Do bairro aos grandes palcos – o gesto de Gelson Martins

Ainda a propósito do momento que retirou Gelson do clássico que a sua equipa viria a perder. Nos minutos finais de uma partida que se adivinhava empatada, Gelson contribuiu decisivamente para a vitória do seu clube e tirou a camisola para mostrar ao mundo e a Rúben Semedo, num momento de vida pessoal muito complicado, a amizade que os une –  “Contigo até ao fim”.

Nos dias seguintes, muito se falou sobre que medidas deveria o seu clube adotar perante este comportamento. Mas o que mais causou discussão foi uma crónica sobre a educação e os valores do rapaz Gelson Martins, com uma onda de indignação entre adeptos de vários clubes.

Gelson compete todas as semanas ao mais alto nível, onde todos os meninos que jogam à bola nos pelados ou nos pavilhões e relvados xpto sonham chegar. Não é conhecido por ser um jogador maldoso, respondão aos árbitros, ter conflitos com colegas ou adversários, não tem vermelhos diretos no futebol profissional.

Se é verdade que cresceu num meio social pobre, como é referido na crónica, não é verdade que se possa depreender que sofre de pobreza de valores. Demonstrou empatia pelo sofrimento de um amigo.

Claro que ficou impedido de trabalhar para o seu clube num jogo muito importante que se avizinhava. O seu clube decidiu, pelo que se sabe publicamente, não punir o jogador por esse comportamento. O clube onde Gelson cresceu e que tão bem conhecerá o menino que está a cumprir o sonho e que tanto tem dado ao clube. Quais as consequências da punição? Da punição pública? Tantas vezes se culpa o futebol de falta de ética e de tratar os jogadores como carga de trabalho e esta opção pode marcar a diferença.

Muitos dos nossos ídolos neste desporto vieram do bairro, da favela, etc. Muitos outros miúdos não atingem o topo, apesar das capacidades técnicas, fruto das dificuldades dos meios onde crescem. A resiliência é a capacidade de adaptação e superação da adversidade. Não é uma característica puramente individual e para ela contribuem vários fatores sociais. Não há dúvida que muito se pode e deve fazer para que a pobreza não seja um impedimento ao bem-estar social e de saúde física e mental. A prática desportiva está associada positivamente ao fomento dessa resiliência. Num momento em que tantas vezes o futebol é visto como uma escola de maus valores, talvez a ação de Gelson e do Sporting CP contribua para a humanização do fenómeno.

Claro que, concordando com a conclusão dessa crónica, um bom psicólogo poderia ter um papel em toda esta história. Conhecendo a vontade de Gelson, e pensando na necessidade que o clube tem do seu rendimento desportivo, poderia encontrar-se outra forma de o jogador demonstrar a sua solidariedade com o amigo sem um comportamento que motivasse a exclusão do jogo seguinte. Mas não para lhe dar educação, que essa ele tem demonstrado pelos relvados nacionais e internacionais e o seu clube e família têm certamente um papel nisso.

5 Comentários

  1. Excelente texto! A forma como muitos responsáveis lidaram/comentaram este caso, mostra, infelizmente, a falta de valores fundamentais para uma sociedade verdadeiramente Humana. O futebol tinha tudo para ser 100% positivo, mas amanhã está o Bdc e o J.marques e os mails…a dar uma imagem 99% negativa deste jogo.

    • Pois estão, cá para fora, correspondendo à ânsia do público de chafurdar no esterco.

      No entanto, penso que o clube demonstrou alguma sensibilidade nesta situação.

      Um abraço,

    • E a imagem das constantes polémicas que envolvem o Benfica? Ou a culpa disto tudo é do BdC e/ou do FJM?

      Acho ridículo esse tipo de comentários que demonstram bem o clubismo.

      Importante também refletir sobre o “timing” em que acontece o erro do Gelson. Após 90 minutos de jogo, de um jogo com elevada intensidade(não apenas física) e com tanta coisa que lhe devia ir nessa altura na cabeça.

      Não acho condenável, apesar de ser uma atitude que prejudicou o clube.

      • Realmente, não sei se o pior é fazer comentários como o primeiro ou como o seu. Responder a clubite com clubite ao cubo é giro.

  2. De facto, aquele palhaço que escreveu o artigo de opinião aqui referido merece total desprezo. E tenho pena que não se abordem aqui questões como o racismo, o preconceito, a descriminação. O CR vem de um meio se calhar mais pobre do que o Gelson e, perante uma alarvidade de parvoíces que o rapaz tem feito fora de campo, não me lembro de alguma vez alguém se ter referido ao CR nestes termos ou parecidos, sequer. Para além do mais, são atitudes arrogantes e paternalistas, de gente rica, que por causa disso se acha no direito de debitar moralismos e grandes ideias sobre a sociedade em geral e sobretudo sobre os mais desvaforecidos – como se tivessem capacidade para o fazer. Não têm. E, pior do que isso, não são humildes para reconhecer que o desconhecimento e a arrogância é a morte do artista. Muito mau. O Gelson é um excelente jogador e tem tido uma atitude fantástica. Não merece que o crucifiquem desta forma apenas porque cometeu um erro – e acredito que o próprio reconhece que cometeu um erro. Acontece e ainda por cima foi de boa-fé! Bola prá frente. Um ponto também para a forma como o Sporting resolveu a questão.

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