Reproduzir metodologias para obter o sucesso de um treinador bem sucedido, exercícios desenquadrados da realidade do jogo e tomada de decisão.

É certo que a informação está ai para todos quanto os que a queiram absorver.
É perfeitamente possível perceber um modelo de jogo e pensar “Quero isto na minha equipa”. Mas, será possível replicar a metodologia para obter o mesmo resultado?
Impossível.
Mourinho ou Guardiola, pensando nos melhores, quando criam os seus exercícios têm propósitos. Só entrando nas suas mentes seria possível perceber e poder replicar os seus exercícios. Um 6×6 é diferente de um 6×6, se diferentes forem os treinadores. O propósito é diferente, o objectivo é diferente, o critério de êxito é diferente, o feedback é diferente, a especificidade é diferente e o resultado será seguramente diferente. Mesmo que na visualização tudo pareça igual. São 6×6 afinal.
Crer que é possível replicar uma metodologia, ou um modelo de sucesso é um erro tremendo. Quem pensa que tal pode de facto acontecer, será sempre quem nas primeiras contrariedades pensará que o inêxito se deve à incapacidade dos seus jogadores para colocar no relvado as suas ideias. Nada mais errado. Para que as ideias (boas ou más) surjam no campo de jogo, é necessário saber operacionalizar. E a dificuldade de tudo isto é precisamente a operacionalização.
Perceber o jogo não tem de ser tão complicado assim. É no operacionalizar do exercício por forma a levar os atletas a reproduzirem em cada momento o que se pretende que está a dificuldade.
Não, não é possível replicar modelos, conceitos ou ideias. A menos que sejam ocas.
Aquilo que se vê no relvado e que diferencia Mourinho, Guardiola, entre outros bem sucedidos dos demais, é irreplicável, porque nasce na mente do treinador. Só Mourinho sabe o que pretende, a condicionante que coloca para obter o que pretende, o critério de êxito que coloca a cada exercício seu.
Saber é fácil e está disponível para todos. Operacionalizar não.

Uma dica. Se está a copiar exercícios de algum lado (livro, colega, etc), já está errado. Se as ideias são suas, como pode um exercício noutro lado servir o seu propósito?

Exercícios desenquadrados da realidade do jogo
Há quem na fase principal do treino faça jogos de posse de bola. O objectivo é, segundo quem organiza tais exercícios melhorar a capacidade de preservar a bola, ou ser rápido a pressionar o portador da bola “ganha quem recupera mais vezes a bola”.
Teria imenso prazer em que me conseguissem explicar de que forma é que um joguinho de posse só pela posse pode servir um qualquer objectivo, que não técnico ou de puro aquecimento. E fará sentido treinar a técnica pela técnica? Desenquadrada da táctica? Fique a saber que nem com crianças!
A sério. Que trespasse pode ter um jogo de posse de bola que se desenrola num qualquer quadrado ou rectângulo, para um jogo de futebol?
Mas, será que há quem pense mesmo que se os seus jogadores recuperarem muitas vezes a bola de uma forma totalmente desorganizada naquele rectângulo estarão aptos a roubar a bola no jogo? Como é possível organizar-se exercícios na fase de desenvolvimento do treino sem alvos/balizas? Mas não é a baliza que define todo o nosso comportamento? Com e sem bola?
E mais que condicionar as regras do exercício para chegar onde quer, há que condicionar os atletas. Na sua movimentação e na sua tomada de decisão.
Exemplo. Pode um jogo de 4×4 (pontua quem ultrapassa com a bola controlada a linha final adversária) em determinado espaço ter “sumo” e outro jogo exactamente igual de 4×4 no mesmo espaço não servir efeito algum? Pode. Tal depende, da forma como se condiciona a movimentação dos atletas. Peça aos 4 que defendam sempre em 3+1, sendo o (+1) o jogador que sai para a contenção, obrigando a que a cada troca de bola adversária, o jogador mais próximo da bola na linha de cobertura (onde estão 3), saia para a contenção, baixando rapidamente quem estava na contenção (o +1) para a linha de 3 (cobertura), e está a afinar uma possível forma de defender quando tem apenas quatro jogadores atrás da linha da bola. Não condicione a actuação dos seus atletas e terá 4 jogadores a moverem-se de forma quase aleatória, treinando nada.
Mesmo no aquecimento (particularmente em treino) é possível seleccionar exercícios que cumpram objectivos tácticos. Mais não seja para não se considerar o tempo gasto no aquecimento um puro desperdício.
Tomada de Decisão. O futebol como um jogo de probabilidades
Num momento em que o jogo é do ponto de vista técnico e físico, cada vez mais equilibrado (longe vão os tempos em que só os grandes clubes treinavam), as tomadas de decisão surgem como um dos traços mais decisivos no jogo moderno.

