Tomadas de decisão. O futebol como um jogo de probabilidades.

“Não sou contra ser-se pragmático, porque é pragmático fazer um bom passe, e não um mau. Se eu tiver a bola, o que devo fazer com ela? Pode alguém argumentar que uma má solução como um chuto para a frente é pragmático simplesmente porque, de vez em quando, resulta?” Arsène Wenger.

“O denominador comum nas equipas de sucesso é que os jogadores são inteligentes. Isso não significa, necessariamente, que sejam educados. Podem analisar um problema e encontrar uma solução. O denominador comum numa pessoa de alto nível de rendimento é que pode avaliar objectivamente o seu desempenho. Se falar com um jogador depois de um jogo e lhe pedir para avaliar seu desempenho, se ele analisar bem, você sabe que ele é o tipo de jogador que vai a conduzir para casa e a pensar “eu fiz isto errado, fiz aquilo bem”. A sua avaliação será correcta e, da próxima vez, ele corrigirá. Este jogador tem uma oportunidade. Aquele que jogador que tem um jogo de altos e baixos e diz que acha que foi fantástico, é o jogador com quem temos que nos preocupar. E isto é verdade muito para lá do futebol.” Arsène Wenger.

Num momento em que o jogo é do ponto de vista técnico e físico, cada vez mais equilibrado (longe vão os tempos em que só os grandes clubes treinavam), as tomadas de decisão surgem como um dos traços mais decisivos no jogo moderno.

Por tomadas de decisão, deve entender-se, as opções que cada jogador toma a cada momento (com ou sem bola). Para onde deslocar? A que velocidade o fazer? Que espaço ocupar? Para onde desmarcar? Quando soltar a bola? e para onde? Quando progredir com a bola?

Cada situação de jogo tem uma forma mais eficiente de ser resolvida. Tal não significa que optando pelo pior caminho, se estará sempre condenado ao insucesso. Tão pouco que, optando bem, se será sempre bem sucedido. Significa somente que, optando bem, está-se sempre mais próximo de ser bem sucedido.

Exemplo simples. Numa situação de 2×1, o portador da bola deve progredir com a bola no pé, no sentido da baliza, soltando a bola, no timing correcto (bem próximo do defesa), para que a bola saia para as costas do defesa. O passe deve ser efectuado para o espaço (e não para o pé do colega, por forma a que este não trave a corrida). Ou seja, de uma situação de 2×1, pretende-se passar para uma de 1×0.

Se em dez situações de 2×1, o portador da bola (no momento inicial, antes do passe), for capaz de as resolver dessa forma, provavelmente a sua equipa fará 8,9 golos, ainda que nenhum marcado por si (uma vez que acabará por fazer o passe para o colega de equipa).

Se na mesma situação, o portador da bola optar por driblar o defesa, e mesmo partindo do princípio que os seus traços individuais são bastante bons, provavelmente, em dez lances, marca 4,5 golos.

Os jogos em que, optando mal, se chega ao golo, são óptimos. Porém, em termos globais, a equipa sai prejudicada. Os 5 golos marcados dão notoriedade aos olhos do comum adepto. Mas, não são o que de melhor poderia ter dado à equipa.

Quem toma as melhores decisões a cada momento, tem a sua equipa, sempre mais próxima do objectivo (marcar, não sofrer, ganhar). Mesmo que não obtenha tanta notoriedade.

A situação descrita é uma situação de finalização, por ser de mais fácil compreensão. Porém, é importante perceber-se que as decisões se aplicam em todas as situações do jogo. Por mais banais que lhe pareçam. É que, para se chegar a uma situação de finalização, há todo um trabalho prévio, tão importante quanto o último momento (que nunca surge, quando a fase que antecede a finalização não é eficiente).

Numa equipa desorganizada, talvez seja interessante ter jogadores que, jogando só para si, sejam capazes de, tempos a tempos, criar algo. Num colectivo que se pretende forte, tal não faz sentido.

Texto recuperado de 14 de Outubro. Excepto as declarações do treinador francês.

P.S. – Agradecimento ao João Mira, que nos deu a conhecer a entrevista de Wenger.

Sobre Paolo Maldini 3828 artigos
Pedro Bouças - Licenciado em Educação Física e Desporto, Criador do "Lateral Esquerdo", tendo sido como Treinador Principal, Campeão Nacional Português (2x), vencedor da Taça de Portugal (2x), e da Supertaça de Futebol Feminino, bem como participado em 2 edições da Liga dos Campeões em três anos de futebol feminino. Treinador vencedor do Galardão de Mérito José Maria Pedroto - Treinador do ano para a ANTF (Associação Nacional de Treinadores de Futebol), e nomeado para as Quinas de Ouro (Prémio da Federação Portuguesa de Futebol), como melhor Treinador português no Futebol Feminino. Experiência como Professor de Futebol no Estádio Universitário de Lisboa, palestrante em diversas Universidades de Desporto, Cursos de Treinador e entidades creditadas pelo Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ). Autor do livro "Construir uma Equipa Campeã", e Co-autor do livro "O Efeito Lage", ambos da Editora PrimeBooks Analista de futebol no Canal 11 e no Jornal Record.

5 Comentários

  1. Por mais que o futebol evolua em termos técnicos e físicos, o factor decisorio vai cada vez mais ocupar um espaço incrivelmente importante no jogo, até porque com a evolução de todos os conceitos tácticos, mais do que ter alguém que cumpra o lugar, o jogador do futuro é aquele que compreende o modelo de jogo da equipa na perfeição, que percebe a sua função, mas também a dos colegas, sendo consciente de todas as dinâmicas inter-sectoriais da equipa, conseguindo assim perceber o jogo como um todo e não como um conjunto de jogadas abordadas individualmente.

    Acima de tudo trata-se da capacidade de o jogador conseguir decidir qual a melhor opção, de acordo com o modelo de jogo, com a forma de pensar e com a situação em concreto. Para além disso importa entender fenómenos como a qualidade dessa decisão e velocidade da mesma, pois muitos dos fracassos que temos neste país, principalmente de origem sul-americana, surgem por falhas nestes aspectos.

    Um abraço,
    Dário Pinto

  2. Exacto.

    A diferença entre os grandes jogadores e os medianos não está do pescoço para baixo, mas sim do pescoço para cima, na capacidade de decidir bem e mais depressa que os outros.

    Na situação de 2X1 o jogador da equipa portadora de bola que não está em posse de bola também tem um papel muito importante ao não se deixar apanhar adiantado e em posição de fora-de-jogo (deve procurar sempre a desmarcação numa linha paralela ao do ultimo defesa, e não em profundidade em direcção à baliza). Não é só o portador da bola que tem a responsabilidade exclusiva em acabar essa situação com golo (até porque em caso de passe não é ele que finaliza).

    O Wenger é mesmo um monstro do futebol!
    Espero que tenha sorte quando jogar contra o clube que paga viagens a árbitros e lhes fornece "fruta"…

  3. Boas! O post original já tinha lido, agora vou ver da entrevista do mister!

    Entretanto, se estão fartos da «silly season natalícia», dêem um salto no meu novo blog, que a coisa vai animar! Depois não digam que não vos avisei!

    Bimbosfera!

    Abraço,

    Márcio Guerra

    P.s.- Não, não é o de poker, mas se lá quiserem ir estão à vontade, http://HoldUs.Blogspot.com.
    Este é mais… futebol-tanga, ou seja, pequenas estórias, para não ofender ninguém, mas para nos rirmos!
    http://Bimbosfera.Blogspot.com

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