
A complexidade no futebol está no entendimento das coisas mais simples. Coisas como, a acção de um jogador que tem bola desencadeia uma reacção ao adversário sem bola. Coisas como, a reacção desse adversário sem bola altera as condições iniciais à primeira acção do portador da bola. Coisas como, a próxima acção do portador da bola terá de ter em conta as novas condições que foram criadas pela reacção do adversário sem bola. Parece simples, mas é esta falta de entendimento que levou a que se apelidasse de aborrecido o jogo da melhor equipa da história. Porquê? Porque se acha que uma acção individual isolada, num lance de total mérito e intencionalidade colectiva, é mais preponderante do que todas as outras. A notoriedade. O que é fácil de resumir num highlight. E não se percebe que, tal como no Xadrez, o futebol é um jogo de acções encadeadas e reacções, onde dificilmente algo acontece por mérito exclusivo, por mérito maior, de um só jogador. Chamemos ao caso o passe de Weigl. No jogo contra o Tottenham, Weigl chamou à si os holofotes pelo fantástico passe vertical que executou. E ainda que hoje se reconheça o quão fantástica foi a jogada colectiva do Dortmund, poucos percebem que sem ela Weigl não teria tido possibilidade de perceber e executar tal passe. Isso faz com que, para o desenrolar da jogada, desde o primeiro passe, até à finalização, nenhuma acção individual tenha sido mais importante do que outra.
O lance começa num lançamento de linha lateral, onde a forma como o Dortmund coloca os seus jogadores na profundidade, permite que Weigl tenha espaço para receber na cobertura. Este, pressionado, e percebendo que não tinha condições para progredir toca em Subotic. O facto do passe ter sido feito para trás, fez com que a pressão dos Spurs tivesse que subir mais um metros, abrindo naturalmente alguns espaços, sobretudo entre os jogadores da linha que pressiona. Subotic aproveita esse espaço para voltar a colocar a bola no corredor direito, já dentro do bloco. De notar que enquanto Subotic conduz, Mkhitaryan faz um movimento de profundidade, seguido pela última linha do Tottenham. Piszczek está pressionado, desenquadrado, e sem hipóteses de progredir, por isso joga em quem está de frente. De notar a acção de pressão do Spurs assim que a bola entra no seu bloco, focando os jogadores todos na bola. Novamente Weigl a receber, a ser pressionado, a perceber que não havia por onde progredir de forma segura, e a jogar para uma linha de cobertura ainda mais recuada. Hummels. Com a recepção dá a entender que vai variar o jogo para o corredor esquerdo, ou manter a bola no corredor central, mas verifica que não estão criadas as condições para tal, e jogo, sem risco, em Weigl. Por esta altura o bloco dos Spurs movia-se no sentido da bola, para fechar o corredor da bola (central) e preparar-se para acelerar para o corredor contrário. Weigl decide voltar a colocar a bola no corredor direito, que nesta altura tem muito mais espaço, e uma concentração de jogadores “ingleses” muito menor, pelo movimento de atracção do bloco defensivo pela bola. Durm recebe, joga numa linha mais adiantada, simula a cobertura e vai na profundidade. Ainda assim, pressionado e sem condições para enquadrar Pizsczek volta a jogar para a linha mais recuada. Quando Subotic recebe, e toca para Hummels, a subida da última linha do Tottenham é evidente. Está muitos mais metros à frente do que quando o lance começou, situando-se bem perto da linha de meio campo. Deixa, neste caso, espaço nas suas costas. Hummels, sem pressão, progride e obriga novamente o bloco a recuar para perto da área, verifica que não tem como explorar nesta altura a profundidade ou um passe para dentro do bloco, e joga para o corredor esquerdo. Schmelzer recebe, joga em Reus que estava mais adiantado, que de primeira devolve para o lateral. Notem, novamente, a agressividade dos jogadores dos Spurs sobre a bola, que juntam muito mais as suas linhas, e que pelo passe de primeira na direcção oposta são obrigados a travar o movimento e a iniciar outro no sentido de pressionar novamente o portador da bola. A bola entra novamente em Hummels, numa linha recuada, e o bloco dos Spurs move-se em conformidade. Menos compacto (entre os jogadores da linha média e avançada), que dá espaço ao central alemão para com uma acção individual entrar dentro do bloco. Joga com Reus que permanecia largo e profundo, que pressionado e sem condições para progredir decide voltar a colocar a bola numa linha mais recuada. De Schmelzer para Hummels, o bloco dos Sprus volta a tentar ajustar, subindo alguns metros. Note-se ainda, quando a bola ainda está em Hummels, a menor harmonia inter e intra linhas. Entre si, os jogadores da mesma linha menos coordenados (linha defensiva e linha média), e o posicionamento menos ajustado na relação entre as duas linhas. Bloco menos compacto, mais espaço para explorar entre as duas últimas linhas. Quando a bola entra, pela última vez, em Weigl, o espaço entre as últimas linhas já lá está e vai aumentando porque a linha defensiva do Tottenham recua para controlar a profundidade, e e retirar a possibilidade de Aubameyang os bater nas costas. O receio da última linha dos Spurs não se confirma e a bola acaba por entrar no sítio oposto ao que eles defendiam. Com a linha média sem organização e tempo para ajustar pela qualidade de passe do Weigl, e pelo excelente aproveitamento que faz do facto da última linha ter recuado e criado ainda mais espaço à sua frente, Aubameyang recebe, e enquandra, tirando logo um central do lance. Acelera na direcção da desmarcação dos seus colegas do lado esquerdo, tira mais um central do lance, e acaba por soltar como pode em Mkhitaryan. Este, de primeira, aproveita a instabilidade numérica da última linha, e o facto de muitos dos seus elementos terem ficados para trás sem possibilidade de ajustar, coloca em Reus que se esconde da última linha (que está focada na bola) e finaliza com qualidade.
No final, percebe-se que sem as acções que obrigam as linhas do Tottenham a ajustar constantemente o seu posicionamento em função da bola, sem as acções que os obriguem a ser agressivos sobre a bola, sem as acções que os obriguem a subir e descer, que obriguem a última linha a desfasar da linha média, a linha média a criar espaço entre os seus elementos, o passe de Weigl não teria tido possibilidades de acontecer, o contexto certo para a criação e aproveitamento daquele espaço não aparecia. Contra equipas que defendam com o bloco compacto, é preciso mover e desorganizar o bloco com paciência, provocando o mesmo com a bola. O grande destaque que se dá a Weigl de forma merecida, deveria culminar com o entendimento de que o lance todo foi fundamental para o seu desfecho. Cada passe, cada desmarcação, cada movimento dos jogadores com e sem bola. E, também, cada leitura que se fez da forma como a equipa adversária estava colocada e a noção do tempo certo para acelerar.
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