Pecados de Jesus

Depois de liderar o caminho para tantos treinadores em Portugal, Jorge Jesus já não é tão especial. Não que tenha perdido conhecimento ou capacidades, mas porque foi seguido, e hoje das dezoito equipas da Liga, dezasseis mesmo que partindo de sistemas tácticos diferentes, apresentam dinâmicas próximas daquilo que somente ele fazia há sete e oito anos atrás.

Guiou, foi guiado, e nos dias de hoje difícil é encontrar uma equipa sem organização colectiva. Sem princípios de actuação comuns, sem posicionamentos trabalhados.

O que faz emergir a importância de outras variáveis que nos tempos da desorganização não eram tão importantes assim. Mas, nos dias de hoje, podem ser o bocadinho extra para se chegar ao objectivo.

Sobre a liderança e o processo de treino, porque não estamos presentes, pese embora se poder adivinhar muito do que se faz, não iremos tocar.

Na era da organização e da estratégia, surge também como factor diferenciador, e passível de contribuir para aquele bocado extra que tudo determina no resultado final, a capacidade para se extrair o melhor de cada individualidade.

E é aqui que surgem dúvidas sobre as opções de Jorge Jesus. Opções que poderão ter sido o pecado capital para que num ano em que com tudo para ser campeão, o Sporting volte a terminar no último lugar do pódium. E de forma injusta, porque ao longo de praticamente toda a temporada, o Sporting de Braga foi bastante melhor, tendo sido unicamente penalizado pela má entrada na Liga.

  • Ainda que tenha sido a par de Bruno Fernandes, o melhor jogador do Sporting ao longo da temporada, Gelson Martins foi claramente desaproveitado pela opção de o colocar a jogar sempre no corredor central. Sim, para os mais desatentos, Gelson não foi extremo na presente temporada. Jogou ao lado de Bruno Fernandes nas costas de Bas Dost, no corredor central. Os seus movimentos foram maioritariamente de dentro para fora em ataque posicional, e somente em transição ofensiva encontrava espaço no corredor lateral. O perfil de decisão e a capacidade de desequilíbrio de Gelson, têm tudo a ver com o corredor lateral e muito pouco a ver com o central. Ainda para mais quando Bas Dost espera na grande área por ofertas…
  • Um jogador que poderia ter um rendimento tremendo jogando na posição que foi de Gelson? Matheus Pereira! Esteve em Chaves…
  • A opção por entregar os corredores laterais a dois jogadores sem qualidade ofensiva, sem criatividade, com algumas lacunas técnicas e cujo centro do seu jogo é todo ele físico, falamos de Piccini à direita e Acuña à esquerda naturalmente, é bastante discutível. Até porque muito tentava criar por fora… onde tinha ofensivamente os dois jogadores com mais dificuldades para o fazer…
  • Battaglia reúne nas suas características, muito mais do que o William, o que Jorge Jesus idealiza para a posição. A qualidade do português e provavelmente também o seu estatuto, levaram demasiadas vezes a que Jesus procurasse emparelha-los. Um erro claro em termos ofensivos. Se defensivamente, com Battaglia o Sporting foi mais forte nos momentos pós perda e no reequilibrar da equipa em Organização Defensiva, com bola, o Sporting não teve a qualidade de outrora nas costas dos avançados adversários, que é precisamente o espaço que outrora era ocupado por Adrien. Quando amiúde recorreu a Bryan para ai jogar, as melhorias foram evidentes…

9 Comentários

  1. Provavelmente o JJ passou o ano a tentar treinar o último terço do Gelson, por teimosia acreditou que ia conseguir mudar o perfil de decisão do rapaz – algo que acredito que seja o mais dificil de alterar, tento em conta que é um processo cognitivo. O lado esquerdo sempre chorou pelo Bryan – jogador mais criativo do plantel – e a ausência de Podence foi determinante no decorrer da época.
    Até com a chegada do Montero, só consigo imaginar: William + Bruno + Bryan + Montero, tudo jogadores com uma inteligência muito a cima da média, a explorar o jogo interior, com o Gelson a extender a ala direita e o Bas Dost a meter tudo lá dentro. Não consigo compreender como é que jogámos tão pouco o ano todo.
    Não sei se foi teimosia, cansaço ou falta de perspicácia mas nunca o JJ me desiludiu tanto.

