Unai Emery em entrevista à Tactical Room – Lições de futebol

Porque me fiz treinador? Por instinto de sobrevivência. Porque tinha deixado os estudos e o meu único futuro estava no futebol. Como jogador, o futebol era o presente. No futuro, tinha de estar relacionado com o futebol, a luz que vi e que me permitiria estar no futebol, era ser treinador. Foi pura sobrevivência unido ao sentimento do que eu gostava. O meu objectivo não é um clube ou uma cidade concreta, é apenas treinar. Essa é a minha felicidade e a minha ideia: treinar. Onde? Não sei. Mas treinar.

Unai Emery, treinador guipuzcoano de 46 anos, vencedor de 3 Ligas Europa pelo Sevilha, 1 Liga Francesa, 1 Taça de França, 2 Supertaças e 2 Taças da Liga de França, deu uma entrevista de vida a Marti Perarnau, jornalista e escritor de livros conhecidos do grande público como “Herr Pep” e “Pep Guardiola – La Metamorfosis”.

A inteligência é a capacidade de adaptação à mudança

Stephen Hawking

Quando Emery foi contratado para o clube parisiense, sabia as circunstâncias que ia encontrar e logo tentou adaptar-se às mesmas.

A primeira coisa que faço é adaptar-me à equipa onde estou como Garitano. Perguntaram-lhe a razão porque não leva fato quando está no banco e Asier respondeu que adapta-se às equipas que dirige e como o Leganés é uma povoação de pessoas muito trabalhadoras na periferia de Madrid, usar fato não é natural. Comigo é parecido. Chego a Paris e tenho de me adaptar ao PSG e isso leva a ter um conjunto de formalidades que me obrigam a ser eu mesmo mas com dinâmicas diferentes na minha relação com os jogadores, com a direção, o estádio e os adeptos. Por isso, reduzi um pouco as minhas expressões no banco por adaptar-me ao Paris Saint-Germain.

Por vezes, é difícil o adepto compreender que um treinador vitorioso num clube com menor dimensão tenha de se adaptar à filosofia de um grande clube. Se recordam os tempos de Unai no Sevilha, Monchi era o “líder” do clube. As críticas, as questões impertinentes, os elogios, a pressão era para o atual diretor desportivo da Roma. O que ajuda a um treinador que esteja menos preparado para lidar com a exigência do alto nível, possa fazer o seu trabalho e obter resultados.

Os primeiros seis meses foram duros, entre muitas razões, saiu Ibrahimovic que era a referência do clube, fazia 50 golos e 20 assistências… e tive de fazer um novo PSG sem ele. Este ano, contratámos Neymar e Mbappé.

Teve de se adaptar a três situações:

1 – Chegar a um clube e o mesmo já ter uma referência (Ibrahimovic)

2 – Tornar-se o líder do clube (ano que perde o campeonato para o Mónaco)

3 – Entrar no processo do clube para Neymar ser o líder e o símbolo de um novo processo do clube

Jorge Valdano disse-me um dia: no Barcelona, o líder é Messi, no Madrid, é Florentino Pérez, no Atlético Madrid é Simeone. Pensa bem: um jogador, um presidente e um treinador. Em cada caso, um perfil distinto de liderança. Eu sei quando sou o máximo responsável de um grupo e quando não sou. É um processo que todo o treinador vai viver e interiorizar e isso não se aprende em dois dias, só com o passar do tempo e com a experiência. Em cada lugar, sabes que papel ocupas e que papel o grupo te dá. A minha opinião é que hoje no PSG, o líder é Neymar. Ou melhor, será de Neymar. Está num processo para ser. Tive isso claro desde o primeiro dia: Neymar veio para o PSG para ser líder. Neymar veio para o PSG para viver um processo necessário para converter-se em número 1 do mundo. É um processo que falta tempo para acabará por ser consolidado. No Man City, o chefe é Guardiola. No PSG, é Neymar.

Emery, ao contrário das muitas notícias que sairam na comunicação social internacional que veicularam uma má relação com Neymar, o mesmo desfaz-se em elogios ao craque canarinho.

