Obsessive Football Disorder

Quanto mais futebol consumimos mais nos apercebemos que há um certo mal-estar com o jogo. Declaramo-nos apaixonados pelo jogo, é certo, mas não admitimos que ele, por vezes, favoreça um lado que parece mais simplista, mais pragmático e por vezes ultra-realista. Algo estará errado e há um problema que teremos que, forçosamente, resolver: porque é que tomando decisões menos evoluídas se corre o risco de se ganharem jogos ou competições importantes?

Contudo, permitam-me a heresia, não creio que haja algo de mal com o jogo. Não podemos é amá-lo condicionalmente, isto é, amá-lo quando a nossa ideia prevalece e odiá-lo quando a nossa ideia é derrotada.

Há vários graus de fanatismo. Defender ideias não terá consequências tão nefastas como defender cores (cheias de tons de hipocrisia), contudo não será saudável a paixão exacerbada por um só lado do jogo. Um jogo que, recordo, está ‘desenhado’ para laurear os que marcam e castigar os que sofrem. O que está em questão não é o desenho, o caminho, mas sim a eficácia.

Também eu defendo que com 74% de posse se deixa pouco à outra equipa e muito à nossa. É um controlo brutal, com tendência a desordem obssessiva-compulsiva, que nos deixa mais perto de ganhar do que perder. Porém a velha máxima do futebol cá estará para nos perseguir: nunca ganharás sempre, repete ad infinitum.

Não é a única maneira. E o jogo que amamos quando o jogo de Pep roça a perfeição é exactamente o mesmo que o jogo que permite a Zidane ser o líder de uma equipa desenhada para vencer a eliminar como nenhuma outra nos tempos modernos. E como se treina o que Zidane conseguiu?

Essa é a pergunta que nos cria um sentimento de injustiça. Um jogo pouco evoluído que depende da inspiração de craques que criam golos do nada – um pouco (à escala) a fazer lembrar um Benfica hegemónico que se via dominado e marcava um golo em cada duas situações perigosas. Nada, amigos, mesmo nada, controla jogos como o golo. O paradigma 74 não é superior ao paradigma golo. É mais palpável, dá-nos mais luzes, mas (infelizmente ou não) não é mais evoluído do que chegar lá e marcar três em três. Como se consegue isso então? Perguntem a Zidane como marcou aquele golo contra o Leverkusen (ainda hoje o melhor que vi), a Messi como fez aqueles slalons intemporais ou a Ronaldo, e Bale, como fizeram aquelas pedaladas sobrenaturais.

Há mais para lá do treino. É pouco palpável, fraco de argumentação, mas há claramente algo para lá do científico. E a aceitação que momentos dificilmente explicáveis podem derrotar a nossa ideia, é o primeiro passo para a sanidade mental de quem dorme e acorda com o futebol.

9 Comentários

  1. Não fundamentei mais porque ainda estou a medir o Tribunal da caixa de comentários do LE. A seu tempo haverá mais episódios, caro João Marco 😉 não me posso é armar já ao pingarelho e mandar postas que a audiência não quer comprar. Vamos indo e vamos vendo se há no Tribunal mente aberta para outras perspectivas que não aquelas que já aí andam desde 2010. O LE tem feito esse esforço, de abertura, mas o pessoal ainda vive no copy paste do fim da década passada.

  2. Já agora como é q pretende fundamentar algo que é “dificilmente explicável” e ñ cientifico? Será através de ginástica?

  3. Logo me passas a sebenta com tudo direitinho e teorizado. Não te esqueças de sublinhar os minutos em que a bola entra, só para eu não me esquecer.

    E desculpa lá achar que há mais para lá do que está escrito no teu Corão. Desculpa também achar que eu, que sou menos, consigo explicar aquilo que é mais do que eu. Realmente era ginástica… a mais.

    Questionei o paradigma 74 em relação ao paradigma golo. A maior parvoíce foi pensar que tinhas algo a dizer em relação a isso. Não tento agradar à audiência mas tenho de saber o que ela pensa e procura. Um exemplo claro é que bastaram-me dois comentários teus para saber o que procuras. Agora sei o que te hei-de dar.

  4. Mas nao serà que a ideia do jogo esteja errada e que nao se fala na tactica fundamental que é a Ideia principal do futebol: a tactica do jogador.

    Mas a tactica nao pertence ao treinador ?
    Pode ser quando os jogadores repetem os processos trabalhados no treino mas na maioria da vezes a area do treinador é a estrategia e a tactica pertence ao jogador.

