de pressão alta permite, algumas vezes, aos adversários ligar com os respetivos laterais, devido à enorme área que tanto Muniain e Berenguer têm de cobrir, que por vezes não lhes permite chegar a tempo de intercetar ou desarmar.

Assim, que a bola entra no corredor lateral, o extremo mais próximo, rapidamente, tenta condicionar o portador da bola, realizando o movimento de dentro para fora, cortando as linhas de passe interiores, enquanto que o interior e o extremo do lado contrário previnem o corredor central, deixando o corredor do lado contrário solto já que nesse momento não é uma zona perigosa.

Assim, o lateral fica apenas com a hipótese de ligar em frente para colegas de equipa na mesma linha de passe. O mais provável é de estes receberem de costas, orientados para a sua baliza e com pressão por perto, ficando o Athletic com uma grande vantagem para recuperar a bola em zonas altas e manter-se, posteriormente, instalado no meio-campo ofensivo.

Pressão do Athletic Club em bola corrida
  • Organização Defensiva – Equipa Unida e Comprometida no Terço Intermédio

O Athletic Bilbao versão 2021-2022 tem vindo a demonstrar uma imagem de marca do técnico espanhol – uma organização defensiva sólida e que permite poucas veleidades aos seus adversários.

A equipa assenta num clássico 4-4-2, compacto, com as linhas defensiva e intermédia muito juntas e intensas nos momentos de pressão e com jogadores sempre preparados para atacar os espaços deixados pelo adversário, ora nos corredores laterais, onde aparecem o virtuoso Iker Muniain, o elétrico Berenguer ou, até, o repentista Nico Williams, ora no corredor central onde aparece o seu irmão mais velho e referência ofensiva da equipa, Iñaki Williams, jogador fortíssimo no ataque à profundidade e de remate colocado e fácil, suportado ora pelo experiente Raul Garcia ora pelo jovem Ohian Sancet.

A grande prioridade de Marcelino é a de bloquear o corredor central do terreno, condicionando o adversário para jogar por fora da sua estrutura defensiva. Com dois jogadores mais posicionais no centro de terreno, Dani Garcia e Zarraga, cabe aos alas Berenguer e Muniain condicionar a posse dos adversários, prevenindo, primeiro, o espaço existente entre eles e o médio-centro do seu lado, impossibilitando o passe vertical e, posteriormente, pressionando o portador da bola de dentro para fora, obrigando-o a jogar para uma zona menos perigosa e mais longe da baliza.

Organização Defensiva do Athletic Club em 4-4-2

A tarefa colocada à sua linha ofensiva, geralmente composta este ano, por Sancet e Iñaki Williams, é bloquear o acesso ao(s) médio(s)-defensivo adversário(s), permitindo aos seus interiores permanecerem no seu espaço, evitando que os atacantes adversários baixem para receber entre-linhas.

O papel dos dois atacantes evidencia-se como essencial, pois permite manter um espaço reduzido entre as linhas defensiva e intermédia, mantendo a equipa junta no momento defensivo.

Assim que a linha de passe dos centrais adversários para o médio-defensivo fica automaticamente fechada, o avançado do lado da bola sai a pressionar enquanto que o outro garante rapidamente a cobertura defensiva e respetiva marcação H-H do pivot defensivo contrário.

Organização Defensiva do Athletic Club em 4-4-2

A linha intermédia do Athletic Club, regularmente organizada com Muniain à esquerda, Zarraga, Dani Garcia no miolo e Berenguer (ou Nico Williams) no corredor direito, permanece compacta, junta e comunicativa, libertando espaços para a circulação do oponente nos corredores laterais, priorizando a circulação da equipa adversária por fora do bloco defensivo, provocando uma posse passiva e inofensiva, longe do corredor central onde naturalmente se cria mais perigo.

À medida que os dois atacantes vão condicionando jogo para os laterais/alas adversários, os extremos bascos saem rapidamente para pressionar, realizando um movimento maioritariamente circular, de dentro para fora, de modo a reduzir o espaço e tempo de interpretação, decisão e acção do portador da bola.

