Contenção. Agressividade. Adaptação.

Vítor Pereira, numa de muitas entrevistas, disse que as ideias têm que servir os jogadores. Dando claramente a entender que, todos os princípios que ele colocava no seu modelo de jogo deveriam ir de encontro às melhores qualidades dos seus jogadores. Assim, percebe-se que os bons treinadores se adaptam aos jogadores que têm. Não quer isto dizer que a linha que guia o processo de jogo e de treino mude completamente o seu rumo, de acordo com jogador X, ou Y. Quer apenas dizer que há várias formas de interpretar os mesmos princípios de jogo, de acordo com o contexto.
Veja-se por exemplo os processos defensivos utilizados por Jorge Jesus e por Vítor Pereira. São dois processos de grande qualidade. Os dois guiam-se pela defesa à zona, com contenção e cobertura. Processos semelhantes nos grandes princípios, mas muito diferentes pequenos princípios. No pormenor percebe-se isso.
Para esta análise vamos focar no trabalho da linha defensiva, e linha média. Pode-se dizer que a forma como as equipas defendiam era consequência do sistema de jogo que utilizavam. O que não deixando de ser verdade, me parece algo redutor. Isto porque o Porto sempre foi mais agressivo, na contenção, que o Benfica. Tanto na linha média, como na linha defensiva. Mais do que conter a progressão do adversário, o objectivo era precipitar a decisão do portador da bola. O Porto pressionava, e era agressivo, porque tinha jogadores que lhe permitiam esse tipo de comportamento defensivo. Tinha monstros físicos (Moutinho, Fernando) e inteligentes, com uma capacidade de leitura das situações e ajuste posicional fora do comum (Lucho, Moutinho, Fernando). Por outro lado, os jogadores da linha média de Jesus, não tendo a capacidade física dos jogadores do Porto (capacidade de ocupar os espaços e ajustar tão depressa quanto os outros), também não tinham a inteligência na leitura dos lances deles (Matic como excepção). Por isso mesmo, Jesus opta por uma abordagem defensiva menos agressiva, com menos situações de adaptação rápida, com menos ajustes, logo permite que os seus jogadores tenham situações menos complexas de ler, com mais tempo para analisar e agir sobre os lances.
Essa adaptação das ideias aos jogadores, também é visível no trabalho das duas linhas defensivas. A do Porto sempre a agredir o portador da bola, a do Benfica posicionando-se por forma a tapar a progressão. A do Porto sempre mais perto da linha média, com mais espaço entre eles e o GR, com menos preocupações com o controlo da profundidade. A do Benfica, muitas vezes, com algum espaço para a linha média, com menos espaço entre eles e o GR, tudo isto resultante de uma maior preocupação com a profundidade. Jogar com jogadores que, do ponto de vista morfológico, mesmo errando, conseguem recuperar e chegar a todas as bolas, pela proximidade entre si (Mangala, Alex Sandro, Danilo, Otamendi), é completamente diferente de jogar com jogadores que, sendo ultrapassados, nem eles nem os seus colegas conseguirão recuperar, pela morfologia de cada um deles (Luisão, Garay, Maxi, Melgarejo).
Comparando as alterações que Jesus foi fazendo ao longo do tempo, essas modificações tácticas são fáceis de observar. No seu primeiro ano, com Ramires, Di Maria, Javi Garcia, Coentrão, D.Luiz, sentia-se mais confortável para pressionar no campo todo, procurando precipitar o erro. Nos anos seguintes, a abordagem foi sempre diferente, consoante os jogadores que iam entrando e saindo. Por exemplo, este ano, consegue que a linha defensiva jogue mais subida que no ano anterior. Isto porque, tem dois monstros físicos na frente (Rodrigo e Lima), que garantem pressão à toda largura e profundidade do meio campo ofensivo. Sendo que, o trabalho deles é essencial para causar o máximo constrangimento possível, ao adversário, não o deixando jogar directo, com qualidade. Assim, a linha defensiva tem menos preocupações com a profundidade, podendo ficar mais perto da linha média, e mais subida no terreno.
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Pedro Bouças - Licenciado em Educação Física e Desporto, Criador do "Lateral Esquerdo", tendo sido como Treinador Principal, Campeão Nacional Português (2x), vencedor da Taça de Portugal (2x), e da Supertaça de Futebol Feminino, bem como participado em 2 edições da Liga dos Campeões em três anos de futebol feminino. Treinador vencedor do Galardão de Mérito José Maria Pedroto - Treinador do ano para a ANTF (Associação Nacional de Treinadores de Futebol), e nomeado para as Quinas de Ouro (Prémio da Federação Portuguesa de Futebol), como melhor Treinador português no Futebol Feminino. Experiência como Professor de Futebol no Estádio Universitário de Lisboa, palestrante em diversas Universidades de Desporto, Cursos de Treinador e entidades creditadas pelo Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ). Autor do livro "Construir uma Equipa Campeã", e Co-autor do livro "O Efeito Lage", ambos da Editora PrimeBooks Analista de futebol no Canal 11 e no Jornal Record.

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