O lado estratégico do jogo, e o legado de José Mourinho.

…e gosto do United, porque o Mourinho é a minha referência. Há treinadores que têm uma forma de ver o jogo que eu gosto, como o Guardiola, mas, para mim, a referência é o Mourinho, porque vejo a bola de forma mais parecida com o mister Mourinho, ou seja, analisa muito bem os adversários e mete a sua equipa, não só com um determinado modelo de jogo mas a pensar muito como é que se adapta para ganhar. Gostava de ser assim, porque são os que têm melhor reputação no mundo do futebol, são aqueles gajos do futebol bonito, mas eu identifico-me mais com o outro lado, mais a pensar como é que vou bater o adversário e como é que vou tentar que ele não marque golos.

Rúben Amorim

 

If you have a Ferrari and I have a small car, to beat you in a race I have to break your wheel or put sugar in your tank

José Mourinho

Há duas variáveis que se sobrepõem a todas as outras, no trabalho de um treinador, quando se trata de tentar vencer jogos e competições. Modelo de Jogo e Estratégia. Sendo que ambas requerem qualidade no processo de treino para que se possa maximizar potencial. Embora, também seja possível fazer passar a mensagem relativamente à estratégia por vídeo e / ou palestra.

O treinador português José Mourinho, foi um dos maiores revolucionadores do jogo, quando trouxe primeiramente para o seu FC Porto e posteriormente para o Chelsea, um modelo de jogo, numa era em que praticamente somente as bolas paradas eram “modeladas” pela larga maioria de treinadores de futebol, mas sobretudo o maior no que concerne ao processo de treino, e à forma como o direccionou relacionando-o com o jogo.

O avanço que detinha sobre todos os demais foi esbatendo-se porque como todos os que lideram e trilham o caminho original, acabam estudados e seguidos. Um pouco como o processo que relatei com Jorge Jesus (aqui):

Negar a influência do treinador do Sporting no crescimento do jogo em Portugal é uma heresia. Praticamente todos os treinadores que pela Liga vão fazendo carreira, mesmo que o neguem a pés juntos, quando encostam a cabeça na almofada sabem bem a influência e o porquê de agora defenderem zona. O porquê de partirem tão bem os momentos do jogo. O porquê de tantas ideias. Praticamente todas as equipas da Liga são hoje mais parecidas com as ideias de Jesus, sobretudo nos momentos defensivos, do que com o que os seus treinadores apresentavam nos relvados há seis anos atrás!

E se Jorge Jesus continua a procurar ser pioneiro em alguns dos comportamentos que podemos observar das suas equipas, e se continua com as mesmas qualidades de outrora, também não se pode negar o quão diferente para melhor está toda a concorrência. Jesus não terá perdido qualidades. Porém, o fosso que o separa dos outros é hoje substancialmente mais curto.

A marca Mourinho não se esgota, contudo, na tremenda influência que exerceu sobre a organização do processo de treino no futebol, ou em como condicionou várias gerações de jovens portugueses, cujo sonho passou de ser o de jogar futebol, para ser o treinar futebol. Tão pouco se esgota nas portas que no mundo abriu para todos os portugueses que trabalham nesta industria, embora tal já seja um legado de valor inesgotável.

Na segunda variável que mencionei em cima, Mourinho continua a fazer a diferença, e a aproximar a sua equipa do sucesso. Tal como refere Rúben Amorim, Mourinho é hoje um mestre da estratégia.

Há treinadores que não querem saber do adversário, mas não sou assim. Fui dos primeiros a falar em modelo de jogo e para mim na altura havia apenas um sistema e um conjunto de princípios. Agora já acho o modelo muito mais estratégico, por isso no início da época treino mais do que um sistema e mais do que uma forma de jogar.

Era muito fundamentalista quando era mais novo, agora sou mais pragmático, mais estratégico e menos arrogante.

José Mourinho

Recordar a final da Liga Europa, o quarto troféu Europeu conquistado pelo treinador português:

Numa final há uma tensão diferente, e independentemente da experiência dos jogadores, eles vão pensar menos, por isso alguém já tem de ter pensado por eles antes para se sentirem mais livres. O que interessa é a equipa ficar confortável. Preparamos melhor o jogo quando conhecemos as nossas fraquezas.

Todos diziam que o Ajax jogava muito bonito e o que interessa é a beleza do jogo. Para mim bonito é não dar ao adversário o que ele quer. Até brinquei com o Smalling “Com esses pés não vamos sair a jogar curto”, revela, explicando a ideia principal em organização ofensiva “Acho que foi ai que ganhámos o jogo. Na primeira fase de construção nunca jogámos dos nossos centrais para os médios, porque eles eram muito perigosos a recuperar bolas de forma alta. E eles não ganharam uma única bola no nosso meio campo assim. Se a bola não está lá, eles vão pressionar o quê?

