
Não tive oportunidade de ver o jogo do Benfica no dia de ontem, e enquanto seguia o resumo alargado do jogo oiço o comentador convidado Rui Pedro Braz – Autor de alguns livros da bola – dizer que Matic é muito mais difícil de substituir que Enzo, por Jesus ter agora mais opções, do que durante a transferência do brilhante sérvio para Londres. Diz ele que tem Samaris, tem Pizzi, e que tem Talisca. Três opções que, na sua opinião, vão garantir uma substituição mais pacífica do que na altura em que Matic rumou ao Chelsea. A ideia do comentador, parece-me também seguir a linha generalista do facto de Matic ser globalmente melhor que Enzo. Mas isso é o problema de analisar as coisas de forma geral, sem pensar na especificidade de cada caso. Seria isso verdade se a ideia fosse pegar em onze jogadores e os soltar sem qualquer fio em campo. Mas a ideia, e o fio, é o modelo de jogo de Jorge Jesus.
Ora vejamos, no modelo de jogo de Jesus o meio campo é composto por uma linha de quatro jogadores. Desses quatro, com bola, há dois médios ala e dois médios centro. Todos atacam e todos defendem. Mas há três que atacam mais – assumem mais acções de risco – e um que ataca menos. Focando nos dois médios centro, no modelo de Jesus, um dos médios assume mais as coberturas, e tarefas defensivas de frente para o jogo, por estar na maior parte do tempo atrás da linha da bola, e outro assume mais riscos aparecendo mais vezes à frente da linha da bola. Jogar de frente para o jogo é mais fácil no ataque e na defesa. É mais confortável porque se consegue ler todo o jogo.
Defender atrás da linha da bola é mais fácil, porque não exige tanto do ponto de vista físico e proporciona por isso maior sobriedade para que se possa ajustar à situação de forma adequada. Com bola, sempre de frente para o jogo, é mais fácil por haver mais tempo e espaço para decidir e executar. Estás mais longe do adversário, e mesmo que ele esteja perto há muitas referências de passe, pelo que se torna difícil não entregar com qualidade. Assim, se percebe que na posição 6 – ou posição 4, como ele gosta de chamar – de Jesus mais facilmente se consegue adaptar as circunstâncias ofensivas e defensivas do momento.
Na posição 8 os estímulos são muito diferentes e bem mais complexos, uma vez que pede do jogador maior velocidade, e resistência, em todos os sentidos. Com bola, exige grande qualidade técnica por jogar mais próximo dos adversários, dentro do bloco e muitas vezes de costas para a baliza. Requer grande criatividade para ter sucesso nos espaços curtos, pensar e executar rápido. Exige capacidade para romper a contenção, e acelerar para o espaço que se criou. Exige grande capacidade de aceleração, ou de passe, por ser a referência para iniciar a transição ofensiva. Exige capacidade para chegar rapidamente ao último terço nos lances de ataque rápido. Sendo que no modelo do Benfica o ataque rápido é uma constante, exige uma capacidade ímpar para resistir a esforços de grande intensidade, e alguma duração. Sem bola, por estar mais vezes à frente da linha da bola, exige grande capacidade de resistir ao esforço (manter a sobriedade) para que consiga ler o lance de forma adequada (dada a velocidade a que adversário ataca), e ajustar consoante as circunstâncias do jogo. O esforço para recuperar posições neste caso é bem maior, e por vezes os jogadores não chegam ao lance com o discernimento necessário para o resolver da melhor forma. E por isso, é muito importante que consiga resistir aos esforços sobre-humanos que essa posição específica do modelo de Jesus pede.
Em suma, na posição 6 o treinador tem bastante influência naquilo que é, e poderá vir a ser, o rendimento do jogador. Na posição 8 o rendimento depende, e dependerá, sobretudo, da qualidade individual. E é por isso, e por isso só, que Enzo é, era, mais importante que Matic na era Jesus.
Matic é de facto um fenómeno, e chegou a um nível onde Enzo nunca chegará. Tanto que com Matic Jesus foi obrigado a dar mais liberdade ao que tinha pré-definido no seu modelo, por forma a tirar o maior proveito do Sérvio. Mas as características de Enzo, e o modelo de jogo de Jesus são uma combinação perfeita. Falando mal e depressa, se me perguntassem entre Enzo e Xavi que jogador eu preferia para jogar no modelo de Jesus eu nem pestanejava: Enzo!
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