Organização Defensiva do Athletic Club em 4-4-2

Com o objetivo de impossibilitar a variabilidade entre jogo exterior e interior do adversário e de forma sincronizada, o extremo corta automaticamente a linha de passe para os interiores contrários, rapidamente pressionados por Dani Garcia e Zarraga, enquanto o lateral desse lado rapidamente antecipa a linha de passe para o extremo contrário.

Por fim, o avançado do lado da bola condiciona o médio-defensivo contrário, diminuindo o espaço jogável ao redor da bola. Dessa forma, o adversário dispõe apenas de duas soluções: ligar longo, procurando uma solução no ataque à profundidade ou voltando a rodar centro de jogo através dos centrais.

Na primeira situação a linha defensiva do Athletic acaba por ficar com clara vantagem porque terá, à partida, vantagem numérica e posicional no lance perante os atacantes oponentes já que estão orientados de frente para a bola, temporizando o momento em que devem parar a linha ou afundar de forma a controlar a profundidade. E mesmo que os avançados do adversário consigam receber a bola, ficarão sempre com pressão na sua retaguarda e de costas para a baliza dos Leones de San Mamés.

Efectivamente, tendo a equipa de Marcelino Toral este momento muito bem definido e trabalhado, observamos que os jogadores mais distantes do centro de jogo procuram prevenir essencialmente o corredor central, povoando-o com muitos jogadores, mantendo um controlo constante entre a variabilidade de movimentos de apoio e rutura do adversário.

Organização Defensiva do Athletic Club em 4-4-2
  • Transição Ofensiva – o Veneno Basco nas pernas de Muniain e Williams

A maior virtude dos bascos é a capacidade de rapidamente tirar a bola de zonas de pressão, logo através de vários passes verticais que permite aproveitar os desequilíbrios e desorganização dos adversários.

Dado que a recuperação da posse deriva do facto do Athletic garantir superioridades numéricas no centro de jogo, essas mesmas superioridades permitem-lhes combinar rapidamente e tirar a bola da pressão através dos dois avançados que se posicionam  nas costas da linha intermédia adversária e nos buracos deixados pelos médios contrários.

Transição Ofensiva do Athletic Club

Assim que a bola fica descoberta, Iñaki Williams dispara, aproveitando o espaço nas costas dos defesas adversários para atacar a profundidade. Esse tipo de movimentos, que o espanhol realiza tanto em corredor central como através de movimentos circulares à largura convida a linha defensiva a afundar, abrindo espaço para os extremos ou o 2º avançado receber enquanto apoio frontal.

Os perfis técnico-tácticos de Sancet/Garcia e Iñaki Williams encaixam na perfeição neste momento do jogo, tendo uma simbiose fantástica na relação espacial que faz com que cada um deles reaja ao movimento dos jogadores da linha intermédia, maximizando o espaço um para o outro através da tal variabilidade de movimentos de apoio e rutura que apresentam.

Devido aos contra-ataques ameaçadores do Athletic Bilbao, os oponentes assumem naturalmente menor risco na sua fase de criação. Se um central adversário sentir que tem espaço de progredir no espaço central provavelmente pensará duas vezes, já que no caso de perda de bola num passe vertical poderia deixar um espaço que os atacantes do Athletic adoram explorar.

Este receio demonstrado por muitas das equipas de La Liga, faz com que as mesmas coloquem menos homens a atacar a linha defensiva do Athletic ou a potenciar vantagens posicionais nas costas dos interiores bascos, dificultando, ainda mais, a superação da sua linha intermédia.

Transição Ofensiva do Athletic Club
  • Organização Ofensiva – Saber gerir a posse e inteligência de movimentos

O jogo ofensivo do Athletic não se baseia apenas em rápidas saídas para contra-ataque. É uma equipa que gosta de assumir um jogo posicional forte e assume a iniciativa de jogo logo no seu pontapé de baliza.

A equipa mantém-se bastante aberta na sua saída de bola, com os extremos e avançados bem altos no terreno de forma a libertar espaço atrás para os defesas e interiores trabalharem a bola.

