Um Brasil Europeu

Há elogios contidos à organização defensiva da selecção brasileira, quando apelidada de europeia. Há, todavia, críticas latentes ao seu jogo com bola. Muito pouco aprazível se nos quisermos relembrar das enormes selecções canarinhas com que crescemos.

Bastante surpreendente a organização defensiva da equipa de Tite. A fazer-nos recordar do que melhor se faz pela Europa nesse momento específico do jogo.

Equipa concentrada em 30 metros. A conseguirmos encontrar, traçando um rectângulo que envolva os jogadores brasileiros, sempre 9, 10 canarinhos. Espaço retirado no momento ofensivo à equipa da Argentina. Equipa concentrada em dois corredores, coberturas entre médios, alas dentro a fecharem linhas de passe, e convite quase exclusivo a que os argentinos construíssem ou criassem somente por fora, pelos corredores laterais, e como tal, mais fácil de defender.

Última linha do Brasil muito bem trabalhada sem bola. Referências zonais, trabalho de controlo da profundidade. Sem se intimidarem, a conseguirem sempre jogar com metros nas costas, encurtando o campo e o espaço. Equipa a mover-se em conjunto e espaços fechados. Mantendo esta organização defensiva, com o talento puro na frente, passa a ser automaticamente um dos maiores candidatos à vitória no próximo Mundial.

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Porém, tudo o que de bom apresentou nos momentos defensivos, encontrou paralelo com a falta de qualidade nos posicionamentos nos momentos ofensivos.

Individualidades a aparecerem somente a espaços, porque a equipa não está trabalhada para ter bola. Não sabe conquistar espaços e mesmo quando os encontra sem ter feito por isso, não os sabe usar.

Inacreditável a incapacidade de Gabriel Jesus para entender o jogo ofensivamente sem bola. Passou o jogo preso entre os centrais adversários e nunca participou na criação do jogo brasileiro. E isto quando tinha todo o espaço do mundo para recuar dois, três metros e mostrar-se nas costas dos médios argentinos, para iniciar desequilíbrios enfrentando apenas a última linha adversária. Neymar muito preso no corredor lateral e apenas Coutinho com um pouco mais de liberdade.

Incapacidade gritante pelos seus posicionamentos para construir com poucos, a levar o Brasil a usar seis, sete jogadores para fazer o trabalho de dois, três. Bloco partido em 7 para construir, 3 para criar. E os 3 da frente, sempre profundos ou presos ao corredor lateral.

Centrais sempre muito juntos aquando da posse, permitiam que um só argentino (Higuain) condicionasse toda a saída para o ataque. Bastaria afastarem-se uns bons metros e trocarem a bola entre si, para deixar o avançado argentino sem possibilidade de sair ao central, obrigando que outro argentino o fizesse, e consequentemente desposicionando-se. Demasiados jogadores a baixar para pedir a bola demasiado cedo, quando até ao meio campo adversário impõe-se o contrário! Que a equipa suba, para trazer o adversário para trás. Todos a mostrarem-se à frente dos médios argentinos, quando o melhor espaço de se explorar ofensivamente é precisamente o nas costas dos médios. E se havia espaço!

Marcelo a mostrar num momento como se trabalha para ganhar espaço para o portador! Não é baixar para pedir próximo trazendo oposição, mas fazer precisamente o oposto!

E no que resultou a única vez (e numa anormalidade ao modelo… num lance que vem de lançamento… e só por isso, recebeu naquele espaço) que Gabriel Jesus teve bola entre linhas (entre defesas e médios adversários)? Como é possível que no restante tempo tenha estado sempre indisponível para receber naquele espaço?!

No restante tempo, com bola o Brasil foi muito mau tacticamente.

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Depois de descoberto as maravilhas da organização defensiva, se Tite procura entender o jogo ofensivamente e modela a selecção para ser competente em todos os momentos (está a faltar a organização ofensiva, e dentro desta em todas as suas fases), com todo o incrível talento que sempre abundou, o Brasil poderá estar de volta.

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Sobre Paolo Maldini 3828 artigos
Pedro Bouças - Licenciado em Educação Física e Desporto, Criador do "Lateral Esquerdo", tendo sido como Treinador Principal, Campeão Nacional Português (2x), vencedor da Taça de Portugal (2x), e da Supertaça de Futebol Feminino, bem como participado em 2 edições da Liga dos Campeões em três anos de futebol feminino. Treinador vencedor do Galardão de Mérito José Maria Pedroto - Treinador do ano para a ANTF (Associação Nacional de Treinadores de Futebol), e nomeado para as Quinas de Ouro (Prémio da Federação Portuguesa de Futebol), como melhor Treinador português no Futebol Feminino. Experiência como Professor de Futebol no Estádio Universitário de Lisboa, palestrante em diversas Universidades de Desporto, Cursos de Treinador e entidades creditadas pelo Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ). Autor do livro "Construir uma Equipa Campeã", e Co-autor do livro "O Efeito Lage", ambos da Editora PrimeBooks Analista de futebol no Canal 11 e no Jornal Record.

10 Comentários

  1. Que trabalho faz o Tite. Assistam as conferencias dele, é muito consciente no falar. Treinador bem preparado pra assumir um projeto europeu e abrir caminho pra outros profissionais brasileiros, que são poucos no melhor futebol do planeta.

  2. No aspecto ofensivo não desgosto do Brasil, muito vertical e com rasgos interessantes de criatividade, algumas jogadas bastante boas. Falando da construção a partir de trás, sim, de facto estão muitos jogadores em zona defensiva para receber/construir, no entanto se existir perda de bola a equipa também está muito menos desposicionada para a voltar a recuperar. No aspecto defensivo também gostei bastante da equipa, quase sempre em superioridade numérica e num bloco curto e coeso.

    Se vocês tiveram isto tudo para dizer de mal do Brasil (mais no aspecto ofensivo é certo), nem quero imaginar o que terão para dizer sobre a Argentina 😀

    Abraço

    • Já agora, o Gabriel ter estado muitas das vezes metido no meio dos centrais não terá sido também uma forma de os obrigar a esticar? e a distanciarem-se da linha média, criando com isso aquele espaço todo que os brasileiros teriam para receber ali? No entanto raramente o fizeram, é certo.

  3. Terá sido apenas incompetencia ou conservadorismo do Tite nesse caso? Não desconsiderando sua limitação na fase de construção, já que aqui no Brasil ele era justamente criticado sob o ponto de vista ofensivo.

    Mas é que, mesmo antes do primeiro gol, parecia que o Brasil quis entregar a posse da bola para a Argentina. Não sei se seria uma preocupação do Tite em conter a transição adversária.

    Aqui está a coletiva de Tite depois da vitória

  4. acho que é uma questao de tempo,tite parece me inteligente,quer primeiro estabilidade emocional que as vitórias trazem para dp sim comecar a soltar os meninos,ou entao foi estrategia a la special one

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