Equilíbrio ofensivo e transição defensiva – Notas Europeias

“As equipas terríveis são aquelas que diminuem o tempo entre o ganhar a bola e atacar e entre o perder a bola e defender. É aqui que está o segredo do jogo atual.” Jesualdo Ferreira

A necessidade de transitar com velocidade e qualidade não é recente. Sobretudo para aqueles que pretendem ser protagonistas com bola, criar e recuperar para voltar a atacar, é fundamental refletir sobre a forma como se abordam os momentos que antecedem e precedem a perda da bola.

Este ano, nos grandes palcos europeus, assistimos a uma “nova” tendência tática. Juventus, Chelsea, Dortmund, Tottenham, Manchester City, Barcelona, entre outras, adotaram, em determinados momentos, uma defesa com 3 elementos. Ainda que nem todas o tenham feito da mesma forma, parece-me que existem pontos em comum entre elas. Algumas optaram por defender com 5 jogadores, outras ajustaram posicionamentos para compor uma linha de 4 no momento defensivo.

Sabemos que todas estas equipas passam a maior parte do tempo de jogo, em organização ofensiva. Será então, no momento de transição defensiva que existe maior tendência para sofrerem golos. Posto isto, acredito que as principais razões para estas mudanças estruturais devem-se a preocupações com a forma como estas equipas pretendem reagir à perda da bola.

“No fundo, o jogo é feito de equilíbrios. Ninguém consegue atacar bem se não tiver a equipa equilibrada para defender…” Carlos Carvalhal

O equilíbrio ofensivo é fundamental para se transitar com qualidade. Nesse sentido, acredito que muitas das equipas tenham alterado a estrutura tática para poderem atacar com um maior grau de segurança. Observemos o exemplo do Tottenham, uma equipa que consegue alterar a disposição tática com qualidade.

A formação de Mauricio Pochettino, pratica um futebol extremamente atrativo. Revelam capacidade para jogar pelos três corredores, dando primazia a um jogo curto e apoiado. A determinada altura da época, ao já existente 4-2-3-1, o treinador argentino adicionou o 3-4-2-1. Em organização ofensiva, existem mudanças significativas ao nível dos posicionamentos. Jogando com uma defesa a 4, a equipa consegue juntar mais um elemento em zonas ofensivas. Ao avançado, juntam-se os dois “médios alas” mais um “segundo avançado”. Esta mudança tem implicações na forma como a equipa ataca mas também na forma como se prepara para defender, mesmo no momento em que procura o golo. Com a linha defensiva de 4 elementos, o Tottenham garante uma sub-estrutura defensiva com os dois médios centro e os dois centrais que, mesmo em posse, garantem os equilíbrios da equipa. Quando a defesa é composta por 5 elementos, a tendência é para serem 5, os jogadores responsáveis por equilibrar a equipa, no momento da perda: os 2 médios centros mais os 3 defesas centrais. Isto significa que estes elementos não participam no processo ofensivo? Obviamente que não! No entanto, existe uma preocupação para ocupar determinados espaços, em função do posicionamento da bola, para que em caso de perda, os caminhos para a baliza estejam fortemente condicionados. Esta alteração tem, portanto, implicações na forma como a equipa encara o momento de transição defensiva. Não é só o número de jogadores que muda, é também a ocupação dos espaços que passa a ser feita de forma diferente.

“Se pudermos ganhar a bola no terço ofensivo é muito melhor, porque estamos mais perto da baliza contrária e faltam poucos metros para fazer o golo, que é para isso que nós estamos ali a jogar. Quanto mais nós defendermos atrás, mais temos que nos organizar para pudermos lá chegar com sucesso. Portanto, se conseguirmos recuperar a bola o mais cedo possível, melhor. Agora, às vezes, a equipa não está organizada e, por essa razão, tem que recuar um bocado, pois se eu vou tentar ganhar a bola com a equipa desorganizada posso estragar tudo.” Tiago, jogador do Atlético de Madrid

À partida, as equipas que valorizam a posse e querem atacar durante o maior tempo possível, tentam encurtar ao máximo as situações em que são obrigadas a defender. Se a bola é perdida no meio campo adversário, é lá que vão querer recuperá-la. No entanto, sabemos que isto nem sempre acontece e nem todas as equipas conseguem transitar desta forma durante 90 minutos, por isso, é necessário saber reagir quando o adversário ultrapassa os primeiros opositores.

