Porquê, Douto Jorge? Porquê?

Durante a tarde, estando eu longe de ver o festival de má construção ofensiva com que os leões nos brindaram na Madeira, no fundo mais do mesmo, cansativo, excessivamente mecanizado, repetitivo e previsível (para quem defende) futebol praticado pela equipa desde que Daniel Podence se lesionou (as trocas posicionais entre Gelson e Podence baralhavam totalmente as marcações; as tabelas realizadas entre os dois jogadores na ala direita permitiam a um irromper pela área adversária com a bola controlada, com tempo de sobra para poder definir com clareza e eficácia; claro está que quanto mais perto Gelson chega da área, mais irracional fica e pior decide; e pior decide porque ao longo de toda a sua formação, creio não ter havido um único treinador capaz de lhe mostrar que para além do drible, há certos momentos específicos que pedem decisões específicas e acções técnicas especificas, acções que Gelson de todo não possui porque em primeiro lugar não lhe foi ensinado que a utilização de cada acção técnica carece de uma boa decisão e em segundo lugar, não lhe foi totalmente potenciado o gesto técnico; logo, o jogador toma sempre a decisão e realiza a acção que lhe é mais confortável – se o drible lhe corre bem, continua a apostar no drible), incapaz de perceber outra estratégia para chegar ao último terço que não através da circulação pelos corredores laterais, incapaz de procurar chegar à área adversária por outras vias que não a do cruzamento à procura do seu avançado, totalmente desprovida de jogo interior, incapaz de, face a uma equipa extremamente bem organizada do ponto de vista defensivo, com uma organizada defesa a toda a largura do terreno, onde em momento algum esteve em inferioridade numérica, ter, um jogador capaz de na 1ª fase de construção entrar no espaço entre a linha média e a linha defensiva adversária para, por exemplo, recebendo um passe vertical dos centrais e rodando, obrigar a defesa maritimista a ter que se comprimir mais no corredor central, para depois soltar para as alas, criando mais espaço para os laterais progredirem com a bola no terreno ou libertar para um dos extremos, podendo aparecer o respectivo lateral no apoio em sobreposição (o facto dos laterais do Sporting não subirem no terreno é uma história que deixo para uma nova abordagem), mandei ao Maldini uma mensagem sobre uma ideia que vinha aqui a maturar na minha cabeça há alguns meses, fruto do desempenho da equipa nos lances de bolas paradas.

Escrevia eu ao Maldini nesse par de mensagens que a forma em como o Jorge defende as bolas paradas é totalmente paradoxal em relação aos objectivos gerais do jogo. A colocação de 10 homens (se alguém conhecer outro treinador que coloque tantas unidades na área na defesa a um lance de bolas paradas, faça-me o favor de me enviar a respectiva prova para quinzenasdecartas@gmail.com que eu farei questão de lhe pagar um belíssimo almoço em troca dessa informação) à zona na área, sem ter um único jogador no seu exterior (compreendo que Bas Dost face ao seu poderio aéreo seja uma mais valia nestes lances, mas, se a transição é normalmente armada por Bruno Fernandes, por exemplo, porque não colocar Bruno Fernandes no exterior da área, nas zonas onde previsivelmente pode cair o alivio promovido por um companheiro, para captar a 2ª bola? Se Gelson é o jogador mais veloz da equipa ou seja, aquele que mais rapidamente pode, colhendo a 2ª bola, armar uma transição em velocidade, acelerando-a, porque não colocar Gelson? Se Gelson é o jogador mais eficaz ao nível do drible, porque não colocar Gelson no exterior da área para cumprir esta função, visto que é o jogador mais dotado, por exemplo, para uma situação em que captando a 2ª bola com um jogador à ilharga pronto a sair na pressão, pode passá-lo dando tempo a algumas unidades da equipa para subir no terreno e apoiar a transição?) foi extraordinariamente eficaz ao nível da 1ª bola na presente temporada, mas aniquila por completo, repito por completo a possibilidade do Sporting poder transformar um alivio numa perigosa transição ofensiva susceptível de colocar problemas a um adversário. Esse é cada vez mais um factor decisivo no futebol moderno e efectivamente existem equipas que o exploraram com eficácia ao longo das últimas temporadas. Basta recordar, por exemplo, que, na chapa 5 infligida pelo Basileia ao Benfica no St Jakob´s Park para a Champions, um dos golos apontados pelos suíços nasceu precisamente numa situação análoga, na qual um jogador com características idênticas às de Gelson transformou um alivio defensivo a um canto encarnado numa transição em contra-ataque que redundou na obtenção de um golo.

