A era da Estratégia – O novo jogo

A última década no futebol foi marcada pelo aparecimento do modelo.

José Mourinho foi um dos maiores inovadores e influenciadores do futebol mundial, pela forma como começou a desenhar o modelo de jogo, assente em comportamentos predeterminados para cada momento do jogo, e dentro destes para cada zona, ou fase.

Durante mais de uma década, inúmeros treinadores descobriram o modelo, trabalharam-o, aperfeiçoaram-no. Hoje, falar-se em modelo de jogo é corriqueiro, e não há sequer a noção de que há não tanto tempo assim, os treinadores somente modelavam as bolas paradas. O jogo não era sistematizado, nem para compreensão, nem como preparação para a competição.

Depois do “boom” gigantesco do modelo de jogo, que veio mudar completamente o lado táctico do jogo, a forma como as equipas se apresentam dispostas no campo, e como se comportam, está a chegar a era da estratégia.

Como em tudo na vida, é nas dificuldades que se cresce, que se procuram soluções para ultrapassar as barreiras. Nos dias de hoje todos têm o seu modelo, e o passo seguinte já está a ser dado pelos mais inteligentes. Estamos na era da estratégia. Na era em que os vídeos correm à velocidade da luz, vencer vai muito para além do modelar, tão típico da década passada.

Hoje, o próprio processo de treino tem de ser virado para a competição seguinte, para o jogo que virá. Sobretudo quando se fala em forças de valores equivalentes, mas não apenas, é no perceber os comportamentos chave do adversário, e preparar o seu antídoto durante a semana, que está o passo seguinte. Na análise dos comportamentos e no desmontar dos mesmos. Na estratégia provocar constrangimentos ao adversário, que nos aumentem as possibilidades de vencer.

Ainda são alguns os treinadores demasiado presos ao seu modelo, e ao caminho até à morte com o seu modelo. E até à morte irão, quando no jogo o importante não é morrer com ideias imutáveis. É adaptar e não morrer. Vencer!

Por exemplo:

Jogo contra o Benfica. Sabemos como funciona a transição defensiva do Benfica quando entra no último terço. No seu posicionamento ofensivo, os laterais já estão próximos dos alas adversários, para que após a perda possam controlá-los, ou acompanhando se eles forem embora para receber na frente, ou apertando se eles quiserem receber no pé, e sabemos que após a perda, o Fejsa vai encostar nas costas do médio mais ofensivo, para que não seja referência para receber.

Então, sabemos que na perda no último terço, vai haver espaço nas costas do Fejsa, porque ele é atraído ao médio ofensivo, e que os laterais só baixarão se os nossos alas dispararem.

Estar mais próximo de vencer ou incomodar o Benfica, não é sair com os nossos alas ou médio ofensivo / segundo avançado a pedir no pé, só porque o meu modelo assim o contempla! porque o Grimaldo, o Fejsa e o Almeida vão abafá-los e a bola rapidamente mudará a posse de novo, sem saída para ataque rápido. Mesmo que no meu modelo eu até priorize um primeiro passe para um destes elementos para iniciar condução.

Estratégia, é percebê-lo, e ser criativo para desenhar uma possível forma de chegar às costas do Fejsa. Mas como? Ter por exemplo, na recuperação, o avançado a mostrar-se para receber o primeiro passe. Mas porque sei que um dos centrais do Benfica sairá com ele para matar em falta enquanto está de costas, na recuperação, coloco logo um elemento diferente do que o Fejsa vai apertar, a saltar na frente para receber a bola de frente, proveniente do avançado que se mostrou para o primeiro passe. E ai, se tenho os alas sem comer metros… os laterais deles também não baixam no imediato, e consigo sair com um 2×2 contra os centrais do Benfica, e um deles desposicionado porque veio acompanhar o apoio frontal do meu avançado!