Eu tenho sempre 3 formas de bater os cantos. Uma, é bater rápido, fazer antes que a equipa contrária se posicione, a segunda é bater curto para que a equipa adversária se desloque para que nós possamos aparecer nos espaços, terceira com base num posicionamento próprio nosso e dos adversários, atacarmos e tentarmos ir buscar o remate. Trabalho sempre estes 3 princípios mas quando Neymar chegou, não tive tempo para trabalhar porque tinha acabado de chegar a Paris e tinhamos jogo. Nesse jogo (Toulouse), tivemos um canto, Neymar bateu rápido e Kurzawa fez golo. Não tinhamos ensaiado nada com ele!!! Um dia comentei com ele: O meu trabalho foi reduzido a uma genialidade tua

 

 

Como treinador, eu tentei sempre dirigir as rotas dos meus jogos, um pouco como quem move um joystick mas quando chego a um clube como o PSG dou-me conta que, em muitos casos, são os jogadores que escolhem dentro de campo a rota mais eficaz. Disse um dia: Ney, há situações de jogo que eu sempre trabalhei previamente mas que no teu caso, aparecem sempre sozinhas.

Emery

Unai entendeu que havia jogadores que devido à sua qualidade técnica, eram mais importantes para a estrutura do PSG do que o seu próprio papel com treinador e adaptou-se a essa situação. Aqui está a razão de Zinedine Zidane ser bem sucedido no Real Madrid. Apesar de todas as críticas que tem recolhido sobre o jogo da equipa que vai para a terceira final da Champions League seguida.

Há jogadores que me explicaram: Zidane é o melhor treinador para nós porque nos entende. Todos estamos contentes com ele e sabemos que nos momentos importantes, não podemos falhar. Podia ser melhor? Claro, porque não são constantes. Zidane sabe o que os jogadores querem e faz o que é preciso para os deixar contentes. Eles estarem contentes, às vezes, faz com que estejam relaxados e isso aconteceu na Liga, por exemplo. Mas exige intensidade na Champions.

No meu primeiro ano como analista de futebol, perguntei ao treinador: “Este treino de finalização é básico. Não tem complexidade nenhuma. Porque é que continuas a fazer isto?”

Ao que ele me responde: “Se fosse por mim não o fazia mas eles divertem-se com isto. Deixa-os relaxados. Dou-lhes exercícios que eles gostam para depois exigir deles o máximo. É dar e receber. Não faço tudo o que gosto, eles são os protagonistas.”

Todas as semanas, aparecem vídeos deste treino de finalização dos jogadores do Real Madrid nas redes sociais. Os jogadores adoram e Zidane tira o proveito. Deixa-os comprometidos e sempre confiantes para os momentos decisivos.

“A norma básica para poderes treinar é: que os jogadores acreditem em ti”

Quando Sampaoli assinou pela Seleção da Argentina, um jornalista do país das pampas deu uma das maiores informações que ouvi em muito tempo: “Falei com alguns jogadores da seleção, eles estão motivados em ser treinados por Sampaoli e descobrir como ele treina para dar os resultados que vimos no Chile e no Sevilha. Ele tem milhões de seguidores nos vídeos dele e os jogadores veem tudo”

O PSG tem uma ideia de jogo mas nem sempre se dá valor. No outro dia fizemos um golo fantástico contra o Metz. Na nossa pequena àrea, estavamos pressionados e Verratti saiu a jogar com o nosso guarda-redes e saímos da pressão, combinando e progredindo com passes, pam, pam, pam e marcámos golo. Quando Guardiola faz isso, o vídeo corre o mundo.

Entra um novo dado na discussão. A importância das redes sociais nos dias de hoje e como os treinadores que estão no alto nível têm de se adaptar às novas exigências. Se formos analisar, e andarmos pelo Twitter, é fácil encontrar Quique Setién, Eder Sarabia ou Juan Páscua Ibarrola (equipa técnica do Bétis), Vítor Severino e Felipe Celikkaya (equipa técnica do Chaves).

Bétis e Chaves são equipas da ‘’moda’’. Modelos de jogo bem trabalhados e que merecem todos os louros do trabalho que têm tido. Mas ter uma equipa multidisciplinar em plena era das redes sociais é tão ou mais importante que a própria comunicação do treinador e que serve, também, para os jogadores ficarem entusiasmados e convencidos do trabalho do treinador.