José Mourinho sobre a final da Liga Europa, onde por cá tinhamos escrito:

Um Ajax preparado para exercer o seu pressing alto, esperando chegar ao golo num erro em posse de um defesa do United, e com que plano surge a equipa de Manchester? Fellaini mais adiantado para servir de referência para o jogo directo. United sem arriscar na construção e Ajax porque não recuperou uma bola como havia planeado, sem uma única possibilidade de transitar para contra ataque. Idealizado por quem? Pelo mesmo que idealizou a forma de condicionar todo o ataque da equipa holandesa. Em organização ofensiva, o Ajax, uma das equipas mais interessantes da Europa, habituado a jogar contra zona, com rotinas que promovem a recepção e enquadramento nas costas dos médios adversários, viu-se num jogo totalmente contrário ao que está mais habituado. Como entras nas costas dos médios se eles te marcam individual (e portanto não saem eles das tuas costas)?

Lateral Esquerdo

A alteração do paradigma do processo de treino, a construção de um modelo de jogo, a influência sobre gerações de jovens que com ele quiseram tornar-se treinadores, as portas abertas no mundo, e até a relação com a imprensa fazem parte do legado de José Mourinho. A todas estas, juntar-se-à o lado estratégico do jogo, se um dia o treinador português resolver explicar jogo por jogo o que na sua mente idealizou.

Já me encantei, e já me desencantei com José. Hoje que percebo que encantos e desencantos tiveram sempre mais a ver comigo do que com o setubalense, que percebo algumas decisões, tento apenas compreender um dos maiores génios da história do futebol. Que venceu, e vencerá, que criou e criará.

 

The way Mourinho prepared for games was also new to me. I would get pumped up, believing the
story he would feed us. I went through a lot of adrenaline when I played for him. It was like nothing
was ever good enough. He gave and he took. José Mourinho knows how to treat a footballer

Zlatan Ibrahimovic

Sobre Paolo Maldini 3828 artigos
Pedro Bouças - Licenciado em Educação Física e Desporto, Criador do "Lateral Esquerdo", tendo sido como Treinador Principal, Campeão Nacional Português (2x), vencedor da Taça de Portugal (2x), e da Supertaça de Futebol Feminino, bem como participado em 2 edições da Liga dos Campeões em três anos de futebol feminino. Treinador vencedor do Galardão de Mérito José Maria Pedroto - Treinador do ano para a ANTF (Associação Nacional de Treinadores de Futebol), e nomeado para as Quinas de Ouro (Prémio da Federação Portuguesa de Futebol), como melhor Treinador português no Futebol Feminino. Experiência como Professor de Futebol no Estádio Universitário de Lisboa, palestrante em diversas Universidades de Desporto, Cursos de Treinador e entidades creditadas pelo Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ). Autor do livro "Construir uma Equipa Campeã", e Co-autor do livro "O Efeito Lage", ambos da Editora PrimeBooks Analista de futebol no Canal 11 e no Jornal Record.

5 Comentários

  1. E, no entanto, nada disto apaga algo que não me parece ser já opinião, mas apenas um facto consumado: houve algo que se perdeu em José Mourinho depois de sair de Milão. As características do futebol dele podem estar lá todas, à superfície. Mas aquele fator X, aquele algo que nem se sabe bem explicar o que é, mas que sabemos que está lá, desapareceu. E não são dois títulos de campeão nacional e uma Liga Europa que vão disfarçar a falta de chama que se apoderou de Mourinho. Aliás, diria mesmo que, agora que penso nisso, poderá mesmo ser isso: aquele “brilhozinho nos olhos” que víamos em Mourinho, aquela expressão que indicava fome de vencer, pura e simplesmente, foi desaparecendo no pós-Inter. E as equipas de futebol são um pouco como os animais de estimação: um espelho dos donos.

  2. Só há uma coisa que me irrita neste discurso do Mourinho. É que ele fala como se as outras equipas tivessem um Ferrari e ele não.

    Ele tem os jogadores que escolheu! Se escolhe não jogar como um Ferrari não pode usar isso como desculpa.

  3. O Futebol nunca vai deixar de ser imprevísel é aí que esta a beleza do jogo. Com tanto lado estratégico é irónico como o Mourinho ganhou esta ultima Liga Europa (procurei o vosso artigo mas não encontrei), refiro me ao golo do Man Unt em que houve uma troca de jogadores que nãoestava planeado e fez com que o golo ocorresse e o que estava no plano estratégico é completamente o oposto.

    Continuação de bom trabalho,
    Abraço

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