O Rio Ave de Miguel Cardoso para dummies. Parte Um.

A equipa de Miguel Cardoso protagonizou perante o Sporting uma das mais vistosas exibições que um clube de menores recursos realizou perante um grande, em muito tempo. E com a certeza de que nada aconteceu por acaso, mas tudo fruto de um trabalho semanal que levou a equipa dos Arcos ao seu modelo de jogo.

Esqueçamos o resultado final do jogo da passada sexta feira, e concentremo-nos no que pode controlar um treinador. Muito mais na forma de chegar ao último terço, e / ou evitar que o adversário o faça, e muito menos a eficácia na fase de finalização.

A parte um do “Rio Ave de Miguel Cardoso”, cinge-se ao momento ofensivo.

Para explicar a influência tremenda de Miguel Cardoso numa equipa extremamente bem preparada naquilo que pode um treinador definir para vencer, recuperemos o brilhante texto do Ricardo Ferreira, com aquela que é a nossa sistematização do jogo.

Assim, no momento de Organização Ofensiva, entendemos os três sub-momentos:

  1. Construção: quando ambas as equipas se encontram dentro da sua organização para atacar e defender e quando a bola se encontra fora do bloco da equipa que defende.

  2. Criação: quando a equipa que ataca consegue penetrar no bloco da equipa que defende e surge perante a última linha adversária ou a última linha e mais um médio em contenção. A excepção é quando a equipa que ataca procura um jogo mais directo, de ataque à profundidade, ou seja, de passe directo para o espaço entre a última linha de quem defende e o seu Guarda-Redes, o que acaba por se configurar como uma situação de último passe, independentemente do grau de dificuldade superior da acção. Neste sub-momento, integram-se também todas as situações de bola parada ofensivas que poderão permitir um último passe ou cruzamento e finalização. Devemos referir que compreendemos as opiniões que distinguem as situações de bola parada como um quinto momento do jogo, porém a nossa interpretação é que, independentemente do jogo estar parado ou em movimento, se uma equipa está organizada para defender essas situações e a outra para atacar, então estarão dentro da sua Organização Defensiva e Organização Ofensiva, respectivamente.

  3. Finalização: todas as acções que visam o momento final de ataque à baliza adversária, portanto, a acção individual ofensiva de remate, independentemente da superfície corporal envolvida. Aqui também se integram as situações de bola parada ofensivas que poderão permitir um remate directo à baliza. Importa ainda referir que a finalização pode até surgir quando a equipa que ataca tem pela frente todo o bloco adversário ou parte do mesmo. Contudo, se quem ataca conseguiu chegar ao remate, esses momentos de organização defensiva adversários falharam de alguma forma.

Em suma, as duas primeiras fases ofensivas dependem obviamente bastante do que é individual, mas também muito do trabalho do treinador, construindo o que é colectivo, como forma de fazer chegar a equipa ao último terço. A finalização depende muito menos que as outras fases do trabalho semanal, e muito mais da habilidade e qualidade individual.

Ou seja, pode acontecer derrotar-se um grande com base numa eficácia muito grande naquilo que é sobretudo individual, e pode perder-se sendo melhor no que se pode trabalhar e treinar porque a eficácia é depois diminuta.

Traduzindo as fases para uma mais fácil compreensão, é como se ofensivamente o jogo decorresse por etapas. 1º objectivo – entrar nas costas dos avançados adversários, 2º objectivo – entrar nas costas dos médios, 3º objectivo chegar à finalização, seja nas costas dos defesas ou não! 4º objectivo – que a finalização se traduza em golo! Sendo que de todas as etapas, a que menos depende do treino e trabalho do treinador, e é sobretudo focada no que é individual é a eficácia no gesto de finalizar.

Assim foi o Rio Ave na partida com o Sporting: Uma equipa com uma qualidade e facilidade tremenda a desmontar a equipa de Jorge Jesus em tudo o que mais depende do trabalho semanal. Traída pela falta de acerto no que é mais individual. A hora de finalizar.

