Por Jesus nós íamos à bola

Partilho um texto fantástico do Diego Armés, na GQ (aqui)

Esqueçam o facto de o texto fugir completamente ou quase, ao âmbito do que é publicado no Lateral Esquerdo. É uma homenagem fantástica ao homem que a seguir a José Mourinho marcou uma revolução no futebol em Portugal.

 

Enquanto o país perde tempo de antena e vidra os olhos no incontinente verbal que lidera o Sporting – será que já come sopa com garfo? -, o futebol português perde o seu mais valioso ativo dos últimos 15 anos sem que, ao que parece, a situação mereça grande reflexão e, muito menos, comoção.

Afirmo, sem hesitações, que ninguém, nesta última década e meia, fez tão bem ao futebol português quanto Jorge Jesus, desde os tempos em que só ganhava campeonatos na Playstation, até aos dias em que parecia ser o messias das vitórias prometidas no Sporting, passando e deixando marca indelével na história do Benfica, entre conquistas estrondosas e derrotas vibrantes, sempre de um modo entusiasmante.

Lembro-me de ter torcido o nariz e levantado o sobrolho à vinda de Jesus para o Benfica – que ele falava mal, que não tinha perfil para liderar um grande, enfim, uma série de opiniões conservadoras que me toldavam a perceção e me impediam de vislumbrar o diamante – bruto, muito bruto – que ali estava, uma preciosidade autêntica que entendia e amava o futebol, no seu todo, enquanto fenómeno que vai da relva à transmissão televisiva, como provavelmente nenhum outro, jamais, no nosso país.

Jorge Jesus não é apenas um excelente treinador de futebol, Jorge Jesus é uma fonte de inspiração e de entretenimento praticamente inesgotável. As transições rápidas, os lotopéguis, os níditos ou a lig’óropa são apenas alguns detalhes linguísticos de uma vasta panóplia de neologismos, mais ou menos involuntários, que Jesus foi criando nas suas entrevistas rápidas, nas conferências de imprensa, ou até em intervenções mais demoradas. O ano passado, chegou a Barcelona para jogar um jogo da Liga dos Campeões e abriu a conferência com um malandramente sorridente “buenhas noiches cátialhonha”.

Não me estou a rir de Jesus, estou antes a rir-me com ele. JJ sabe o que faz e sabe que o entretenimento é um ingrediente fundamental deste espetáculo que pagamos para ver. Jesus tem muito mais encanto numa calinada linguística do que vinte Freitas Lobos e Ruis Santos com teorias sobre basculações e segundas bolas. Vinte de cada um, todos juntos.

Onde alguns ainda teimam em ver falta de formação, os mais atentos identificam uma extraordinária capacidade de adaptação ao meio e à circunstância com as armas que tem: porque é que a forma de falar, tão peculiar em Jesus, há de ser um handicap e não uma característica distintiva? A maneira de falar, bem como a postura, o ego anafado, ou uma dose dupla de teimosia, tudo são marcas que Jesus cravou no imaginário português e que o transformaram numa das mais – senão mesmo a mais – populares e apaixonantes figuras do futebol em Portugal.

Mas JJ não ficará para a história somente enquanto personagem engraçada, longe disso. A verdade é que Jesus mudou, como o próprio não se cansa de dizer, já agora, a maneira de jogar à bola em Portugal. E mudou-a para melhor, no seguimento – ou em paralelo? – do que José Mourinho havia feito no princípio do século. Só que, à metodologia e rigor implantados pelo special one, Jorge Jesus acrescentou o brilho, a magia, a alegria, aquilo que o próprio batizou de “nota artística” numa das suas mais geniais tiradas de sempre. Com Jesus, o jogo ficou mais bonito e, ao mesmo tempo, mais competitivo.

Jorge Jesus é, em si mesmo, uma enorme e apaixonante fantasia. Digo-o com a maior das purezas e mesmo considerando e tendo consciência de que também acumula defeitos e que me ficou a dever conquistas – 2012/2013 é e será para sempre a minha maior tragédia futebolística (mas, ao mesmo tempo, não consigo deixar de amar esse ano negro). Não quero que Jesus se vá embora, sabe-se lá até quando, e que não saiba o quanto o admiro e gosto dele. E não sou o único, tenho a certeza.

(Faço uma pausa no texto para abrir o Spotify e pôr a tocar o So Tonight That I Might See, de Mazzy Star, tal o meu estado de melancolia.)

Jorge Jesus foi o homem que ofereceu ao Braga a legitimidade para aspirar a ser campeão nacional – foi um momento fugaz, mas existiu, aconteceu; foi o treinador que chegou a um Benfica que levava ao estádio 30 mil gatos-pingados e era se não estivesse a chover e que saiu do clube deixando-o com uma assistência média acima dos 50 mil por jogo (pelo menos, até aos 80 minutos, já que 20% dos adeptos sai a essa hora por causa de motivos que cada um é que sabe de si); foi o homem que chegou a um Sporting que tinha registado, não muito antes da sua contratação, umas quantas assistências abaixo dos 20 mil espetadores por jogo e que deixa Alvalade com um registo de casa praticamente cheia, jogo sim, jogo sim, como há muito não se via, se é que alguma vez se tinha visto.

As pessoas não vão à bola por acaso, ou porque as mandam, ou porque não têm mais que fazer, ou porque a publicidade é boa, ou só porque a sua equipa ganha. As pessoas dispõem-se a pagar para ir à bola porque gostam, porque o jogo as apaixona, as entusiasma e as faz vibrar. E, nesse ponto, não há em Portugal sequer um suplente à altura de Jesus, quanto mais alguém capaz de lhe fazer concorrência. E talvez não tenhamos consciência de que estamos a deixar partir um dos poucos – e um dos últimos – que nos fazem vibrar, seja por ódio ou por amor, seja com alegria ou com raiva. Temos a obrigação moral de estar tristes. Jesus fazia-nos ir à bola.

*Diego Armés, benfiquista ferrenho, assina esta crónica com o seu número de sócio do Benfica.

6 Comentários

  1. Um texto à Diego Armés: indiferente enquanto jornalista e ainda mais indistinguível enquanto músico. Uma data de indigências intelectuais que se julgam mais profundas do que realmente são. E nem falta ali uma referênciazinha toda vêm-como-sou-tão-culturado a meter Mazzy Star no Spotify.
    Espero bem melhor do Lateral Esquerdo do que dar crédito ao tipo de mediocridade intelectual que tanto grassa nos meios (supostamente) mais esclarecidos em Portugal.

  2. Foda-se, já chega de Jesus. Três entradas em três dias. Tédio. Já não há aqui nada para dizer, tudo isto é chover no molhado, por ser verdade e por um certo reconhecimento generalizado vir tarde e a más horas (não aqui neste espaço, obviamente). Por outro lado, considero bastante engraçado pensar-se que as pessoas, em Portugal e na maioria dos países, vão ao futebol porque gostam do jogo! AHAH Mas vivem em que mundo? A maioria das pessoas, salvo raríssimas excepções, vão à bola por causa dos clubes e da clubite. O jogo é uma coisa secundária ou mesmo terciária. Next!

  3. O homem que trouxe a bravura bracarense, a mística benfiquista, e o orgulho leonino. Não é por acaso que nestes clubes encheu estádios e o gosto de ir ver a bola, em alturas onde isso não acontecia.

  4. Esqueceu de dizer que a imprensa não deu grande relevo pela perda, porque em Portugal para ganhar campeonatos não são necessários grandes treinadores nem grandes jogadores, mas bom árbitros.
    Portanto siga a banda

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