Ou por exemplo:

Vou jogar contra o um treinador que marca sempre HxH a campo todo, e sei portanto que os extremos desse meu adversário, defendem sempre individual a campo todo. Que importa que no meu modelo, na minha organização ofensiva eu queira os laterais a darem logo muita profundidade na primeira fase? Isso só vai levar os meus adversários para espaços que eu quero conquistar posteriormente! Estratégia é percebê-lo, e na primeira fase abrir bem os laterais, mas deixá-los bem baixos, para aumentar a distância entre os extremos e os médios do adversário. Assim, já tenho a minha primeira fase de construção facilitada, porque é fácil colocar a bola por entre adversários e fazê-la chegar logo à zona de criação nas costas de médios e avançados adversários. Como sei que os extremos seguirão os laterais, então posteriormente, depois de os ter atraído para abrirem e estarem subidos para a bola entrar, faço subir os laterais, somente como engodo, para trazer os extremos deles para baixo, para que quando se der a perda, não ter de levar com um jogo partido, com um adversário logo com extremos colocados em profundidade à espera da bola para ir para cima, e sem terem demasiados metros para comer.

Cada vez mais o sucesso chega do constrangimento que colocas no adversário, partindo da análise do seu comportamento. E somente desníveis brutais em termos individuais poderão fazer alguém ganhar centrando-se unicamente no que são os seus comportamentos.

A era do modelo foi uma evolução tremenda no jogo. Todavia, quem continua a pensar que ainda ai estamos, está cada vez mais a ficar para trás…

 

Sobre Paolo Maldini 3828 artigos
Pedro Bouças - Licenciado em Educação Física e Desporto, Criador do "Lateral Esquerdo", tendo sido como Treinador Principal, Campeão Nacional Português (2x), vencedor da Taça de Portugal (2x), e da Supertaça de Futebol Feminino, bem como participado em 2 edições da Liga dos Campeões em três anos de futebol feminino. Treinador vencedor do Galardão de Mérito José Maria Pedroto - Treinador do ano para a ANTF (Associação Nacional de Treinadores de Futebol), e nomeado para as Quinas de Ouro (Prémio da Federação Portuguesa de Futebol), como melhor Treinador português no Futebol Feminino. Experiência como Professor de Futebol no Estádio Universitário de Lisboa, palestrante em diversas Universidades de Desporto, Cursos de Treinador e entidades creditadas pelo Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ). Autor do livro "Construir uma Equipa Campeã", e Co-autor do livro "O Efeito Lage", ambos da Editora PrimeBooks Analista de futebol no Canal 11 e no Jornal Record.

6 Comentários

  1. Boas maldini. Concordo muito com a análise e realmente é algo que tenho vindo a refletir ao longo do tempo. Mas assalta-me sempre uma dúvida. Na pre época por exemplo k direção levam os teus treinos? E outra que analisando o adversário também posso ver um adversário k se adaptou ao outro k também usará uma estratégia para mim. Que achas disso?

  2. Agora faz uma com as fraquezas do scp e do fcp que este blog já está demasiado conhecido entre os treinadores e tu sabes bem mais que a maioria! Não dês ideias!! Aha

    • Vasco, isto é finalmente o elogio ao RV, não é bem em forma de elogio, como o mesmo merece, mas é o que se pode arranjar….e de qualquer das maneiras não me parece que se tenha desmontado nenhuma fraqueza do jogo de RV, antes pelo contrário…. continuem a tentar….RV muito à frente, como treinador, e nunca desassociado, como Homem….mas no final, onde se fazem as contas, aqui, o melhor é sempre o Mestre da Táctica, Jorge Jesus….haja paciência….
      Eh Patron!!!!!

  3. Estás a ajudar a concorrência do Benfica pá! Não me admiraria nada se alguns dos treinadores da primeira liga viessem aqui espreitar dicas!

  4. Porquê separar o modelo de jogo da estratégia? Porque não uma união entre os dois?

    No sentido de teres o teu modelo de jogo. Como queres saír na construção, que posicionamentos na zona de criação, etc etc. Aliado a isto, ao teu modelo de jogo e princípios, adapta-lo todas as semanas consoante o adversário. Aí residir a estratégia, do género: “Tenho este modelo de jogo. Dentro deste modelo, e podendo alterar o que for necessário consoante o adversário, que estratégia para obter a vitória?

    Para quem joga e com tão pouco tempo para treinar, porque não criar ideias base, mas mutáveis, para que os jogadores apreendam melhor e mais rapidamente o que pretendes?

    Não sei se fui muito claro na ideia que estava a tentar passar…

    Esses exemplos que deste são deliciosos. De quem realmente percebe o jogo!

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