Individualmente também porque potenciados pela ideia colectiva, são mais que muitos os destaques necessários de se fazer. Do incrível Rúben Ribeiro, referenciado aqui, ao talento à solta de Barreto e da grande revelação João Novais, que trouxe uma dinâmica ofensiva muito interessante à equipa de Vila do Conde, nas costas do avançado centro, passando pela “coragem” e qualidade do habitual suplente e quem sabe com tanto a perder, Nélson Monte, à tranquilidade com que Pelé e Marcelo ligavam as fases ofensivas.

 

 

Sobre Paolo Maldini 3828 artigos
Pedro Bouças - Licenciado em Educação Física e Desporto, Criador do "Lateral Esquerdo", tendo sido como Treinador Principal, Campeão Nacional Português (2x), vencedor da Taça de Portugal (2x), e da Supertaça de Futebol Feminino, bem como participado em 2 edições da Liga dos Campeões em três anos de futebol feminino. Treinador vencedor do Galardão de Mérito José Maria Pedroto - Treinador do ano para a ANTF (Associação Nacional de Treinadores de Futebol), e nomeado para as Quinas de Ouro (Prémio da Federação Portuguesa de Futebol), como melhor Treinador português no Futebol Feminino. Experiência como Professor de Futebol no Estádio Universitário de Lisboa, palestrante em diversas Universidades de Desporto, Cursos de Treinador e entidades creditadas pelo Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ). Autor do livro "Construir uma Equipa Campeã", e Co-autor do livro "O Efeito Lage", ambos da Editora PrimeBooks Analista de futebol no Canal 11 e no Jornal Record.

10 Comentários

  1. Coisa linda!

    Sou suspeito a comentar, mas sei bem o trabalho que dá fazer isto. Não tanto a edição do video porque isso qualquer pessoa com paciência o consegue. Mas saber identificar o que cortar e os momentos para o fazer, para conseguir fazer chegar a mensagem pretendida.

    Espero que chegue rápido o dia em que a tua qualidade e competência serão totalmente aproveitadas. E se possível… de pés na relva.

  2. PB, fiz referência a isso num comment anterior: não achaste a demasiada precipitação no momento da finalização? Falo dos muitos remates de longe (muitos com percentagem de sucesso baixa). Pareceu-me algo parte da estratégia, tal foi o numero de jogadores a faze-lo e mesmo MG deu isso a entender na flash-interview. Se assim for, parece-me algo ´contra-corrente’ o resto do futebol da equipa.
    Em tudo o resto, muito muito bom. Do melhor que vi este ano, não só em PT.

    Abraço

  3. Caro Paolo Maldini

    Bailarico com resultado tremendamente injusto.

    Apenas outra nota que ninguém costuma referir; Miguel Cardoso tem sempre todos os jogadores à sua disposição para o “trabalho semanal”, já JJ por vezes vê vários dos seus jogadores a brincarem nas selecções em vez de estarem à sua disposição.

  4. Sem duvida… Nao gosto muito da expressao, mas foram 90 minutos a dar chocolate!

    Nao querendo tirar merito ao RioAve e ao Mister Miguel Cardoso (que é um treinador de topo faz muito tempo, Portugues!), pois é impossivel tirar…

    Acredito que se fosse outra equipa grande a ser “dizimada” em todos os momentos como foi o Sporting, teriamos o treinador a ser colocado em causa. Imagino este Sporting com 4 e 5 lesoes em varios periodos de uma epoca, e sem este Patricio (diferenciador). O jogo foi igual, do principio ao fim, embora o Mister Jesus diga o contrario (que ao intervalo…).

    Dois grandes treinadores, mas um nao conseguiu “resposta tatica” durante 90 minutos, àquilo que o outro fomenta desde a 1a jornada do campeonato (mais agrava essa impotencia).

