Liga Jesuíta contra o Jorge

Desde a invenção da defesa zonal nas bolas paradas, aos bloqueios, passando pelo regresso do 4x4x2 que levanta taças, e não esquecendo o controlo da profundidade da linha defensiva com recurso aos ‘triggers’ bola coberta;bola descoberta, falar de Jesus é falar do treinador que, depois de José Mourinho, mais influência teve no futebol português no presente século. Jesus, o Jorge, deixará os campos lusos e, tal como o Cristo, ‘encarnará’ na zona mais negra do globo – o médio oriente -, conceitos que a consciência vigente não estará preparada para entender. Claro que a isso ele já estará habituado, pois também por aqui foram poucos aqueles que compreenderam a sua real importância.

Para que se perceba, antes que pelo atribulado passado recente se esqueça, Jesus rompeu com uma hegemonia de 20 anos. E conseguiu-o pelo lado estratégico do jogo, no campo. Antes de Jorge, o FC Porto fazia da sua estrutura a pedra basilar das suas conquistas, não sendo por isso o treinador, na maioria das vezes, a peça mais fulcral nas conquistas azuis-e-brancas. Entenda-se que depois de 2009, aquando da chegada de JJ a um Benfica assolado por treinadores de 2.a linha, seria muito difícil – para não dizer impossível – que Jesualdo ou Adriaanse augurassem a conquista da Liga. Com Jesus ao leme de um grande, o principal prejudicado foi o detentor da hegemonia, que a partir daí ou não ganhou ou suou verdadeiramente para ganhar (se exceptuarmos a fantástica época de AVB). E esta dificuldade era algo impensável na segunda e terceira décadas de Pinto da Costa como principal timoneiro dos dragões.

Pois bem, o sr. sem estudos, sem formação académica e com uma comunicação rudimentar (ao nível gramático, somente – tomara a muitos o sumo futebolístico de uma flash de JJ), o sr. ‘ignorante’, dizia eu, conseguiu materializar uma ideia forte assente num 4x4x2 que foi matando a redundância passiva do 4x3x3 na Liga Nacional. Com muito mais presença na área, dois avançados poderosos – e chegadas à área de mais um médio e extremo – garantiam que o jogo contra autocarros de dois andares (típico do nosso Tugão) corresse mais de feição a equipas que sem essa tracção à frente tinham imensas dificuldades para ultrapassar as organizações defensivas dos ‘pequenos’.

Claro que depois, no confronto directo com equipas com maior qualidade individual e táctica, o maior handicap de JJ saltava à vista. Incapacidade para controlar o jogo com bola, que remetia o seu Benfica para um momento bem trabalhado (organização defensiva de excelência) mas que o deixava bem longe da baliza adversária. Moralmente, contra Vítor Pereira e AVB, Jesus nunca teve hipótese (apesar de estar ao nível deles) mas não deu chances aos ‘novatos’ Fonseca e Silva, como ao valoroso mas insolente Lopetegui. E com isto se equilibrou uma disputa Porto-Benfica que, antes, num passado recente, era bastante desigual (com enorme vantagem para um Porto sem grandes preocupações estratégicas).

(ASF/Paulo Esteves)

Depois, bem… depois vieram as cópias. Tal como o notch (ou monocelha do Iphone X) também o jogo de JJ foi vilipendiado e… adoptado. Rui Vitória, por exemplo, jura a pés juntos que a influência de JJ no seu primeiro Benfica é nula. E se calhar (por razões estratégicas) até é obrigado a fazê-lo. Mas nunca o reconhecerei como um cavalheiro, ou gentleman, até reconhecer que as ferramentas que Jesus lhe deixou (e nas quais pegou quando a corda apertou) foram determinantes no seu sucesso. Até lá estarão sempre as imagens da desorganização do seu Vitória para o desmentir, as mesmas que contrastam com os elogios de Pep Guardiola ao controle da profundidade encarnada.

Adiante, ele criou e outros copiaram. Obviamente, quer Vitória, quer Conceição, bateram Jesus com recurso às suas ideias e, tenho para mim que essa viragem ao ‘depois de Jorge foi determinante para o sucesso dos dois. Não rejeito que, depois, as ideias próprias dos dois últimos campeões nacionais não tenham sido a garantia. Mas o início foi, claramente, ‘Jesuíta’.

E esse é um legado que, aparte da sua tendência para falhar nos momentos-decisivos, dá a Jesus a honra de figurar como uma das figuras mais influentes do futebol nacional dos tempos modernos. E a razão porque o golpe de asa de Bruno de Carvalho (que o foi buscar ao grande rival) não resultou em pleno está directamente ligado às duas maiores facetas de JJ (que são também a dualidade que o persegue): Brilhante estratega que outros seguem/derrotado quando apertado por rival de igual valia. E isso não invalida que hoje Portugal tenha três equipas com  real presença europeia (adequada à realidade portuguesa e sem esquecer um Braga também algo influenciado: Fonseca; Abel) quando antes, neste novo milénio, só esporadicamente tinha mais que uma. Para isto Jesus contribuiu imenso porque transcendeu e fez transcender os outros. E só isso melhora o futebol. Mais que os títulos, ou a falta deles, esse é o factor que define um treinador: o que deu à sua Liga; o que deu ao futebol.

8 Comentários

  1. A sua teimosia foi a sua desgraça. Demasiado agarrado às duas ideias e ao seu modelo de jogador. É principalmente à ideia de achar que consegue fazer de qualquer manco jogador de futebol porque “a culpa é do treinador” quando quem jogam são os jogadores

  2. Tal como não soube há anos fazer evoluir o bom trabalho que fez no Benfica, não soube recentemente reagir a facto de as suas (boas) ideias se terem banalizado.

    A teimosia, o ego, a soberba, não deixaram que ele percebesse qual era o real papel dele no Benfica, achando que levava as vitórias para outro lado.

    Deu um passo a trás e agora dá dois, não financeiramente é certo, mas pelo menos, se não fizer asneira e tiver alguns jogadores capazes de interpretar as suas ideias, poderá novamente sentir o seu enorme ego afagado.

  3. Tal como não soube há anos fazer evoluir o bom trabalho que fez no Benfica, não soube recentemente reagir a facto de as suas (boas) ideias se terem ‘banalizado’.

    A teimosia, o ego, a soberba, não o deixaram perceber que o real papel dele no Benfica estava incluído num todo, e achou que levava as vitórias para outro lado.

    Deu um passo a trás quando saiu do Benfica e agora dá dois, não financeiramente é certo.
    Mas pelo menos, se não fizer asneira e tiver alguns jogadores capazes de interpretar as suas ideias, poderá novamente sentir o seu enorme ego afagado.

  4. «as imagens da desorganização do seu Vitória para o desmentir» – Nem era preciso ir tão atrás no tempo, o início devastador no Benfica é a ilustração perfeita de como RV queria ser um Sebastião de Melo e Silva e teve de se render aos ensinamentos Jesuítas…

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