O processo na formação do atleta

Várias vezes foi por aqui referida a importância dos vários agentes do futebol de formação (treinadores, pais, o próprio atleta e espetadores) não terem o resultado do jogo do fim-de-semana como a ferramenta que avalia a probabilidade de se estar perante craques futuros. A realidade, no entanto, que ainda subsiste em muitos meios é a de que resultados positivos constantes são a “prova dos 9” da qualidade de todos os intervenientes (treinadores incluídos). Sem por em causa a criação de um espírito saudável de se querer vencer no momento, importa questionar o que fica para trás quando o foco é vencer no próximo domingo ao invés de o foco ser no jogador que se quer ter na idade adulta.

Para evoluirmos um atleta, temos obrigatoriamente que o ter connosco. As principais causas de abandono no desporto de formação são, por ordem decrescente, diminuição do prazer na atividade, não gostar do treinador ou dos colegas, problemas de saúde, privilegiar o rendimento académico e, só por último, o atleta não se considerar bom o suficiente. Pressionar negativamente, na formação, pelos resultados deve ter em atenção o potencial que pode ter na eliminação de praticantes da modalidade. Claro que pode contra-argumentar-se que quem desistiu não teria o necessário para singrar na alta performance, mas isso é demitirmo-nos do que está ao nosso alcance fazer. Ter um craque aos 20 anos não tem de ser o fruto do acaso ou da mera prospeção na captação de génios. Há coisas a fazer para ajudar a criá-los.

A carreira de Treinador de Formação (de Elite) é muito exigente porque requer competências tão vastas como o know-how específico da modalidade, a gestão de grupos (grandes e muitas vezes irrequietos), o conhecimento pormenorizado do desenvolvimento do jovem, a comunicação com intervenientes com ascendente natural sobre os atletas (pais) e a gestão de expetativas. Conhecimentos tão vastos normalmente disponíveis apenas em equipas multidisciplinares.

Combinados, estes conhecimentos são o que vai determinar o que se pretende fazer em determinada sessão de treino com determinado atleta. Felizmente, a ciência vai-nos fornecendo alguns dados que vão orientando as decisões. Por exemplo, sabe-se que a performance atlética antes da puberdade é frequentemente um mau indicador do potencial global após essa fase. Para além disso, está estabelecido que os early maturers têm menor probabilidade de serem atletas de elite do que os late maturers. Isto não significa que um miúdo que cresça rápido e antes dos seus colegas tenha, à partida, o seu futuro perdido na modalidade. Mas conhecer este facto pode permitir modelar o que lhe oferecemos para evitar que a estatística se cumpra. Durante o desenvolvimento, as crianças e jovens passam por fases distintas que requerem abordagens diferentes – o corpo está híper recetivo a desenvolver determinadas características, em períodos distintos, e esta recetividade vai baixando à medida que o tempo passa. Estas “janelas de oportunidade” existem para características tão díspares como a literacia física, coordenação motora, capacidade aeróbia (endurance), força, velocidade, skills técnicos, flexibilidade e aceleração. O Treinador de Formação, otimamente, deve fornecer aos jovens o ambiente que melhor se adapta às necessidades, com vista ao potenciar do desenvolvimento. Se a janela da coordenação técnica começa a fechar aos 12 anos e da endurance aos 15, não será desejável que uma sessão de treino de infantis se cinja a dar voltas ao campo. Ambientes enriquecidos e com pressão para evoluir as características corretas no timing correto propiciam o atingimento do potencial genético mais cedo, o que permite mais tempo de performance desportiva máxima.

Explicar o treino como veículo para a performance de elite quando ela realmente interessa é um passo para que todos os intervenientes falem a mesma linguagem e comunguem dos mesmos princípios. Pode evitar os maus hábitos comportamentais dos adultos nas bancadas em jogos de formação e que se ponha um grupo de 30 miúdos a rematar à baliza, um a um, porque se falhou um golo de baliza aberta no domingo passado e é preciso treinar a finalização. Há formas mais proveitosas e divertidas de por um miúdo a jogar à bola durante a semana.

6 Comentários

  1. Excelente artigo.

    Ainda há muita coisa para evoluir/mudar em Portugal (falo Portugal porque não sei como é a realidade nos outros países), desde mentalidade, metodologia e até modelos competitivos.
    Um modelo competitivo adequado às idades pode ser um bom impulsionador de uma mudança de mentalidade.

  2. Artigo espectacular.
    Como já partilhei neste blog, sou treinador de formação de sub-9 mas sem grande formação teórica (de faculdade) na área, sou um pouco auto-didata e gosto imenso de seguir os vossos conteúdos que dizem respeito à formação.
    Já estava alerta para estas diferentes janelas de oportunidade que vão surgindo ao longo dos anos de formação.
    Poderiam ser mais específicos sobre que aspectos (técnicos, físicos e psicológicos) devem ser trabalhados em cada idade?
    Obrigado pelo vosso contributo e grande impacto no meu trabalho.

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