  2. Mais uma excelente análise, donde destacaria a menção à justiça que seria o terceiro lugar o Braga e a extrema dependência de Gelson para desequilibrar em largura. Continuo a achar que Jesus é um grande treinador, mas a sua tática ficou sempre refém da falta de jogo criativo pelo lado esquerdo (curiosamente sempre achei que o Sporting tinha a resposta para esta lacuna em Matheus Pereira) e o Sporting ao resgatar o Ruben Ribeiro tentou resolver esse problema (mesmo assim a otimização deste jogador foi deficiente devido às demasiadas variações posicionais na sua fase de adaptação). O próprio Bruno Fernandes derivou demasiadas vezes para o lado direito (onde estava Gelson) devido a essa lacuna. A falta de desequilíbrio em toda a largura é comprovada pela reduzido número de golos marcados. Contudo acho que a organização defensiva do Sporting era das melhores em Portugal que só não foi melhor pela incapacidade de empurrar os adversários para a sua área. Noutros anos (especialmente no Benfica) o Jorge Jesus beneficiou de jogadores muito fortes nas alas o que permitia a criação, em quantidade e diversidade, de desequilíbrios ofensivos. A meu ver este Sporting com os seus próprios recursos poderia ter tido um melhor desempenho, basta pensar que o Sporting podia ter aproveitado o Matheus Pereira (ao seu melhor nível), o Iuri Medeiros na ala ou até mesmo o Francisco Geraldes (no centro e a soltar o Bruno Fernandes para as alas). Se formos a ver os recursos que o Sporting tinha e o claro desaproveitamento por parte de Jorge Jesus (em prol de jogadores com maturidade desportiva mas pouca margem de progressão) comprovam que ele é um técnico para equipas com orçamentos capazes de comprar jogadores já “feitos” e desadequado a equipas que necessitam de rentabilizar recursos humanos (que é o caso das equipas portuguesas, e era o Benfica na altura em que este o deixa sair). Atualmente em Portugal os treinadores com essa capacidade moram em equipas que tiveram prestações muito positivas em muitas fases da época, falo do Rui Vitória (2º lugar com utilização de muitos jovens), Abel Ferreira (4º que deveria ser 3º com muitos recursos internos valorizados, incluindo um recurso que o Sporting desaproveitou, o Ricardo Esgaio) e o José Couceiro (que apesar das dificuldades manteve o Setúbal com muitos jogadores jovens valorizados no processo).

    • Acho que a principal falha é mesmo os recursos que o Sporting desaproveitou. O Sporting, felizmente, atirou para empréstimos jogadores com uma interessante margem de progressão que teriam dado muito jeito.

      Diz-se que burro velho não aprende linguas e JJ pode estar a sofrer disso, não conseguindo falar para uma nova geração e, com o nivelar da competência táctica, estar a perder pontos por aí.

  3. Retirando um citação do Maldini sobre o Mourinho, “mas desengana-se quem pensa que o Mourinho não vai voltar a ganhar”, o mesmo acontece com Jorge Jesus, apesar da sua teimosia vai voltar a ganhar.

  4. “Na era da organização e da estratégia, surge também como factor diferenciador, e passível de contribuir para aquele bocado extra que tudo determina no resultado final, a capacidade para se extrair o melhor de cada individualidade.”

    E não só, digo eu. Não ter em linha de conta a forma como se faz passar a mensagem de ser possível ser campeão apesar de, é reduzir o trabalho do treinador aos aspectos técnico-tácticos-estratégicos. Ou duvidas que grande parte do êxito do FCP está espelhado nessa vertente emocional? Já para não falarmos do ruído que teima em marcar presença no dia a dia da equipa, contribuindo negativamente para uma boa performance colectiva. O mesmo não verificamos nas outras equipas rivais. Portanto, dizer que, se o Gelson fosse melhor aproveitado ou se os laterais tivessem mais qualidade ou se o Matheus lá estivesse, é apenas falar depois da casa ter sido roubada. É que eu não senti falta disso quando jogamos contra a Juventus ou contra o Barcelona ou contra o Atlético de Madrid ou contra o SLB no 1º jogo ou contra o FCP, por exemplo. E nessa altura é que este post deveria ter sido lançado porque, como dizes e bem, “Sobre a liderança e o processo de treino, porque não estamos presentes, pese embora se poder adivinhar muito do que se faz, não iremos tocar.”.
    Em relação ao SC Braga deveria ter ido à Champions porque, fazer o campeonato que fez com um orçamento relativamente aos chamados 3 grandes muito mais baixo, é digno de ser realçado e aplaudido de pé ainda por cima com a qualidade patenteada em grande parte dos jogos, o que mostra a importância que o colectivo tem para, subsequentemente, poderem emergir as suas individualidades.

  5. Finalmente!
    A assumpção de que o génio do mestre já voou…
    Jesus pode ter sido muito inovador, mas neste momento é um treinador banal.
    Aproveito para deixar uma questão: quantas vezes a equipa melhorou após uma substituição?