Pior que não ter um ou mais jogadores colocados no exterior da área para colher as 2ªas bolas e dar início a uma transição ofensiva passível de colocar um novo problema ao adversário ou pelo menos, se não conseguir armar imediatamente uma transição ofensiva, capazes de segurar a bola para permitir que a equipa suba no terreno de modo a se reorganizar ofensivamente, é não ter um ou mais jogadores colocados no exterior da área para evitar que o adversário capte a 2ª bola e possa, através da colocação de um novo cruzamento para a área ou através da realização de um remate de meia distância, criar uma nova situação passível de redundar em finalização ou criar de facto uma situação de finalização. No fundo, ao não colocar um jogador ou mais jogadores no exterior da área para captar a 2ª bola, a equipa não é capaz de atingir 3 objectivos primordiais do jogo (avançar no terreno e invadir o espaço adversário, criar situações que lhe permitam alvejar a baliza adversária e criar problemas à defensiva adversária) como permite que o adversário possa ter uma nova oportunidade para investir e para alvejar a sua baliza.

Quando mandei as mensagens ao Maldini estava também longe de imaginar que um treinador consagrado, experiente, maduro, teimoso, muito teimoso, fiel às suas ideias e à identidade que constrói nas suas equipas, com o qual já aprendi muito e muito sinceramente espero que se venha a manter muitos anos no futebol para me ensinar mais sobre este jogo, seria capaz de alterar drasticamente o tipo de defesa que praticou ao longo de toda a temporada para os lances de bola parada defensivos para outro tipo de defesa, mudando radicalmente os princípios de jogo que tem trabalhado ao longo dos últimos anos (com relativa eficácia defensiva, pesem embora as vicissitudes que identifiquei no parágrafo anterior) e dos quais se gaba à boca cheia ter sido, no que concerne ao futebol nacional, o principal “criador”, preconizador e até revolucionário. O resultado foi o que se viu: uma falha de marcação de um dos centrais acrescida de uma falha (na antecipação, no ataque à bola) do jogador que estava encarregue de defender a zona para a qual o canto foi marcado (podendo actuar correctivamente sobre a falha de marcação do seu colega) redundou numa falha que custou um dos raros golos sofridos pelo Sporting nesta fase do jogo. Ainda há uns dias, a propósito de outro assunto citava Bielsa, quando este afirmou que em momento algum pode um treinador\ser humano mudar de convicções porque a mudança de convicções é por norma descaracterizadora dessa mesma pessoa. Um treinador com convicções, com ideias do jogo definidas, mas sempre disposto a aperfeiçoá-las lentamente, passo a passo, caso a caso, jogador a jogador, está sempre mais perto do sucesso do que aquele que as muda conforme o sabor do vento ou conforme o contexto que dita as tendências. E tal acontece por uma razão muito específica: um treinador com princípios bem estabelecidos sabe sempre onde é que está a meta e quais são os caminhos para chegar a essa meta bem como os meios que deve utilizar para realizar o seu caminho até à meta. Os que não sabem ficam a meio do caminho. E Jorge Jesus voltou a trair as suas convicções e a ficar a meio do caminho.

8 Comentários

  1. Faz um post deste também para o Benfica, pois do que ouvi também não jogou muito melhor do que o Sporting. O que diferenciou o acontecimento das coisas? Uma expulsão perdoada a Luisão na 1º parte e um pénalti ridiculo a favor das águias, bem como um anti-jogo ridiculo por parte dos jogadores do Maritimo que por certo não aconteceu no estádio da luz.

    • paulo, cuidado com essa doença. o luisão não teria que ser expulso de forma alguma. o adversário ainda está a vários metros da área e vem da esquerda ajuda. não é golo iminente.

      o penalty de alfa semedo é penalty em qualquer parte do mundo. e ficou um penalty claríssimo por marcar sobre zivkovic poucos minutos depois. anti-jogo do marítimo? lol. se o moreirense estivesse empatado mais tempo ia ser igual.

      cure isso e leia menos o saraiva e mais o lateral esquerdo. mas se calhar é do saraiva que você gosta, a julgar pelas tolices que escreveu.

    • Não percebo a necessidade de fazer um post destes para o Benfica, uma vez que o treinador do Benfica nunca se assumiu como o Mestre da Táctica. Também dificilmente o poderia fazer, mas isso são contas de outro rosário…

      O Benfica fez o jogo pobre que anda a fazer desde Setúbal, com dois intervalos para uma primeira parte em casa e um jogo no lado Norte da Segunda Circular. Mas, como disse lá no tasco, quando se joga com Varela, Douglas, Luisão e Sálvio, a este lado direito de sonho se junta Samaris, a verdadeira vitória do Benfica é ainda conseguir ir à Europa.

  2. Porquê? Porque está velho e ultrapassado. Neste momento, Jesus já não tem nível para um grande em Portugal. É isto já retirando o ordenado da equação

      • Estou confuso. Isto agora é um site de debate de futebol ou é um site de reviews de literatura contemporânea?

    • Nada disso, parágrafos longos mantêm o leitor em tensão (como um melómano à espera da tónica, ou um alemão à espera do verbo), ergo atento.

      Alem disso o conteúdo sempre foi, e será, muito mais importante que a forma.

      Brownie points pela alusão a Edite Estrela…

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