    Mas entao o que serà a tal tactica do jogador ?
    O Paolo a defineria como a decisao adequada ao contexto do momento mas essa definiçao nao reflete a grandeza da tactica do futebol.

    Ao contrario de muitos, eu nao penso que o treinador pode ensinar a tactica do futebol a um atleta virgem de futebol no seu sangue. Noutros desportos individuais, podemos definir a tactica do jogador como uma escolha adequada dentro de um elenque limitado de decisoes possiveis. Se a parte atletica for adequada ao desporto, bastarà trabalhar a tecnica antes de poder ser autonomo para escolher a melhor tactica.

    Mas o futebol é um desporto à parte porque é um jogo de conquista do espaço como o xadrez.Ao invês do xadrez, que é um jogo de principio e de fim no espaço, de conquista imparavel de espaço, o futebol é um jogo ciclico, de um espaço que se expande e se retracta como as vagas do mar, um eterno retorno ao caos.

    O futebol é um hino ao movimento, uma melodia da fuga, uma literatura do espaço. O seu Verbo ou pelo menos o seu primeiro Principio é a finta. A finta é uma dança que nao se pode confundir com a conduçao de bola, o drible nem com a tecnica. Ela é mais que a intuiçao: é o genio do instante, a fluidez sensual da inteligencia que se reflete no corpo.
    Sem a finta, as estrategias que territorializam os espaços para definir os momentos do jogo poderiam ensinar as melhores tacticas graças à escolha da melhor decisao. Ao invês, a finta é a escapatoria, a possibilidade presente a cada instante, o Eterno Presente que contemple a infinidade. Esconde-se a intençao real, o Misterio antes do esplendor da sua Revelaçao . A finta abre novos espaços, e muda a configuraçao do jogo. E muito dificil definir a finta porque como toda poesia, ela nao se quantifica mas a qualidade primeira da finta é a imprevisibilidade.

    A finta é uma componente da tactica do jogador. A outra é a inteligencia imaginativa mas essa é devido à especificidade de uma regra do futebol que permite o renascimento do jogo a cada instante. Essa regra é o fora de jogo
    O fora de jogo é a regra principal do futebol porque abre o mar num oceano quasi infinito. A sua regra acrescenta à finta novos horizontes, uma visao regenerada de novos espaços, a antevisao de novas linhas de passe como se fosse aparecimento de rotas antes invisiveis. O fora de jogo deterritorialisa o jogo, ou pelo menos rende os territorios moventes, e isso torna os jogadores como nomadas, que assim tem que navegar nos intersticios desses antigos territorios para escapar ao corte dos espaços. Sem ela, a ligaçao entre os jogadores poderia ser mecanizada mas graças a ela, a ligaçao tem que ser intuitiva. E que palavra tao justa ( fora de jogo) para contrariar todos os estrategas que pensem controlar totalmente o jogo.
    O fora de jogo vai premiar a inteligencia imaginativa, que é ainda mais além que a razao intuitiva. A imaginaçao é a capacidade de visualisar na mente o invisivel, antever antes de todos o aparecimento das novas rotas, até mesmo provoca-las.

    A finta nao se ensina sem ser na escola da rua…A inteligencia imaginativa tem que ser acompanhado pela pedagogia. A finta que é a letra e a inteligencia imaginativa, a gramaria do movimento, sao as bases principais da tactica do jogador.

    • Gostei de ler 🙂

      Penso que há muitos conceitos fechados em relação ao futebol. Demasiado preto e branco, demasiada pré-concepção.

      O conceito de que falas é extremamente interessante porque retira do treinador aquela figura omnipresente e devolve ao jogador a sua importância. O individual dentro do todo – onde cada um faz parte de algo maior que si que se vai expandindo colectivamente à medida que cada tira o melhor de si.

      Hoje fala-se muito nos cinco momentos do jogo. São físicos, puramente físicos. Aqui, no LE, tentarei falar de outros três ‘momentos’ que são os que criam esses momentos físicos: o momento emocional, o momento mental e o momento identitário – ou de identidade, se preferirmos.

  5. Mas nao serà que a ideia do jogo esteja errada e nao se fala na tactica fundamental : a tactica do jogador
    Mas a tactica nao pertence ao treinador ?
    Pode ser quando os jogadores repetem os processos trabalhados no treino mas na maioria da vezes a area do treinador é a estrategia e a tactica pertence ao jogador.