Roberto Olabe diz-me que hoje em dia todos jogamos igual: saída de bola desde trás, pressão alta ou não… e é verdade: hoje todos trabalhamos parecido porque todos estão preparados. Onde está a diferença? A diferença está em que tu tenhas convencido os jogadores e por suposto, que sejam bons futebolistas.

 

 

O modelo de jogo tem de estar relacionado para que sejas competitivo. Os jogadores e o modelo de jogo têm que ser coerentes. Porque às vezes com um determinado tipo de futebolistas, tu não podes jogar de uma determinada maneira e ser superior ao rival. Tem de existir uma coerência ou tens de modificar a tua ideia porque com um certo de tipo de jogadores, o rendimento competitivo não será o mesmo. Tens de fazer outras coisas para ganhar

Emery

 

“Quando não for possível, quando verificar que o plantel não dá para o fazer, temos de optar por outro caminho, pois também o faremos, mas já o farei a violentar-me um pouco mas é a minha profissão e muitas vezes nós temos de percorrer caminhos que não defendemos a 100 por cento, mas que para rentabilizar alguns plantéis temos de o fazer porque acima de tudo as instituições querem é ganhar e nós temos é de dar vitórias”

Luís Castro, em entrevista ao LE em 2017

Para o treinador, neto de uma glória da Real Sociedad, a ideia de jogo consiste em estar perto da área adversária, ter uma atitude positiva dentro de campo sendo protagonista, pressionar alto, com várias dinâmicas, que o tempo útil de jogo esteja mais perto dos 70 minutos do que dos 50 e que o espectador desfrute do espectáculo. Por isso, Emery gosta tanto de Lillo. Um treinador que adora ouvir falar. Revela que gostaria de ter sido treinador adjunto do mesmo. Elogia Sampoli por ter ido buscá-lo para adjunto no Sevilha.

Perarnau pergunta-lhe se o ponto débil do PSG este ano foi o “Sentinelle”, terminologia francesa para o médio defensivo.

Recordo-me que quando analizava o Madrid de Alonso, Xabi sofria quando corria para trás e que devia atacar esse ponto. Quando analisei o Barça, vi que Busquets também sofre. E Thiago Motta também sofre. Todo o grande médio defensivo sofre. Mas quando tu tens uma equipa que tem 70% de posse de bola, isso é mais importante do que sofrer quando corres atrás da bola. O que fazes à frente é o mais importante. Também por essa razão, não menos importante, o que fazes sem bola, é um tempo muito curto. Se meto um médio defensivo puro, constrói muito mais do que destrói. Claro, se conseguir que Thiago Motta seja melhor nos momentos defensivos, óptimo. Mas quando analisava Xabi ou Busquets, vi exatamente o mesmo. Sofrem nos momentos sem bola mas nos momentos com bola, contribuem muito na construção

Emery

Jogadores como Iniesta, Xavi, Kroos, Modric, Isco, Verrati, terão de estar sempre nas melhores equipas do mundo. E reunindo estas os melhores intervenientes, e por melhores entenda-se, não os que têm muitos momentos de notoriedade, mas os que definem sempre a um nível supremo, e que portanto, a cada jogo se aproximam de uma percentagem de acerto das suas acções próxima dos noventa por cento, estas equipas não necessitarão de “capatazes” ou “protectores” do talento dos colegas.

“O modelo que se compõe, e a minha versão da história dos “capatazes” – Texto do LE

Autor: Paolo Maldini

 

Unai terá de entender “Que mis obras sean más obrás. Más obras mia” tem de dar um passo atrás na carreira para criar outra imagem após esta experiência no Paris Saint-Germain.

Um elogio para os treinadores portugueses que são peritos nesta arte da comunicação e a trabalhar a sua imagem. Cada vez mais importante nos dias de hoje. De José Mourinho, Paulo Fonseca, Carlos Carvalhal, Marco Silva e Luís Castro a muitos outros que começam a dar uns bons passos no futebol europeu e mundial.

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