  6. Nada contra o conteúdo do post, até concordo com a maioria, mas também é verdade que no último ano o blog mostrou ter uma postura bem diferente daquilo que se via anteriormente.
    O Lateral Esquerdo nunca se baseou em resultados nem em como o clima das equipas se apresenta no presente. Sempre houve opinião própria e com argumentos que, na maior parte das vezes, era contra aquilo que a maioria dos adeptos achava e acreditava. No entanto, no último ano multiplicam-se posts sem grande poder argumentativo, caindo muitas vezes no argumento do “se ganha, alguma razão deve ter”.
    Este post até pode ter toda a razão do mundo, mas se procura ter algum valor ao nível do que tornou o LE no que é hoje, deveria ter saído há umas semanas, mesmo quando o Sporting estava a lutar pelo primeiro lugar. Antes glorificava o LE por ver tudo de maneira diferente, antes de todos os outros, mesmo com algumas falhas. Hoje, aparenta ser um blog normal de comentários pós-jogo, com uma réstia de termos e análises um pouco mais técnicas.

  7. É o déja-vu. São os pecados de sempre (soberba, casmurrice, surdez, falta de visão organizacional, falta de cuidado, etc, etc) que, no contexto em que o senhor se encontra, é tudo multiplicado por mil vezes (para mau).

    O melhor exemplo para isto é a política de entradas e saídas no plantel do Sporting desta época e a facilidade com que deram ao JJ a possibilidade de fazer o que bem entendesse (mesmo apesar das ameaças em sentido inverso da época passada, no final, foram as ideias do treinador que sobreviveram).

    Eu considero que o Piccini não é jogador de futebol (é atleta mas não sabe jogar à bola, por isso está na profissão errada) e para o lugar do Ristovski havia o Esgaio, que é do mesmo nível ou até melhor. O mesmo vale para o meio-campo: o Battaglia é um cepo do nível do Piccini, pode ter lá as suas virtudes mas o Sporting, pelo perfil que tem (vai sempre passar 90 por cento dos jogos a dominar os adversários no campeonato) não ficaria melhor servido com o Geraldes? O mesmo raciocínio pode ser aplicado na situação Acuña – não vale 10 milhões porque não tem um pingo de criatividade apesar de outras qualidades – e Matheus Pereira. Depois, não se compreende o racional por trás da contratação de Doumbia (outro que só tem nome, jogar alguma coisa está quieto até porque tem deficiências básicas como, por exemplo, não conseguir dominar uma bola em condições; vocês alegam que ele foi contratado para esticar mais nas costas dos adversários mas isso é tudo teoria porque na prática raramente aconteceu e o facto dele ser mau jogador em termos técnicos e de tomada de decisão faz toda a diferença; o Montero será sempre muito melhor, em qualquer contexto, mesmo sem profundidade), Misic e Wendel.

    O JJ vale pelo trabalho de campo, nada mais, e já é fantástico. Só que ele acha que é a estrutura, quer ser o senhor dos anéis! Palavras do próprio. Encontrou o local certo para se impor a tudo e a todos, sim, porque no Benfica no final de dois anos na mesma peugada acabou-se o churrasco do Brasileirão.

    E depois o resultado é o de sempre ou quase sempre – mesmo com os tais jogadores de 10 milhões para cima. É que este argumento é patético porque todos entendemos que há jogadores caríssimos que poderiam ser fantásticos para a nossa equipa mas o inverso é igualmente provável.

    Com uma ressalva em relação há dez anos atrás: as coisas mudam, evoluem, ganham corpo e, como referiram, hoje há outros treinadores com ideias tão boas ou melhores do que o JJ. Se juntarmos a isto tudo o facto do Sporting ser, com a liderança actual, um clube patético e à beira de um ataque de nervos diário está descrito o resultado final.

    Só mesmo neste Sporting é que o JJ teria carta branca para ser dono e senhor do futebol.

  8. Edson, em cheio! Acrescento que,

    Tendo-lhe sido dada a gestão do futebol e havendo espaço para as desculpas aplicáveis ao sporting (“estamos a construir algo a que o clube não estava habituado”, etc), o JJ tem as condições reunidas para se sentir confortável e deixar descambar, tal como sempre aconteceu no Benfica quando se sentiu mais confortável, onde afinal resultou melhor na primeira época e sempre que teve o seu papel a ser mais escrutinado.

    Lá se vai a teoria do cérebro e da estrutura e afinal tornou-se tanto ou mais dependente das individualidade quanto os outros.

    É um técnico de futebol, não é, embora se ache, um bom manager, mesmo que na atual conjuntura do sporting, os mais incautos o achem muito próximos dos jogadores.

    Caso típico do Princípio de Peter.

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