Factores que separam o sucesso do fracasso – A organização defensiva do Burnley de Sean Dyche

Phil Jackson, o mítico treinador dos Chicago Bulls dos anos 90 e dos Los Angeles Lakers da primeira década do Século XXI eternizou na pedra uma das frases que marcou, nos anos subsequentes o pensamento de centenas de treinadores das mais variadas modalidades, inclusive do futebol. Em 1996, aquando da conquista do 4º anel de campeão ao serviço da mágica formação de Chicago no espaço de 6 temporadas (se Michael Jordan não tivesse realizado um hiato no meio desse registo em memória do seu pai, entretanto falecido, não tenham dúvidas que hoje estaríamos a recordar 8 títulos conquistados de forma consecutiva), “Mister Zen” afirmou que “um bom ataque conquista vitórias, mas só uma boa defesa seria susceptível de conquistar títulos” – De 1989, ano em que assumiu os destinos da formação de Chicago até 1995, ano que alterou por completo a esquemática táctica de uma equipa tricampeã com a entrada de novos outputs, Jackson viveu essa problemática\necessidade na primeira pessoa, não obstante os títulos já conquistados pela equipa de 1991 a 1993. Recuemos dois anos no tempo. Quando Jackson assumiu o comando técnico da equipa, a primeira coisa que vislumbrou no comportamento assumido pela equipa nos últimos anos foi o óbvio: os Bulls já possuíam de longe, há 3 temporadas aquela parte, o mais virtuoso jogador da Liga, e um conjunto de jogadores com um bom desempenho ofensivo, casos de Scottie Pippen, Bill Cartwright ou Horace Grant, mas, quando eram chamados a jogar, nos playoffs, contra equipas com um mindset mais defensivo, baqueavam. E baqueavam porquê? Não porque o seu desempenho ofensivo fosse mau mas porque o desempenho defensivo das outras equipas, como o dos Bad Boys de Detroit era superior a qualquer outra equipa na Liga naquela era. Jackson tratou nos anos subsequentes de suprir as lacunas dos Bulls neste aspecto, em duas fases: na primeira, de 89 a 93, tratou de transformar as duas máquinas ofensivas que possuía (Jordan e Pippen) em dois defensores monstruosos. Concluído este trabalho, em 1995, decidiu completar o ramalhete adicionando Dennis Rodman à equipa para fechar o acesso ao jogo interior. Em 1996, os 3 seriam nomeados para a equipa defensiva do ano da Liga.

Contou Guardiola em entrevista há uns anos que, certo dia, estando o plantel do Barcelona em La Masia pronto a embarcar para um desafio em Osasuna, Romário nunca mais aparecia na concentração. Ao final de uma hora de espera pelo baixinho carioca, o “pulguinha” José Maria Bakero, jogador detentor de uma extasiante pilha eléctrica e de um poder aéreo incrível para os seus 169 centimetros, encheu o peito de ar e dirigiu-se a Johan Cruyjff para pedir justificações:

“Míster…” – disse Bakero com o mais indignado dos ares – “Não podemos continuar aqui à espera de Romário… Neste clube é inaceitável…”

Cruijff nem o deixou acabar a frase, conta Guardiola. “Por Romário esperamos o tempo que for preciso. Por ti, nem meio minuto…” – rematou. Bakero encolheu os ombros e guardou a viola no saco.

O velho Cruijff era sábio. Romário era a peça chave da sua mecânica defensiva. Dizia Cruijff uns anos mais tarde: “Defender em bloco médio? Desde que tenhamos lá na frente um avançado pressionante e consigamos encurtar o espaço entre linhas, a sua operacionalização está totalmente assegurada” – Para bom entendedor desta arte, meia palavra basta. Este era o aspecto que o holandês mais apreciava no baixinho fluminense.

Pessoalmente, ao longo de todos estes anos em que analiso o fenómeno desportivo, nunca acreditei nos chamados fins de ciclo. Os fins de ciclo não existem. Por mais vitoriosa que seja a equipa, por mais vitorioso que seja o atleta, por mais vitorioso que seja o treinador, há sempre qualquer coisa a melhorar num grupo de jogadores, numa estrutura, num modelo de jogo que já está implementado e operacionalizado nas várias dimensões do jogo, dadas as características dos jogadores iniciais que o treinador encontra, importantes para planear os primeiros passos do trabalho que se pretende construir (a identidade a construir, o modelo de jogo a seguir, o exercício que vai dar vida aos comportamentos que pretendemos ver observados nas 5 fases do jogo, considerando as bolas paradas como uma fase à parte das outras, o e que acima de tudo, vai colocar a equipa a jogar como tu e os jogadores querem. Sim, há milhares de treinadores que não percebem que para além do seu pensamento, os jogadores tem vida e não são robots; importante é, no início de cada ciclo, apreciar as somas do todo e fazer os jogadores acreditar no teu modelo de jogo, importante é trabalhá-los afincadamente nos aspectos que consideras fulcrais para que eles se aproximem dos parâmetros que consideras válidos para a forma do teu jogar, mas importante também é, escutá-los atentamente para perceber onde é que face às suas sugestões podes complementar a tua ideia e a tua visão com as suas características, ideias e visões deles), nas características individuais dos jogadores. Por mais derrotado que seja um jogador ou um conjunto de jogadores, um treinador ou um clube, há sempre que lutar para reconstruir tudo do zero. Reconstruir tudo do zero mas com carisma, identidade e fidelidade a um conjunto de princípios, de preferência bons. Tenho por experiência própria, porque já tropecei nesta vida 999 vezes e já caí outras tantas, que serei sempre capaz de me levantar pela 1000ª vez com os meus princípios. Bielsa defende-o quando um dia afirmou: ”