    Assim o campeonato portugues cresce … embora o que mais importa é falar dos arbitros!

  5. A verticalização total dos processos de jogo ofensivos. Queimar as linhas adversárias em poucas acções, em poucos toques, sempre em segurança na primeira fase de construção (onde a equipa é efectivamente mestre a chamar o adversário à pressão, levando-o a adiantar-se no terreno de forma descoordenada, o que cria distanciamento entre linhas; essa distância entre linhas é fundamental para o sucesso dos processos praticados mas o sucesso não depende exclusivamente dessa conjuntura, porque quando não existe, os jogadores procuram-na, movendo-se; o Rúben Ribeiro para o interior; o Barreto e o Novais aproveitaram aquele espaço entre o central e o lateral esquerdo; Tarantini procura jogar sempre afastado do adversário que defende aquela zona para receber solto de forma a receber e girar para procurar as referências criativas). Eu acho que está aqui um pouco do futebol do futuro. Mas acho que defensivamente o homem também é um tratado de sabedoria e de enorme competência na operacionalização das suas ideias e do seu modelo, tendo em conta a concepção metodológica de treino que utiliza: “a equipa deve jogar de acordo com o modelo de jogo idealizado pelo treinador”

    Eu confesso que tenho lido recentemente os slideshares das apresentações realizadas nos cursos de treinador que ele disponibilizou por aí e tenho visto alguns vídeos dele. Pá, apesar de não ter grande formação técnica na modalidade (tenho o cursito de Grau I, tirado por curiosidade) confesso que tenho alguma dificuldade para entender as ideias dele.

  6. Não vi o jogo, por isso estou fora da argumentação.

    Mas por este vídeo dá a ideia de uma equipa com o modelo aprendido e outra com o modelo pela goela abaixo… Jesus e sus muchachos a correrem 30 quilómetros por jogo com o modelo de jogo debaixo do braço. Que é um bocado diferente de correr 30 quilómetros por jogo com o modelo de jogo ao nível do cérebro. Coisas que o homem faz um enorme esforço para não entender. É como alguém diz acima: se fosse outro treinador, ui, seriam dias complicados. Assim como ninguém lhe pergunta – será falta de coragem ou será que as outras cartilhas eliminaram esta possibilidade? – porque o Bernardo Silva nunca calçou e treinava a lateral-esquerdo.

    “PARA MIM O JESUS NUNCA SERÁ UM TREINADOR ESPECIAL” – Bernardo Silva, a semana passada, em entrevista n’A Bola. Para mim é um treinador especial mas só em algumas coisas. Parece, repito: parece, que o Miguel Cardoso foi a Portugal oferecer chocolates. Muito bom.

  7. Onde andava esse trabalho editorial após o banho dado ao slb? ou depois de um jogo que não chegou a ser tão bem conseguido frente ao fcp?

    “Acredito que se fosse outra equipa grande a ser “dizimada” em todos os momentos como foi o Sporting, teriamos o treinador a ser colocado em causa. Imagino este Sporting com 4 e 5 lesoes em varios periodos de uma epoca, e sem este Patricio (diferenciador)”

    Sim porque o treinador do SCP não foi posto em causa depois de alguns jogos o ano passado.Sim são as 4/5 lesões que têm feito a diferença ou fariam. Esquecendo por exemplo que o Ristovski é melhor que Piccini, que Doumbia dá mais jogo que Dost, que Podence não teve lesionado, que Coentrão não perdeu jogos.

    A conversa do Patricio é engraçada, como se o trabalho do gr não fosse este, mas desde que vi a diferença de tratamento dado a Varela e ao belga parece-me que o trabalho de um gr não é de facto o de defender bolas mas sim facturar.

    Já agora repararam que apenas houve uma equipa a meter a bola dentro das redes 2 vezes não repararam? E que o que interessa, pelo menos desde que foi criado o desporto, é meter o esférico dentro do rectângulo com rede??

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