Muitas equipas têm optado por garantir a presença de 3 elementos em zonas recuadas, no momento de organização ofensiva. As equipas que utilizam a defesa a 5, normalmente, não se preocupam tanto com os ajustes dos laterais e atacam com os dois bem subidos e abertos. Os três centrais, ainda que possam participar, têm sempre responsabilidades no equilíbrio ofensivo. No Tottenham, por exemplo, quando a equipa joga com uma linha defensiva de 4 jogadores, os laterais têm a preocupação de fechar, ligeiramente dentro, quando a bola está do lado contrário. Quando a linha é formada por 5, essa preocupação já não é tão evidente.

O aproveitamento da largura é muito importante para aumentar o espaço disponível para atacar. No entanto, nem todos os conjuntos decidem abrir o campo ao máximo, de forma contínua. O Nápoles, que não adota uma saída em construção a 3, utiliza os seus laterais “à vez”. Se um sobe, o outro vai fechando junto dos centrais. O facto da equipa de Sarri ter uma das posses mais fortes e verticais da Europa, ajuda a compreender a opção.

“Quanto mais ofensiva for uma equipa, melhor ela tem que saber defender, “principalmente na transição, no momento da perda.” José Mourinho

O Shakhtar de Paulo Fonseca continua a ser uma equipa que envolve muita gente no processo ofensivo. Na final da taça, este ano, foram simultâneamente titulares: Kovalenko, Bernard, Taison, Marlos e Facundo Ferreyra. A estes jogadores, ainda se aliavam os dois laterais, sempre importantes na manobra ofensiva. Mesmo com tanta gente dentro, é com frequência que vemos os dois laterais bem abertos em fases de criação.

Para as equipas que envolvem tanta gente no processo ofensivo, poder-se-ia pensar que, face ao elevado número de jogadores envolvidos, os criativos ficassem inibidos na hora de inventar e arriscar. E a verdade é que isso poderá acontecer, mas só se a equipa não estiver preparada para o momento de perda da bola!

“…o equilíbrio defensivo, quando se está a atacar, é estar dar confiança à equipa, é organizá-la de forma a poder reagir rapidamente à perda da posse de bola. Não é tirar-lhe criatividade, não é tirar-lhe nada….bem pelo contrário!” Guilherme Oliveira

Para além dos números, é importante perceber o contexto competitivo, as competências individuais e coletivas que temos ao nosso dispor. Obviamente que as ideias influenciam, mas o que fará maior diferença será a qualidade do treino. Identifico-me com aqueles que atacam com mais e defendem com menos. Valorizo imenso quem consegue defender com poucos. Mas o sucesso passará pelo equilíbrio…e, esse, poderá ser alcançado de inúmeras formas.

 

Nota: Citações retiradas do livro: Defesa à Zona no Futebol, de Nuno Amieiro

Sobre Bruno Fidalgo 83 artigos
Licenciado em Ciências do Desporto. Criador e autor do blog Código Futebolístico. À função de treinador tem aliado alguns trabalhos como observador.

29 Comentários

  1. Oh Bruno, como é que tu não estás a trabalhar para alguém importante?! Que qualidade, post atrás de post! Brutal.

  2. Muito competente a tua análise Bruno.!! Futebol Puro, continua com o excelente trabalho.! A tua oportunidade chegará, pois já estás mais do que preparado para outros patamares. Abraço Amigo

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