Procurando sempre a variabilidade entre jogo interior e exterior para atrair o adversário no seu primeiro terço de terreno, rapidamente aparecem os extremos ou um dos avançados por dentro nas costas da linha intermédia contrária para servir de apoio frontal para um colega que venha, em vantagem, de trás para a frente (dinâmica de 3º Homem) e variar rapidamente o centro de jogo para ter uma saída limpa e pelas zonas com maior espaço.

Organização Ofensiva do Athletic Club – saída de bola em 4-2-4

No momento em que o Athletic Club estabiliza a sua posse, apresentam-se numa estrutura de 2-3-5, com os dois centrais, Iñigo e Yeray atrás, os dois interiores, Zarraga e Dani Garcia, equilibram a equipa e servem como linhas de passe de cobertura para tirar a bola das zonas de pressão adversárias e variar o centro de jogo. A estes junta-se sempre o lateral do lado contrário da bola.

A equipa basca tem como prioridade, atrair o adversário no corredor central, com sucessivos passes entre os seus interiores, para depois ligar por fora. Na frente e à semelhança do que acontece hoje em dia com muitas equipas europeias, Marcelino defende uma linha ofensiva de 5 jogadores.

Aos 4 jogadores da frente de ataque, junta-se sempre o lateral do lado da bola que através de movimentos de trás para a frente, com e sem bola, procura criar desequilíbrios e afundos na linha defensiva contrária. Neste momento, é essencial a capacidade de Muniain, Sancet e Berenguer de jogar em entre-linhas.

No caso específico dos extremos, é muito importante o facto de estes libertarem o corredor lateral e servindo enquanto soluções no espaço existente entre as linhas intermédias e defensivas do oponente.

O facto de, por exemplo, Muniain jogar do lado esquerdo permite-lhe receber perfilado e orientado de frente para a baliza contrária para ameaçar um passe rutura tantos para as referências atacantes como para o extremo que aparece, ora no espaço por fora do lateral adversário, ora no espaço entre central e lateral.

Organização Ofensiva do Athletic Club em 2-3-5

Outra variante ofensiva de Marcelino Toral evidencia-se perante organizações defensivas que saltem a pressionar com 2 atacantes, através de uma estrutura de 3-2-5, situação na qual o técnico faz baixar um dos laterais para construir com os centrais, aumentando a amplitude com eles, obrigando os atacantes adversários a cobrir uma largura maior e a distender, libertando espaços por dentro para ligar com os interiores que se mantém nas costas da primeira linha de pressão contrária.

Com esta alteração, o lateral do lado contrário projeta-se no corredor, provocando o movimento interior, para os half-spaces, de Muniain e/ou Berenguer, consoante o lado do ataque, ou seja, se um estiver por dentro o outro mantém-se à largura, mantendo-se Williams como referência para fixar os centrais contrários.

Neste momento, salta a vista a capacidade de Sancet se juntar na zona central, auxiliando em apoio frontal, mantendo a equipa equilibrada e dando mais uma solução para verticalizar a posse.

Organização Ofensiva do Athletic Club em 3-2-5

Em suma, Marcelino construiu para esta época 2021-2022 uma equipa que apesar do actual 9º lugar no campeonato espanhol, se mantém na luta pelos lugares de acesso às competições europeias e que, até ao momento, foi vice-vencedora da Supercopa Espanhola e segue em frente na Copa do Rei, prova na qual eliminou, na última ronda, o FC Barcelona, num espetacular jogo de futebol.

O Athletic é uma equipa capaz de criar perigo tanto a partir de transições ofensivas como através de uma posse controlada e orientada. Para além disso, defensivamente, demonstra um bloco muito compacto no corredor central que evidencia provavelmente a sua maior lacuna, o espaço deixado nos corredores laterais.

O Athletic Club continuará seguramente a pautar-se pela sua singularidade, seja pela riqueza social e cultural das suas gentes, seja pela fantástica demonstração futebolística que apresenta.

Sobre JuanRiquelme 2 artigos
Treinador UEFA B Licenciado em Ciências do Desporto Mestre em Treino Desportivo para Crianças e Jovens Treinador-Adjunto Clube Condeixa (CP) Treinador de Formação AF Sporting Coimbra

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