Ambos sabemos que não era de tácticas que falavas, De Rossi

Eu disse: temos de marcar, manda aquecer os avançados. Estava a falar de tácticas e peço desculpa se ofendi alguém…

De Rossi

Itália não chora apenas a primeira ausência em mais de cinquenta anos da prova maior do futebol. Itália chora o talento de outrora, hoje não utilizado.

O próprio De Rossi no final da partida afirmou que sugeria a entrada dos avançados. Permitam-me a ousadia de afirmar que para a imprensa, o italiano soltou, não o que pensou de facto, mas o que lhe permitiria ficar o menos possível colocado em causa, sobretudo pelos colegas. Talvez as pessoas não saibam, mas seguramente que não há uma única afirmação que se faça para fora que não seja sempre ponderada por forma a não ferir susceptibilidades. Diz-se o que imaginamos que os nossos e o público gostarão de ouvir. Nada do que um jogador ou treinador atira na imprensa, significa ser o que pensa. Pode até calhar ser, mas será demasiadas vezes apenas uma casualidade. Porque o que de facto se está a pensar, não pode ser aberto ao público, para não ferir susceptibilidades internas.

De Rossi não pediu avançados. De Rossi pediu Insigne. Embora seja mais fácil de lidar com todos os outros colegas avançados, garantindo pelas suas palavras que era algo táctico que idealizava para o jogo, De Rossi não pediu avançados. Pediu Insigne!

De Rossi pediu talento. Não pediu mais um homem na frente. De Rossi pediu o homem na frente. O talento capaz de desmontar linhas e organizações adversárias. De Rossi pediu improviso e criatividade no jogo. De Rossi pediu um jogador específico em detrimento de tantos outros que estavam em campo que não têm a mesma capacidade de Insigne, para mudar o curso de um jogo. Pediu inteligência, velocidade de execução e qualidade técnica, personificada em Insigne.

Poucos como os pares são capazes de entender tão bem o talento.

De Rossi, contrariou até algo tão comum no futebol. Não queria o “eu”. Queria Insigne. Estava a pensar no “nós”. Não significa que esteve bem naquele momento específico, muito pelo contrário. Embora num momento tão doloroso e nervoso como aquele, à beira de perder aquela que seria a sua última grande competição, a frustração de ter o homem que poderia mudar todo o rumo de um jogo, ao seu lado no banco, terá tomado conta de si.

 

Sobre Paolo Maldini 3828 artigos
Pedro Bouças - Licenciado em Educação Física e Desporto, Criador do "Lateral Esquerdo", tendo sido como Treinador Principal, Campeão Nacional Português (2x), vencedor da Taça de Portugal (2x), e da Supertaça de Futebol Feminino, bem como participado em 2 edições da Liga dos Campeões em três anos de futebol feminino. Treinador vencedor do Galardão de Mérito José Maria Pedroto - Treinador do ano para a ANTF (Associação Nacional de Treinadores de Futebol), e nomeado para as Quinas de Ouro (Prémio da Federação Portuguesa de Futebol), como melhor Treinador português no Futebol Feminino. Experiência como Professor de Futebol no Estádio Universitário de Lisboa, palestrante em diversas Universidades de Desporto, Cursos de Treinador e entidades creditadas pelo Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ). Autor do livro "Construir uma Equipa Campeã", e Co-autor do livro "O Efeito Lage", ambos da Editora PrimeBooks Analista de futebol no Canal 11 e no Jornal Record.

8 Comentários

  1. Para se saber quem é o mais talentoso e o mais desequilibrados da equipa é só perguntar aos colegas. Enorme De Rossi, tanto lhe deve ter doído ver este ciclo depois de estar uma vida a ver os craques lá na frente à darem magia à organização italiana.

  2. «De Rossi, contrariou até algo tão comum no futebol. Não queria o “eu”. Queria Insigne. Estava a pensar no “nós”.» Quer dizer, também se chega a um ponto na carreira, e De Rossi está lá ou muito perto, em que o “eu”não tem mais nada a mostrar e torna-se importante que “nós” o mostremos. De Rossi não deve nada a ninguém, mas a Itália devia. Ficar mais experiente é perceber também isso.

  3. Uma Itália tão pobre de ideias, chuveirinho para frente e fé em Deus, á dias foi Chiellini a fazer algumas considerações que me pareceram no mínimo infelizes sobre Guardiola e sobre o futuro do futebol italiano.

    Será que ainda não chegou o momento do futebol italiano rever suas ideias???

  4. O que me impressionou foi a expressão corporal do Rossi.

    É um tipo com créditos firmados, com um ordenado de topo, que tem um cargo directivo na Roma à espera, que é Campeão do Mundo, enfim, este gajo já não tem nada a mostrar.

    Mas aquela garra, aquela fome de ganhar e estar presente, aquilo não se ensina. Ou tens isso dentro de ti ou não.

    E ele estava de tal maneira transtornado e, ainda assim, teve a clarividência de perceber que não era ele que ia ajudar. Era o Insigne.

    Impressionante mesmo.

    O Mundial sem a Itália não é a mesma coisa.

    PS: Será que o Zlatan vai dar uma de Figo e vai ao Mundial?

    Um abraço,

    • nao gosto especialmente da itália, mas o Mundial sem eles não é de facto o mesmo… estive a torcer o tempo todo para que ganhassem só por causa disso…

    • O Figo voltou a tempo de participar na qualificação. Aliás o Scolari até queria que ele voltasse mais cedo, no jogo fora com a Eslováquia mas o jogador só voltou no jogo do estádio da Luz em que salvo o erro ganhamos por 2-0.

  5. Faz lembrar as conversas de chuveiro do “Como é que o homem não te pôs lá dentro?” Mas numa situação limite e com os nervos à pele.

    De onde eu venho isto dá direito a uma cerveja no fim do jogo.
    Nós, sempre o nós.

  6. Poucos “diálogos” tão bonitos terão acontecido no futebol. Um jogador veterano que vai entrar e “recusa” a dádiva, não porque se sente humilhado naquele momento, no banco aos seus 30 e muitos anos, mas porque quer algo mais e sente que não é ele o homem indicado para dar aquilo que a equipa precisa.

    Num momento de insubmissão e de disrupção do colectivo, uma espécie de voz da consciência colectiva, que muitos treinadores não sabem interpretar. O caminho indicado até pode ser o mais correcto, mas sem a capacidade de fazer acreditar, o potencial de acerto é mínimo. Aquilo que De Rossi disse, como o disse, sem filtro, era algo que só podia percorrer a cabeça de todo o grupo e quando o treinador não percebe o seu grupo, então é o treinador que está a mais.

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