“LO QUE NUNCA SE PUEDE HACER ES SUSTITUIR LAS CONVICCIONES”

Acredito que no dia em que um treinador consagrado e multi campeão numa determinada equipa deixar de sentir no seu interior que já não há espaço para melhorar essa equipa e que os problemas que esta gera estão todos resolvidos, provavelmente mais vale dedicar-se à pesca da lampreia do Rio Vouga porque o seu espaço no futebol acabou de expirar. Quem não procurar a melhoria contínua neste mundo, acaba por se afogar.

Para não me afastar mais do que assunto que me traz aqui, vamos ao Burnley de Sean Dyche:

De uma penada remato já a análise ao comportamento defensivo dos Clarets na presente temporada.

– Em termos gerais, Sean Dyche faz alinhar a sua equipa no sistema táctico 4x4x1x1. No que concerne ao comportamento e à disposição da equipa nas fases de organização defensiva, a equipa organiza-se preferencialmente num bloco baixo no seu meio-campo, compacto, na qual a defesa das zonas exteriores pertence aos dois extremos (que baixam, funcionando como laterais) e interiores aos 4 defesas, com os laterais muito colados aos centrais. Por vezes a equipa organiza-se nos seus últimos 30 metros num 6x3x1, disposição sistémica na qual os extremos funcionam como laterais e os laterais (Ward e Barsley) colam-se aos centrais, acrescentando mais 2 unidades na área em relação aos avançados das equipas que jogam com 2.
– À frente da defesa, o médio Jack Cork , cumprindo uma função especial neste sistema de organização patrulha o espaço à frente da defesa, sendo a primeira barreira de oposição aos remates de meia distância, processo em que toda a equipa se especializou com os resultados que se conhecem.

Dyche apercebeu-se imediatamente que, independentemente da sua visão, não tinha jogadores com características para praticar um futebol de posse. Operacionalizando uma equipa com jogadores mais vocacionados para um futebol de batalha, de combate no seu último terço, o Burnley passou uma época inteira a entregar a posse e a iniciativa à equipa adversária. Tal estratégia à primeira vista parece contrassensual com os objectivos do jogo mas não, não é. E já vamos perceber a razão pela qual a estratégia desenvolvida pelo irlandês não é contrassensual aos objectivos do jogo. Sendo uma equipa que passa grande parte do jogo a ser literalmente massacrada nos seus últimos 30 metros, seria de esperar que a equipa não conseguisse lidar com a avalanche de bolas que os seus adversários colocam na sua área. No entanto, Dyche tratou de trabalhar muito bem a equipa neste aspecto. Os seus dois centrais, Ben Mee e James Tarkowski e o seu trinco Cork são 3 dos jogadores com o melhor rendimento da Liga. Apoiados na área pelos laterais, como pudemos ver no vídeo supra postado, em termos de desvios a remates, desarmes e clearances (alívios efectivos de pé ou de cabeça), os 3 jogadores são dos que melhores números apresentam na Liga. Oferecendo pouquíssimo espaço entre linhas no seu último reduto, ou seja, não deixando o adversário praticar um futebol combinativo, pretendeu Dyche obrigar os adversários a dois processos:
1 – A realização de cruzamentos de longe
2- A execução de remates de meia distância.

Ao obrigar os adversários a cruzar de zonas recuadas, a missão dos defesas foi simplificada, bastando aos mesmos assumir os melhores posicionamentos possíveis face às zonas para as quais o adversário costuma enviar as bolas (atendendo às movimentações de área de cada referência ou referências para este tipo de jogo, porque não nos podemos esquecer que a Liga Inglesa é uma Liga onde algumas equipas tem muitos médios a marcar presença na área em zona de finalização) e a marcar bem os seus avançados, para jogar sempre em antecipação.
Por outro lado, a equipa também defende com alguma astúcia. Criando um certo espaço na linha média e a linha avançada, o Burnley de Sean Dyche incentiva os adversários a tentar aproveitar esse espaço para tentar realizar remates de meia distância, factor que aumenta o número de bolas desviadas pelos seus centrais e por Jack Cork. Quando um portador demonstra interesse em rematar de meia distância (exercendo uma mudança de postura corporal para o efeito), Jack Cork sai na bola para se constituir como a primeira barreira de remate. Os centrais, Mee e Tarkowski são exímios em posicionar-se neste momentos em posições estratégias que permitam bloquear os remates enviados para os ângulos superiores e inferiores da baliza. Se a bola for direccionada para o ângulo superior, Mee está numa posição que lhe permite desviar o remate. O que acontece aqui neste grandioso factor diferenciador é que o Burnley tem 4 barreiras de protecção à sua baliza aquando da execução de remates de meia distância pelo adversário: Cork, os dois centrais e o guarda-redes Nick Pope.

A eficácia revelada pela formação na protecção à sua baliza está à vista. A uma jornada do fim de uma Liga frenética, os Clarets já conseguiram o acesso às competições europeias com um incrível registo de 37 golos sofridos em 37 jornadas (1 golo sofrido por jogo), sendo a 4ª defesa menos batida da competição.

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