    Mas entao o que serà a tal tactica do jogador ?
    Ao contrario de muitos, eu nao penso que o treinador pode ensinar a tactica do futebol a um atleta virgem de futebol no seu sangue. Noutros desportos individuais, podemos definir a tactica do jogador como uma escolha adequada dentro de um elenque limitado de decisoes possiveis. Se a parte atletica for adequada ao desporto, bastarà trabalhar a tecnica antes de poder ser autonomo para escolher a melhor tactica.

    Mas o futebol é um desporto à parte porque é um jogo de conquista do espaço como o xadrez.Ao invês do xadrez, que é um jogo de principio e de fim no espaço, de conquista imparavel de espaço, o futebol é um jogo ciclico, de um espaço que se expande e se retracta como as vagas do mar, um eterno retorno ao caos.

    O futebol é um hino ao movimento, uma melodia da fuga, uma literatura do espaço. O seu Verbo ou pelo menos o seu primeiro Principio é a finta. A finta é uma dança que nao se pode confundir com a conduçao de bola, o drible nem com a tecnica. Ela é mais que a intuiçao: é o genio do instante, a fluidez sensual da inteligencia que se reflete no corpo.
    Sem a finta, as estrategias que territorializam os espaços para definir os momentos do jogo poderiam ensinar as melhores tacticas graças à escolha da melhor decisao. Ao invês, a finta é a escapatoria, a possibilidade presente a cada instante, o Eterno Presente que contemple a infinidade. Esconde-se a intençao real, o Misterio antes do esplendor da sua Revelaçao . A finta abre novos espaços, e muda a configuraçao do jogo. E muito dificil definir a finta porque como toda poesia, ela nao se quantifica mas a qualidade primeira da finta é a imprevisibilidade.

  6. Claro que a minha ideia é retirar ao treinador aquela ideia de maestro que estaria em cima dos executantes da orquestra.
    O futebol é jazz, nao se pode formalisar muito : é preciso de uma estrutura movel para deixar uma liberdade do presente aos solistas da finta improvisada e da composiçao espontanea, respeitando a harmonia da orquestra.

    Verdade tambem que aqui muitos seguidores tem muito pre-conceitos e esses ditos mestres da tactica, que muitas vezes so falam de estrategia, limitam a visao do futebol.
    Em parcas palavras, qual é a diferença entre a estrategia e a tactica? A mesma definiçao que no xadrez: a tactica é o que você faz quando hà uma coisa a fazer; a estrategia é o que você faz quando nao hà nada a fazer…e como no xadrez, a tactica é mais importante porque um unico golpe de tactica, invisivel ao principio, deita abaixo todas as estrategias que sao visiveis.
    E portanto, a linguagem do futebol é derivada da estrategia. Para evocar essas especifidades do futebol, é preciso de uma literatura do futebol, duma linguagem que nao seja a funcional dos sistemistas, uma literatura que evoca esses movimentos graciosos contra a materialidade, duma lingua que seja intemporal, luminosa e até mistica. Um estilo livre como a gramaria do fora de jogo, um estilo que soa ao ritmo suave da musica do futebol.

    Para acabar e para falar dos temas dos teus futuros artigos, podes referir-te a um artigo do EntreDez que fala de equilibrio emocional para explicar resultados, e queria saber o que pensas da liderança humana de Zidane? Ele que recusou comprar jogadores para preservar a identidade do grupo; ele que se comportou como uma liderança à antiga, e nao com ideias novas de management, mas com ideias de respeito à sua pessoa graças à transmissao de saber vindo da sua mestria de jogador; ele que preferiu partir para nao saber se conseguiria liderar sem essa fraternidade porque o seu grupo, limitado este ano no campeonato, seria desmanchado na proxima época.

  7. Acho que às vezes podemos estar no sítio errado, à hora errada, como podemos estar no sítio certo à hora certa.

    Sérgio Conceição foi o treinador ideal para aquele Porto de junho passado. Como Zidane foi o treinador ideal para suceder a Benítez. Mais do que um estratega foi alguém que soube o que a equipa precisava. Futebol não é só um plano de jogo transcendente. Também há muita intuição envolvida. Em suma, Zidane soube o lugar em que estava e soube o que fazer para conquistar coisas muitíssimo importantes. Não fez evoluir o futebol como Guardiola, ou o primeiro Mourinho, mas foi um treinador competente cobseguindo coisas que outros, provavelmente mais evoluídos, não conseguiram. Sítio certo, hora certa, ideias (não transcendentes mas) certas.

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