A potencialização do Guarda-Redes por via do estudo da mente: estabelecer e potenciar o “Mindset” correcto

Carol Dweck, no seu livro datado de 2006 “Mindset: The New Psychology of Success”, lançou para o público a sua teoria em que descrevia a mentalidade (Mindset) do Ser Humano com sendo estagnada (fixed) ou de desenvolvimento (growth). A forma de diferenciação entre estas duas terminologias segundo esta teoria passa pela aptidão que o Ser Humano desenvolve, de uma forma guiada ou não, para adoptar uma capacidade aquisitiva face às situações-problema que lhe são apresentadas. Esta teoria, criada e estabelecida através do estudo de imensos casos de sucesso no mundo do desporto mas também no mundo dos negócios e no empreendedorismo dita que numa mentalidade estagnada (fixed mindset), o atleta acredita que as suas capacidades básicas, a sua inteligência, os seus talentos são, na realidade, traços que possui desde que nasceu. Apresentam esse dogma e carregam-no para o resto dos seus dias, preocupando-se somente com a sua permanência na zona de conforto e a sua prestação ao nível que sabem que podem actuar. Este tipo de postura não fomenta o desenvolvimento, muito antes pelo contrário. Faz com que o indivíduo se retraia de adquirir novas capacidades que não possui e se restrinja ás características que possui e que permaneça estagnado. Isto acaba por espelhar o medo de falhar e de conseguir explorar os seus limites.

Já quando o indivíduo apresenta uma mentalidade de desenvolvimento (growth mindset), este compreende que tudo aquilo que são as suas características e habilidades, assim como os seus talentos podem ser desenvolvidos através do esforço, do bom ensino e da persistência perante situações-problema através da aprendizagem baseada em ensaio e erro, guiada ou não. Normalmente, neste mindset, o indivíduo não tem por norma pensar que todos os outros indivíduos são necessariamente iguais ou que qualquer um pode ser um atleta de topo mundial, mas existe uma crença comum neste grupo de indivíduos em que todos se podem desenvolver se eles trabalharem para isso, já que existe uma mentalidade fortíssima de diagnóstico face a constantes tentativas de ensaio-erro.

Mas este panorama pode não ser tão linear assim. Existem vários grupos de indivíduos que gostam de oscilar entre um mindset e outro, de acordo com o conforto que sentem em determinada situação-problema. Esta oscilação é confundida, muitas vezes, por instabilidade emocional mas na realidade não o podemos considerar desta forma antes, um mecanismo de defesa que o indivíduo desenvolve para se manter motivado na execução de determinada tarefa. Mas estará o indivíduo a melhorar a sua performance executando uma tarefa de determinada forma durante um segmento de tempo sem alteração do grau de dificuldade da mesma? James Clear, um autor de livros motivacionais focados essencialmente em desenvolvimento pessoal lidos por vários atletas na NFL e na NBA explica:

We place unnecessary stress on ourselves to lose weight or to succeed in business or to write a best-selling novel. Instead, you can keep things simple and reduce stress by focusing on the daily process and sticking to your schedule, rather than worrying about the big, life-changing goals. When you focus on the practice instead of the performance, you can enjoy the present moment and improve at the same time.

A resposta está aí mesmo, no processo de treino e desenvolvimento pessoal e na forma como é dirigido no campo mas também no escritório/balneário. A nossa sensibilidade, que trabalhamos com um grupo restrito de 3 ou 4 jogadores como é o caso dos Guarda-Redes, urge pela forma como abordamos cada um dos diferentes Guarda-Redes e cada uma das suas variações de “mindset” como sendo únicas e passiveis de compreensão. Numa altura em que ao Guarda-Redes é pedido que seja muito mais do que o jogador que bate os pontapés de baliza, que seja implacável no meio dos postes e assertivo nas bolas paradas mas também que saiba oferecer opções de polivalência a quem tenta não só construir a partir da zona da baliza mas também para quem pretende explorar espaços nas zonas intermédias onde se poderão descobrir formas de apanhar a equipa adversária em desequilíbrio e acima de tudo, que se apresente em campo e nos treinos de uma forma que privilegia o conhecimento táctico do jogo e a tomada de decisão com, mas sobretudo, sem bola, há o claro convite a uma postura de mentalidade defensiva e de auto-protecção por parte de quem usa o Número 1 nas costas dado o possível pouco à vontade face a determinadas tarefas.