Por tomadas de decisão, deve entender-se, as opções que cada jogador toma a cada momento (com ou sem bola). Para onde deslocar? A que velocidade o fazer? Que espaço ocupar? Para onde desmarcar? Quando soltar a bola? e para onde? Quando progredir com a bola?

Cada situação de jogo tem uma forma mais eficiente de ser resolvida. Tal não significa que optando pelo pior caminho, se estará sempre condenado ao insucesso. Tão pouco que, optando bem, se será sempre bem sucedido. Significa somente que, optando bem, está-se sempre mais próximo de ser bem sucedido.

Exemplo simples. Numa situação de 2×1, o portador da bola deve progredir com a bola no pé, no sentido da baliza, soltando a bola, no timing correcto (bem próximo do defesa), para que a bola saia para as costas do defesa. O passe deve ser efectuado para o espaço (e não para o pé do colega, por forma a que este não trave a corrida). Ou seja, de uma situação de 2×1, pretende-se passar para uma de 1×0.

Se em dez situações de 2×1, o portador da bola (no momento inicial, antes do passe), for capaz de as resolver dessa forma, provavelmente a sua equipa fará 8,9 golos, ainda que nenhum marcado por si (uma vez que acabará por fazer o passe para o colega de equipa).

Se na mesma situação, o portador da bola optar por driblar o defesa, e mesmo partindo do princípio que os seus traços individuais são bastante bons, provavelmente, em dez lances, marca 4,5 golos.

Os jogos em que, optando mal, se chega ao golo, são óptimos. Porém, em termos globais, a equipa sai prejudicada. Os 5 golos marcados dão notoriedade aos olhos do comum adepto. Mas, não são o que de melhor poderia ter dado à equipa.

Quem toma as melhores decisões a cada momento, tem a sua equipa, sempre mais próxima do objectivo (marcar, não sofrer, ganhar). Mesmo que não obtenha tanta notoriedade.

A situação descrita é uma situação de finalização, por ser de mais fácil compreensão. Porém, é importante perceber-se que as decisões se aplicam em todas as situações do jogo. Por mais banais que lhe pareçam. É que, para se chegar a uma situação de finalização, há todo um trabalho prévio, tão importante quanto o último momento (que nunca surge, quando a fase que antecede a finalização não é eficiente).

Numa equipa desorganizada, talvez seja interessante ter jogadores que, jogando só para si, sejam capazes de, tempos a tempos, criar algo. Num colectivo que se pretende forte, tal não faz sentido. 

Sobre Paolo Maldini 3828 artigos
Pedro Bouças - Licenciado em Educação Física e Desporto, Criador do "Lateral Esquerdo", tendo sido como Treinador Principal, Campeão Nacional Português (2x), vencedor da Taça de Portugal (2x), e da Supertaça de Futebol Feminino, bem como participado em 2 edições da Liga dos Campeões em três anos de futebol feminino. Treinador vencedor do Galardão de Mérito José Maria Pedroto - Treinador do ano para a ANTF (Associação Nacional de Treinadores de Futebol), e nomeado para as Quinas de Ouro (Prémio da Federação Portuguesa de Futebol), como melhor Treinador português no Futebol Feminino. Experiência como Professor de Futebol no Estádio Universitário de Lisboa, palestrante em diversas Universidades de Desporto, Cursos de Treinador e entidades creditadas pelo Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ). Autor do livro "Construir uma Equipa Campeã", e Co-autor do livro "O Efeito Lage", ambos da Editora PrimeBooks Analista de futebol no Canal 11 e no Jornal Record.

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