O achamento do jogador pelo artesão

A questão artesanal na formação futebolística tem a ver com (…) descobrir realmente o que são os jovens, não impedir que sejam o que são. É a partir do que eles são que se imagina – tal como um artesão – de que maneira podem interagir esses jogadores para que o seu potencial, que jaz adormecido, possa alcançar o máximo esplendor. Quer dizer, ser formador tem mais a ver com não desperdiçar talento do que com proporcionar-lo.

Óscar Cano

A questão da formação impõe-se, uma e outra vez, no léxico de quem pensa o futebol. A evolução do jogo segue o seu caminho não só na forma como entendem os treinadores novas soluções para resolver velhos problemas, mas sobretudo na forma como os jogadores adaptam as indicações para encarar desafios dentro de campo.

Óscar Cano tem desenvolvido a ideia do futebol como uma actividade artesanal, algo que muitas vezes é mal compreendido, sendo visto como uma actividade de um criador manual que inventa algo a partir de uma substância inerte. No entanto, essa capacidade é, para o técnico espanhol, uma coisa completamente diferente.

Defende Óscar Cano que o treinador, tal como o artesão, deve procurar no jogador aquilo que este terá adormecido, como o barro ou a pedra guardam em si aquilo que será uma esplendorosa escultura. O potencial existe dentro do jogador e será essa a matéria-prima daqueles que trabalham na formação de jogadores.

Ora, muitas vezes, são-nos vendidas fórmulas mágicas que visam dar a entender que a vivência num determinado contexto de formação – uma equipa, uma academia, uma escola – influem magnanimamente nos jogadores que conhecemos, quando é, no fundo, o seu talento natural o que pesa mais como explicação do seu sucesso.

Dir-me-ão que muitos jogadores talentosos falharão rotundamente na sua carreira, o que não implica que aqueles que têm sucesso não possuam, também, esse talento. Um talento que não é apenas desportivo, não é apenas futebolístico, não é apenas de liderança e socialização, não é apenas de fortaleza no âmbito da sua personalidade para lidar com a exigência que uma carreira profissional implica.

A formação é, nesta visão de Óscar Cano, um negócio de proporcionar ou desperdiçar talento. O que cada treinador que tenha em mãos uma equipa de formação deve ter em conta, sempre, é que poderá ser fundamental para não desperdiçar o talento de alguém – na forma como lida com este, com o ajuda a conhecer o jogo e a superar as barreiras que este lhe impõe -, mas talvez faça muito pouco para proporcionar talento.

“Eu não sei marcar penaltis”. Não, eu vou-te ensinar. E já está a marcar e já fez um golo.

Jorge Jesus

Ao contrário daquilo que nos querem fazer acreditar, não cabe ao treinador o papel de ensinar a jogar futebol, mas sim o papel de ajudar o jogador a descobrir, em si, uma forma de jogar o jogo que lhe seja funcional e lhe permita fazer mais e melhor perante as dificuldades que encontrar. Estamos, uma vez mais, a falar do achamento do jogador e não do seu descobrimento.

Sobre Luís Cristóvão 103 artigos
Analista de Futebol. Autor do Podcast Linha Lateral. Comentador no Eurosport Portugal.

7 Comentários

  1. Já ouvi inúmeras vezes as declarações de Jesus e não consigo ouvir ele dizer “Eu é que ensinei Bas Dost a marcar penáltis”. Ouvi dizer que ele não gostava de marcar penaltis, que ia treinar para aprender a marcar penaltis, mas a frase que lhe é atribuída, não consigo ouvir. Deve ser um problema com o meu televisor ou com o gravador. Só pode. Ou será a comichão que ele e outros que são diferentes fazem, a quem não consegue libertar-se do cinzentismo do politicamente correcto, dos que não ultrapassam a fronteira? De resto, desconhecendo a data do texto de Oscar Canno, já tinha ouvido uma dissertação muito parecida, exposta por Carlos Queirós, pouco depois da conquista do Campeonato do Mundo em Juniores, na Arábia Saudita. Divirtam-se e desfrutem, era a frase final. No meu tempo, eu era um marcador de penaltis tipo Moutinho. Muita técnica, mas pouca arte, até que um dia o Senhor Osvaldo Silva não me deixou sair quando o treino acabou e obrigou-me a marcar penaltis. Dois dias depois não falhava um. Podemos ter uma marca, mas essa marca pode ser melhorada, sem perda da inicial. Qual é a novidade? Aughenthaler, defesa direito do Bayern de há muitos anos atrás, dizia que marcava muitos golos à entrada da área porque quando o treino acabava ficava a ensaiar remates como se viessem de alívios dos defesas adversários. Treino, perseverança e adaptação do treino a situações de jogo, podem de facto melhorar os índices de um jogador, sem que isso belisque as suas qualidades inatas. Lá porque os jornaleiros amargurados e sedentos de vingança por Jesus ter saído do Benfica para o Sporting, fazem afirmações e retiram conclusões de coisas que Jesus não disse, não significa que as tomemos como a mais pura verdade. E Jesus não fez a afirmação reproduzida acima.

  2. “A questão da formação impõe-se, uma e outra vez, no léxico de quem pensa o futebol.”

    Caro Luís Cristóvão

    Quem pensa, ou supostamente quem deveria pensar no futebol são os investidores.

    As sads já existem desde os anos 90, cada vez há mais investimentos milionários em muitos clubes das mais variadas ligas mas mesmo assim não há ninguém que mencione, alto e em bom som, o transtorno que as selecções causam, tanto ao nível desportivo como financeiro.

    • Super Leao ja toda a gente ouviu, entendeu e de seguida discordou da tua opiniao. Insistir e’ inutil como argumento.
      Aconselho a que revejas os argumentos e tentes pensar na possibilidade de estares errado 🙂
      Pelo caminho talvez seja interessante pensar em temas diferentes. Sera que nao ha nada no futebol bonito para se falar para alem do tema “brincar nas selecoes”.
      Fala disso!

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