Como deve o Treinador de Guarda-Redes fomentar este espírito empreendedor e de mudança, na tentativa de cativar os seus Guarda-Redes no sentido de abraçar o erro de uma forma pedagógica? Como fazê-lo em contexto competitivo, em que a exigência deve e tem de ser a maior para adquirir resultados palpáveis? A ideia passará sempre por dois pontos: a postura do Treinador de Guarda-Redes face ao desenvolvimento dos seus Guarda-Redes e a criação de hábitos de diagnóstico perante situações-problema, associados a uma forte capacidade de interpretação das mesmas situações e a uma forte capacidade de correcção através do feedback correcto e de material de apoio (audiovisual, por exemplo), em ambiente de Treino e Jogo. Vamos por partes. O Treinador de Guarda-Redes deve apresentar ao Guarda-Redes objectivos e propostas realistas de desenvolvimento e manutenção das suas capacidades físicas, técnicas e mentais. Diferentes Guarda-Redes, diferentes idades, diferentes tipos de personalidade e diferentes capacidades físicas e técnicas. Logo, o Treinador de Guarda-Redes tem de se dotar de uma capacidade de observação superior e de uma capacidade de diagnóstico capaz de salientar os aspectos primordiais do seu atleta e os que poderão ser desenvolvidos, assim como por que ordem de prioridades se deverá dar luz a esse processo. O outro ponto surge com o dito processo já em andamento. Surge então a necessidade de avaliar, de forma progressiva e concreta todas as situações-problema que possam surgir, assim como proceder ao reforço positivo de todas as acções bem executadas através da manipulação da intervenção do treinador (o tal Catalizador de Vivências), tanto no aspecto técnico como no aspecto táctico por parte dos Guarda-Redes, tanto em contexto de jogo mas, sobretudo, no contexto de treino. Porquê “sobretudo no contexto de treino”? Porque ao habilitarmos o nosso Guarda-Redes na capacidade de ensaiar e errar, ele vai abordar as situações-problema de uma forma mais construtiva, mais ambiciosa e mais focada no desenvolvimento. Isto, associado à capacidade de diagnóstico do Treinador de Guarda-Redes a à capacidade deste manipular o seu feedback incentivando o processo de descoberta-guiada, estimula o Guarda-Redes a “redescobrir-se e a recriar-se” constantemente. A obsessão pelo detalhe deve estar presente em cada momento e a abnegação pela mediocridade em cada momento de diagnóstico, de uma forma construtiva e com o tipo correcto de ambições em relação aos objectivos propostos: desenvolver e maturar para ser melhor progressivamente, não criando objectivos irrealistas ou inatingíveis. Isto é aplicável ao Treinador de Guarda-Redes. Ver-se em filme, ouvir-se em voz (gravar o feedback que dá aos seus Guarda-Redes, por exemplo) promove uma fantástica oportunidade de desenvolvimento, se o Treinador de Guarda-Redes perder o medo pelo erro ou a vergonha por se ver em vídeo. Isto traz um sem fim de cores a uma área cinzenta que é o desenvolvimento pessoal como Treinador mas também como Pedagogo e como Ser Humano.

Com um growth mindset, as pessoas acreditam que as novas habilidades podem ser desenvolvidas através da prática constante e da constante superação diária, criando assim a paixão pela aprendizagem e conhecimento que a maior parte dos grandes atletas têm em comum. Estabelecer as prioridades e adoptar o gosto pela exploração de situações-problema que outrora provocariam desconforto e aliar-se de ferramentas de apoio é essencial para o desenvolvimento dos vossos Guarda-Redes e do vosso desenvolvimento como Treinadores de Guarda-Redes.

Sobre Pedro Espinha 5 artigos
Coordenador do Departamento de Treino de Guarda-Redes e Treinador de Guarda-Redes do Lyn Toppfotball, e da NFF (Federação Norueguesa) nos escalões de formação. Passagem pelo Stabæk Fotball (Treinador de Guarda-Redes e Treinador de Formação), Bergsøy IL (Treinador de Guarda-Redes, Analista, Treinador de Formação e Coordenador de Children Football) na Noruega, e pela formação do SL Benfica, onde foi treinador e exerceu funções de Técnico Auxiliar de Coordenação. Apaixonado pelo treino, desenvolvimento e pelo Jogo, e sobretudo pela posição específica do Guarda-Redes, possui o curso UEFA B e A de Treinador de Guarda Redes.

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