Saúde Mental no Desporto – das necessidades básicas à mente de campeão

No seu livro “Psiquiatras – uma história por contar”, Jeffrey Lieberman, ex-Presidente da American Psychiatric Association, apontou a luta contra o estigma sobre a doença mental como o grande desafio da psiquiatria para o século XXI. Nessa luta, são muito importantes os testemunhos de figuras públicas sobre dificuldades do foro mental por que passaram, incluindo políticos, artistas e atletas. As últimas semanas têm sido férteis nesses mesmos testemunhos, aparecendo, nacional e internacionalmente, atletas de várias modalidades a relatarem os seus problemas de saúde mental.

Os tópicos abordados são tão díspares que englobam estados depressivos, ansiedade pré-competitiva grave com impacto orgânico, ataques de pânico durante a competição e, inclusivamente, suicídio consumado. É possível ainda encontrar relatos de atletas de topo a darem conta de problemas relacionados com uso e abuso de substâncias, incluindo substâncias dopantes e álcool, insónia, Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção ou descontrolo emocional com comportamentos agressivos.

É verdade que muitos destes relatos vêm de atletas que conseguiram manter-se no topo e continuar a ganhar, mas também, alguns deles, a darem conta de uma explicação possível para quebras de performance nalgum momento das carreiras. Pelo aparato mediático e constância do sucesso, os atletas são vistos como máquinas humanas, mais ou menos imunes a este tipo de problemas. A verdade é que não há evidência científica de que a prevalência de perturbações mentais, com diagnóstico psiquiátrico, seja inferior nesta população específica, comparativamente com a população geral – a evidência é de que a prevalência é semelhante. São humanos com características excepcionais, mas não são super-homens. O argumento do bem-estar financeiro é também utilizado como forma de minimizar os problemas por que passam, por exemplo, os futebolistas. Mas nem todos os jogadores são milionários nem quando, na pirâmide motivacional do jogador, estão em carência as necessidades mais básicas do bem-estar, o dinheiro chega para supri-las. Assim como é mais difícil ter espaço mental para o alto rendimento, quando o rendimento mais básico está perturbado. Em analogia, alguém com privação alimentar, antes de suplementos proteicos para melhorar o rendimento no treino, precisa de comida. A alta performance necessita, antes, que as necessidades básicas estejam garantidas.

Claro que a maioria dos jogadores é saudável e o acompanhamento psicológico próprio nesse contexto tem outras particularidades. A Psicologia do Desporto visa, com técnicas próprias, tornar o normal em excepcional e, bem aplicadas, essas técnicas podem prevenir doença mental e promover a construção de uma boa estrutura psíquica. O tratamento das perturbações mentais visa restaurar a patologia em normalidade. Aliar ambas as intervenções, num contexto global, seria naturalmente o desejável. As perturbações psiquiátricas precisam de ser tratadas de forma apropriada e é possível hoje, com a Psiquiatria moderna, tratar de uma forma eficaz a grande maioria dessas doenças. No entanto, um conhecimento específico do desporto e do alto rendimento é necessário, não só para enquadrar a psicoterapia verbal com as técnicas psicológicas de alto rendimento, como também para seleccionar os psicofármacos mais apropriados e menos lesivos da performance desportiva; isto, numa noção de que o atleta deve permanecer integrado no grupo e na sua dinâmica desportiva.

Desta forma, sabendo que este tipo de dificuldades existem, com consequências como a desistência do desporto, quebras de performance ou fenómenos ainda mais graves, não faz sentido rejeitá-las devido ao estigma com que estão ainda envolvidas.

1 Comentário

  1. Não era já tempo de abordarem o clima de “guerra sem quartel”” que passa pelo futebol? É que a maioria dos players comportam-se como não tivessem nada a ver com ele. De qualquer forma, o direito a falar ou ficar calado.

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