O modelo que se compõe, e a minha versão da história dos “capatazes”

Se há algo que a que foi provavelmente a melhor equipa da história, o Barcelona de Pep, provou ao mundo, foi a superioridade dos factores de rendimento que sempre defendi como prioritários por cá. O lado cognitivo em detrimento dos aspectos físicos.

Nada resultará melhor do que um onze composto por onze jogadores com uma inteligência e criatividade suprema, que lhes permita, em conjunto com a sua muita qualidade técnica, resolver problemas, e mais do que isso, provocá-los na oposição.

Jogadores como Iniesta, Xavi, Kroos, Modric, Isco, Verrati, terão de estar sempre nas melhores equipas do mundo. E reunindo estas os melhores intervenientes, e por melhores entenda-se, não os que têm muitos momentos de notoriedade, mas os que definem sempre a um nível supremo, e que portanto, a cada jogo se aproximam de uma percentagem de acerto das suas acções próxima dos noventa por cento, estas equipas não necessitarão de “capatazes” ou “protectores” do talento dos colegas.

Porque se a equipa tiver, como tinha o Barcelona, um nível tão elevado, raros são os momentos sem bola, pelo que se torna menos necessário a presença de tal perfil de jogador.

A grande questão, é que não há no futebol mundial jogadores de nível tão alto (como Iniesta, por exemplo) em quantidade suficiente para que se possam preencher equipas e equipas só com meninos capazes de antes de tudo o mais, tratar a “menina” com a “reverência” desejada.

Ou seja, o mesmo Barcelona se no lugar de Xavi e Iniesta tivesse outros jogadores, mesmo que muito capazes com bola, mas incapazes de ter a percentagem de acerto próxima dos dois magos, teria mais perdas, não controlaria tão bem o jogo com bola, e seria obrigado a parar mais transições adversárias na zona intermédia. E se calhar, se não tivesse Sergio (soberbo em todos os momentos), precisaria de ocupar a posição com o tal perfil “Fejsa”, em vez de um jogador com mais qualidade nos momentos ofensivos.

Infelizmente, não há no futebol um número tão grande de jogadores com uma qualidade tal que torne possível abdicar em todas, ou até em várias equipas, de jogadores cujos traços defensivos são mais notórios.

Em suma, por exemplo, pode ser muito interessante imaginar um Benfica com Pedro Rodrigues no lugar de Fejsa. A questão é que à frente do seis encarnado, jogam vários jogadores cuja percentagem de acerto não chega sequer perto dos oitenta por cento. Pizzi, Rafa, Salvio, Zivkovic, Cervi são todos jogadores, que independentemente das suas qualidades, têm várias perdas, e o Benfica enquanto equipa será sempre melhor enquanto tiver Fejsa a resolver os problemas que os colegas causam, quer pela forma reactiva e inteligente como se move na transição defensiva, quer como equilibra a equipa em organização, do que partindo com mais um jogador capaz de criar. Mas, se calhar no Barcelona de Pep, entre um ou outro, a escolha já recairia em Pêpê. Porque jogar nas costas de Iniesta não é o mesmo que jogar nas costas de Pizzi… O trabalho defensivo a que se é exposto não tem qualquer paralelo.

E se os próprios grandes em Portugal, numa liga tão desnivelada, têm tido problemas para abdicar deste tipo de jogador, como poderá sequer um Rio Ave pensar em jogar sem alguém mais disponível para as tarefas defensivas, quando não há um único jogador na sua equipa que tenha nível suficiente para um jogo próximo dos “oitenta e cinco / noventa por cento limpo”. Quanto mais todos!

Talvez não seja fácil entender, mas não há um só futebol. O facto de o Barcelona ter provado algo ao mundo, não significa que esse caminho seja possível para todos, e até o melhor para todos! Era o caminho possível e o melhor para o contexto Barcelona. Entenda por contexto atributos e qualidade de todo o seu onze!

Para aqueles que estão no terreno, por certo que já experimentaram na vossa realidade, os jogos defesa contra ataque. Quem vence 9 em cada 10 desses jogos? Muito provavelmente no Barcelona seriam nove vitórias para os do ataque, porque o nível de acerto não permitiria bola à defesa. Mas e na vossa realidade? Quem vence sempre esses jogos?

