
O texto que se segue é do excelente Rui Lança. Fica aqui o meu agradecimento público pelo interesse no meu texto anterior e a partilha.
Sobre o ‘Ri Vitória’ e os comportamentos de liderança
Ao ler o artigo do Van Basten sobre o ‘Ri Vitória’ fui recordando e retirando muitas expressões sobre o que vou discutindo com diversos treinadores das modalidades coletivas. A liderança praticada por um treinador condiciona pela positiva ou negativa a liberdade que cada atleta e equipa obtêm no que fazem com a bola, na procura da mesma ou sem ela. Básico? Não sei. Mas como?
No artigo de Van Basten refere-se (e concordo):
– “(…) as equipas de Rui Vitória são trabalhadas. Qualquer um consegue identificar a organização no conjunto encarnado! Ninguém pode afirmar que os jogadores são soltos no campo sem uma ideia. Impossível não perceber que há uma ideia geral muito bem definida.”
Aqui e bem, combate-se a ideia de que liberdade pode ser sinónimo de anarquia completa em que cada um faz o que quer. A organização de uma autonomia ou liberdade de alguns atletas (numa equipa de Futebol é difícil que os dez jogadores de campo tenham um grau elevado de autonomia, para lá de se saber que ter sempre autonomia é quase impossível para um jogador) é um trabalho conseguido mediante quatro factores importantes:
1. Conjunto (aquilo a que chamamos geralmente de perfil) de comportamentos e crenças de um treinador. Aquilo que geralmente um treinador tende a fazer e a pensar em cada uma das situações. O que se pode denominar do perfil de líder de um treinador.
2. Perfil do atleta e da equipa, ou seja, conjunto de acções e capacidades táticas, técnicas, físicas e mentais de cada atleta e do mapa mental da equipa. Saber perceber e ter indicadores para tal, para perceber quais os jogadores que conseguem tomar melhores decisões mais vezes e em que situações tácticas, técnicas, físicas e emocionais o conseguem fazer.
3. Contexto de jogo, quer emocional quer em termos de confronto.
4. Os objetivos que o treinador pretende em cada um dos desafios ou treinos.
– “Porque ao contrário, por exemplo, do de JJ, (o modelo de RV) não tem os posicionamentos tão definidos. Não trabalha tanto o pormenor. No modelo de Jorge Jesus podemos identificar sempre o mesmo posicionamento nas situações que se repetem. O mesmo posicionamento para os onze! E não somente para quem está no centro do jogo. E posicionamentos pensados para ligarem a equipa entre os momentos. (…) Por isso, se foi afirmando aqui que para os de Jesus o jogo será sempre menos caótico. Há uma maior identificação com os comportamentos a adoptar em cada situação, em cada espaço, em cada momento.”
É confortável abordar estes temas e os desempenhos do treinador como sendo melhor ou pior, com ou menos conhecimento, etc. Mas se observarmos o treinador como um líder e não apenas como um depósito de conhecimento de exercícios e de futebol neste caso, compreendemos que cada conjunto de comportamentos tem sempre, mas sempre, consequências. Mas que estas são tão diferentes quanto aqueles pontos 2, 3 e 4. Ou seja. Provavelmente Jorge Jesus ou Rui Vitória ou qualquer outro treinador sente-se muito mais confortável se conseguir realizar naturalmente aquilo que é o seu modus operandis para cada equipa que vai. Mas para isso era preciso muito mais do que os jogadores serem sempre os mesmos. Era necessário que o contexto, os adversários, os estados emocionais e físicos fossem sempre os mesmos. Mas aquilo que os investigadores e profissionais que estudam e trabalham nestas áreas foram comprovando, é que uma abordagem de dar a possibilidade aos jogadores de decidirem cada vez mais – com rede, o que pode ser até considerado um modelo mais flexível ou modelo ‘quase não modelo’ – ficam mais perto de conseguirem ter jogadores com maior capacidade pensante e de compreenderem o que fazem. Deixam de ser peritos apenas em executar e passam também a compreender o ‘porquê’.
– “O modelo de Rui Vitória não é assim. Há uma ideia geral. Há princípios específicos. Mas não é tão pormenorizado ao ponto de definir o posicionamento dos onze. É tudo muito mais pensado unicamente no centro do jogo. E mesmo ai, há uma liberdade muito maior. É por haver essa liberdade que vemos jogadores com vários anos de SL Benfica a repetir comportamentos antigos e outros recém-chegados que se posicionam de forma diferente.”
Excelente. Pelo modo como os dois treinadores comunicam, é natural (e quase que obrigatório que assim fosse) que obtenham resultados diferentes. Um castra a criatividade e a tomada de decisão ‘auto’ e obtém um desempenho muito desenhado e em curto-prazo. Outro dá mais liberdade até pelo modo comunicacional mais focado no atleta do que na tarefa. É melhor? Pior? Não se sabe. O resultado geralmente serve para analisar tudo. Mas repito, aqueles quatro pontos e a questão de sabermos se treinamos para o agora e a tarefa ou treinamos para o futuro e para o atleta é uma área onde podemos pensar: ‘O que pretendo? E se consigo?”
Rui Lança
Deixe uma resposta