O mapa, os jogadores e o melhor modelo de jogo do mundo

Tendemos vezes demasiadas a olhar para o modelo de determinado treinador e imaginar o que poderia dar noutro clube, com melhores ou piores jogadores, pensando que é possível haver uma relação directa.

Na verdade um excelente treinador no Napoli pode não ser um excelente treinador no Barcelona, e um excelente treinador no Real Madrid pode não ser excelente no Verona. Mas, não necessariamente pelas ideias que preconiza.

De forma simplista, quem não imaginou, por exemplo, Maurizio Sarri no Barcelona ou Real Madrid, e quem não tentou já imaginar se teria sucesso Zidane num Napoli?

Há referenciais que nos podem ajudar a tentar adivinhar se há treinadores certos e treinadores errados para determinadas realidades. Porém, nada é objectivo, e nada pode ser predicto sem que possa vir a estar clamorosamente errado.

 

A teoria sem a prática vira verbalismo

Paulo Freire

 

 

Já por diversas vezes pelo “Lateral Esquerdo” me referi a algo que não se percebe verdadeiramente enquanto apenas se teoriza.

Os jogadores a um nível alto em termos de experiências anteriores, não são nem nunca serão marionetas capazes de cumprir tudo o que um treinador idealiza. Com bola na tomada de decisão, tal é absolutamente impossível de se conseguir, mas na própria movimentação e posicionamento, há sempre tendências que nunca mudarão. Quem tem limitações técnicas evidentes, vai sempre proteger-se, vai sempre esconder-se um pouco mais ou não abrir tanto o campo quanto o treinador deseja e treina (recorde episódios contados por Vitor Pereira no Congresso da Periodização Táctica), quem cresceu sempre a movimentar-se de determinada forma não mudará. Aqui e ali poderá fazer diferente, mas os jogadores não mudam aquela que é a sua essência.

 

O modelo de jogo é um mapa. Não é um território! Há que negociá-lo com os jogadores.

Júlio Garganta na “The Tactical Room”

 

O modelo de jogo não pode nunca ser unicamente fruto da ideia de jogo do treinador. Tentar impor tal grau de rigidez é regra geral o primeiro caminho para o insucesso, até porque tal é inalcançável.

Por exemplo, é muito fácil identificar e concordar com os comportamentos que as equipas de Jorge Jesus apresentam, e imaginá-los num clube como o Real Madrid. Uma maravilha, certo? Ignora-se é o mais importante. Estariam jogadores daquele nível dispostos a tal rigidez? Teriam o rendimento que têm, sendo amarrados sem hipótese de escolher os seus caminhos. Seriam capazes e estariam interessados em cumprir na íntegra um jogo que não é o deles?

 

O treinador pode ver o que está a acontecer, mas o jogador sente-o! Porque não ouvi-los mais?

Podemos definir um futebol top e escolher os jogadores para a nossa maneira de jogar, mas quando temos à nossa frente uma equipa em concreto, temos de acomodar a ideia aos jogadores, ao contexto…

Júlio Garganta na “The Tactical Room”

 

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Sobre Paolo Maldini 3828 artigos
Pedro Bouças - Licenciado em Educação Física e Desporto, Criador do "Lateral Esquerdo", tendo sido como Treinador Principal, Campeão Nacional Português (2x), vencedor da Taça de Portugal (2x), e da Supertaça de Futebol Feminino, bem como participado em 2 edições da Liga dos Campeões em três anos de futebol feminino. Treinador vencedor do Galardão de Mérito José Maria Pedroto - Treinador do ano para a ANTF (Associação Nacional de Treinadores de Futebol), e nomeado para as Quinas de Ouro (Prémio da Federação Portuguesa de Futebol), como melhor Treinador português no Futebol Feminino. Experiência como Professor de Futebol no Estádio Universitário de Lisboa, palestrante em diversas Universidades de Desporto, Cursos de Treinador e entidades creditadas pelo Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ). Autor do livro "Construir uma Equipa Campeã", e Co-autor do livro "O Efeito Lage", ambos da Editora PrimeBooks Analista de futebol no Canal 11 e no Jornal Record.