Infelizmente, parece quase utópico voltar a reunir-se um leque de jogadores do nível do Barcelona de Pep. Até lá, cada um trilhará o seu caminho, sendo que maximizar as hipóteses de vencer não tem uma fórmula fixa, e tudo o que pense diferente para um fundamentalismo, de qualquer um dos lados, virá sempre somente de quem, citando Vitor Pereira “Não treina, e como não treina, imagina uma coisa, e imagina que bate certo. Como não treina, nunca bate contra a parede, e vai continuar a crer que o que imagina resulta…”

Quando não for possível, quando verificar que o plantel não dá para o fazer, temos de optar por outro caminho, pois também o faremos, mas já o farei a violentar-me um pouco mas é a minha profissão e muitas vezes nós temos de percorrer caminhos que não defendemos a 100 por cento, mas que para rentabilizar alguns plantéis temos de o fazer porque acima de tudo as instituições querem é ganhar e nós temos é de dar vitórias

Luís Castro

E é por não haver fórmulas fixas, que o Atletico de Simeone já se sagrou campeão, e disputou duas finais da Liga dos Campeões, quanto até à sua chegada era uma equipa inexistente. É por não haver fórmulas fixas que o United de Mourinho nos últimos dois meses bateu City, Liverpool, Chelsea e Tottenham! Não o entender é não perceber nada da dinâmica que um jogo de futebol tem.

Sobre Paolo Maldini 3828 artigos
Pedro Bouças - Licenciado em Educação Física e Desporto, Criador do "Lateral Esquerdo", tendo sido como Treinador Principal, Campeão Nacional Português (2x), vencedor da Taça de Portugal (2x), e da Supertaça de Futebol Feminino, bem como participado em 2 edições da Liga dos Campeões em três anos de futebol feminino. Treinador vencedor do Galardão de Mérito José Maria Pedroto - Treinador do ano para a ANTF (Associação Nacional de Treinadores de Futebol), e nomeado para as Quinas de Ouro (Prémio da Federação Portuguesa de Futebol), como melhor Treinador português no Futebol Feminino. Experiência como Professor de Futebol no Estádio Universitário de Lisboa, palestrante em diversas Universidades de Desporto, Cursos de Treinador e entidades creditadas pelo Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ). Autor do livro "Construir uma Equipa Campeã", e Co-autor do livro "O Efeito Lage", ambos da Editora PrimeBooks Analista de futebol no Canal 11 e no Jornal Record.

10 Comentários

  1. (Mais um) Excelente artigo !!!
    Leio isto depois do jogo contra o tondela, em que mais uma vez me questionava durante todo o jogo o porque de se jogar com um jogador como samaris tendo tanta qualidade em meninos como o Pêpê ou Gedson para nomear um que não está emprestado.
    Uma liga perdida pelo benfica num ano em que regrediu e não evolui, o azar da lesão de krovinovic não pode justificar tudo … a equipa do benfica sem fejsa defensivamente e mais que banal … as perdas de bola são constantes nesta equipa falham passes atrás de passes quando joga fejsa é disfarcado em muito com a sua pronta recuperação quando não o tens é muito fácil andar se atrás da bola … mas esta é a minha humilde opinião.
    Abc

  2. “…não treina, e como não treina, imagina uma coisa, e imagina que bate certo. Como não treina, nunca bate contra a parede, e vai continuar a crer que o que imagina resulta”

    Sem que o seguinte esteja totalmente relacionado porque Vitor Pereira pensa primeiro em modelo, treino, opções para a sua equipa no jogo, essas palavras lembram uma leitura recente onde se lê (Jorge Valdano). Alguma (pouca mas existente) relação tem justamente a ver com aquilo que se controla e aquilo que se imagina que se controla (e não controla): “É absolutamente impossível porque existem tantas variáveis, decisivas, que se resumem ao acaso. Nós (treinadores) achamos que depende de desempenho, ou do árbitro, mas há outros factores que são completamente casuais e que têm uma influência enorme no jogo. Porque no final um remate que bate no poste – e entra ou sai – não representa apenas um objectivo da época, mas toda uma mudança de humor de um lugar para o outro. A cadeia de consequências dependente de uma bola no poste é muito maior do que pensamos. Quando estás na posição de treinador tentas controlar todas as variáveis, o que te conduzirá directamente para a melancolia.”

    E já agora sobre os capatazes, quando Valdano (1994) com o Real Madrid roubou o título ao bicampeoníssimo Barcelona de Cruyff, arrumando-os com um 5-0 pelo caminho: “We didn’t just take the league off Barça,” said Valdano. “We took the ball off them.” Valdano jogava com Fernando Redondo, Amavisca, Luis Enrique, Laudrup, Raúl e Zamorano. Sem capatazes, portanto, e com Raúl numa ascensão meteórica do Real Madrid C.

    O Maldini tem razão, obviamente (sabe mais disto num dedo que nós todos juntos), mas no caso de Mourinho e do Manchester United torna-se complicado arranjar uma desculpa. É mau demais o que o M. United joga, jogo esse que não se compara minimamente com o Atlético de Simeone. Simeone nos últimos 6 ou 7 anos dá 7-0 a Mourinho sem dificuldade, não significando tal que uma equipa de Simeone (seja ela qual for) dê 7-0 a uma equipa de Mourinho (seja ela qual for), com ou sem dificuldade. Simeone é tão bom e o seu impacto é tão grande que o Atlético é bem capaz de ser um destino pouco ou nada recomendável a J. Jesus. Estou disso mais ou menos certo.

  3. Se calhar os homens da frente tem tantas perdas de bola porque estão entregues a sua capacidade técnica e não a ideias colectivas e aí se calhar já poderias jogar com um 6 diferente…

      • Não é assim DS, doutro modo “Se calhar o Quique não percebe nada daquilo, ou se calhar o Paulo Sérgio não entende nada daquilo, razão tinha o Dejan Savicevic que escreve no twitter!”.

        Os adeptos não têm de perceber mais do que os treinadores. Têm somente de (aqueles que têm, longe de uma maioria) prestar atenção a quem percebe (prestar atenção ao que escreves, por exemplo) mas mais importante do que isso, chegar a conclusões olhando os exemplos de tantos outros treinadores e tantas outras equipas. O piloto mais lento na grelha não passa a bom só porque conduz o F1 muito mais depressa do que tu. Ele é lento na comparação com os outros pilotos que são mais rápidos. Não é preciso conduzir um F1 para vê-lo.

      • Confesso que esse argumento, repetido até à exaustão nos últimos meses de blog me incomoda um pouco, até porque é um claro exemplo de um argumento que se enquadra no apelo à autoridade, o que é filosoficamente falando, uma falácia lógica.

        Quem treina o Benfica, terá certamente muito mérito para lá ter chegado, pode haver exceções mas é assim na grande maioria dos casos, e quase de certeza que o Rui Vitória é melhor treinador que quase todos os que falam de futebol por aí fora, mas isso não implica que esta malta que não tem nada a ver com o futebol profissionalmente não possa olhar para o jogo e ver que há coisas mal feitas, que pode ser feito de forma diferente e que tenha até ideias melhores que o RV, agora se são melhores treinadores? Não, nunca treinaram, nunca passaram da teoria à prática. Mas podem perceber de futebol, podem falar dele livremente e criticar o treinador e dizer que a equipa joga mal, que há x e y coisa que é absurda, é óbvio que podem!

        Por isso porque é que é descabido dizer que se o benfica jogasse de outra forma podia ter um 6 diferente? Porque é que é descabido dizer que se o FC Porto jogasse de forma diferente, o Oliver teria mais espaço? Eu nem estou a dizer que isso é melhor só estou a dizer que é algo que na minha opinião é verdade e não preciso de treinar profissionalmente para o dizer. Mas o texto é bom e fala de algo importante para a análise das opções do treinador, é sempre importante pensar no que se ganha e no que se perde com jogadores de determinado perfil enquadrando isso no modelo coletivo.

  4. Pois, mas o texto surge em resposta a um outro em que se fala dos capatazes como sendo inevitável. E agora vens lembrar que não, que não é inevitável. Não percebo o estrilho. Agora, se é para repetir mais uma vez o autoritarismo do quem está fora não racha lenha então podes fechar isto e meter só para profissionais. Também não percebo a repetição destes argumentos fraquinhos e completamente merdosos, que no fundo querem fechar o debate, como se isso fosse possível! Até porque, tirando o Maldini, os outros não os conheço de lado nenhum e não faço a mínima ideia do que fazem na vida. Acho que qualquer pessoa com dois dedos de neurónios percebe que quem anda lá dentro tem outros argumentos para analisar as situações. Não estão a falar com criancinhas.

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