7 Comentários

  1. E dar o tema é perceber de que forma escrevem a redação !!
    O saber fazer é um saber sobre o saber fazer em concomitância irão permitir q haja um menor hiato temporal entre uma coisa é outra .

    Mas o fundamental é percebermos como eles interpretam o tema q damos ( a Ideia)
    Que não deixa de ser a nossa Ideia , mas q pode é dever ser manifestado de formas diferentes em diferentes contextos mas sem perda do padrão geométrico q o caracteriza !!! Num plano global

  2. …é por essas, e por outras, que nunca percebi tanto elogio ao homem que é a antítese do que vocês aqui doutrinam….
    há uma série de jogadores, que gostava de os ver a mostrar valor, fora do Mundo JJ, como por exemplo: Coentrão, Bruno César, Sálvio, os chamados (por mim, claro :))jogadores telecomandados….e porquê o Homem parece ter aversão a jogadores inteligentes, como Bryan Ruiz????…claro que poderia falar em Geraldes, Bernardo, mas aí viria o contra argumento da juventude, por isso não vou por aí….mas há mais….
    …mas isto já foi muito tempo de antena para o Pavão….
    P.s.- o Abel, pelo inverso, está-me a surpreender e de que maneira…e o Braga com um belo plantel….

  3. Claro, nao é o mesmo Miguel do primeiro comentario.

    Para jà, um muito bom artigo onde se fala muito bem da essencia do jogador
    Respondendo ao primeiro comentario, se o treinador tem uma tal Ideia superior às partes, seria somente a racionalidade para potenciar os jogadores predestinados e assim o treinador a servir os jogadores do seu conhecimento.
    Nunca uma combinaçao de passes para pôr um jogador de frente à ultima linha supera a mesma situaçao mas com um so jogador que o consegue graças à receçao corpal da bola a bailar de fintas com os adversarios para criar espaços teoricamente fechados, acrescentado à conduçao da bola para caminhar nesses novos espaços moderando a velocidade consoante o poder de decisao e de tecnica na bola para inventar a cada momento e consoante a imprevisibilidade.
    Alguns dirao que sao esteticas diferentes mas a segunda acçao supera a primeira por duas razoes fundamentais: em primeiro, o jogador pense mais rapido que a racionalididade traduzida em combinacoes e posicionamentos e em segundo porque a primeira maneira de jogar é compreensivel de forma rapida pelo adversario que pode controlar com a mesma racionalidade enquanto que o genio do jogador é quase incontralavél.

    A imagem do mapa é tambem muito bela porque o futebol é movimento e nao se pode ser um territorio( como o voleibol) que o plano global pode fixar, e por isso temos que ser nomades e o mapa é o mais importante. Iria mais longe, pode-se ensinar os caminhos do mapa mas o melhor ensinamento seria de dar a destinaçao mas dar lhes os melhores meios (dar e ensinar as bussolas…) para se orientarem sozinhos, uma verdadeira aprendizagem, uma bela transmissao, humilde e humana. O plano global me faz pensar em obra mestre do Mister para executantes

  4. Eu nao quiz aqui menosprezar os treinadores, bem ao contrario, e nessa ultima década, a inteligencia dos sistemas para cortar espaços permitiu sobrevalorizar os jogadores com inteligencia do jogo.
    E agora ver aquelas genialidades cada fim de semana é o que faz que eu ainda aprecio ver futebol nos nossos dias

  5. Vamos colocar a pergunta ao contrário:

    E se esses super craques aceitam o modelo do jota?

    Se se comprometem a cumprir, escrupulosamente, o que lhes é pedido?

    Se já jogam o que jogam, imaginem com um efectivo traço colectivo.

    Continuo a achar que seria o treinador ideal para o Real.

    Um abraço,

    • Eu iria ter muita pena do Isco, do Marcelo e do Marco Ascensio….ou pior, imagina-lo no Barça…mas um dia gostava de ver essa experiência acontecer, nem que fosse com o PSG, para assistir à queda do mito…

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