O resgate por Cristiano Ronaldo

O jogo de estreia de Portugal no Mundial trouxe diversos sabores. Por um lado, o facto de termos um predestinado que nas horas menos boas aparece para resolver alguns dos problemas que temos, por outro o perceber que temos muito a melhorar, em todos os aspectos, se queremos fazer um Mundial consentâneo de um Campeão da Europa. Basta atestar nas palavras de Fernando Santos para se perceber o que quero referir, embora tenhamos que ter presente que do outro lado, se encontrava uma das melhores selecções do mundo e uma das mais capazes, senão a mais capaz, em ataque posicional.

A estratégia portuguesa para este jogo era clara. Defensivamente, primeiro controlar numa primeira fase para só depois pressionar em zonas mais intermédias ou baixas. Portugal apresentando-se num 4x4x2 clássico, nunca teve como intenção pressionar a primeira fase de construção espanhola, permitindo a sua progressão até zonas intermédias ou baixas, para depois ter maior agressividade a pressionar e espaço para sair em transição ofensiva para ataque rápido ou contra ataque, tendo sempre como referências verticais, Cristiano Ronaldo e Gonçalo Guedes. Nem sempre a selecção portuguesa foi muito competente nesses intentos, sobretudo pelo pouco rigor da dupla da frente no condicionar da primeira fase de construção e também pela posse larga que tanto diferencia os espanhóis e que faz o adversário correr muito a juntar às dinâmicas da equipa espanhola que confundiram algumas marcações individuais que Portugal tinha estipulado.

Ainda assim, teve alguns problemas em organização defensiva, sobretudo do seu lado direito onde Iniesta, Isco e Alba se relacionavam no corredor e mesmo com trocas posicionais, criavam problemas ao nosso sector mais recuado. Ofensivamente, creio que a ideia seria retirar o mais possível a bola à Espanha se após a saída vertical, não fosse possível criar o desequilíbrio. Entrar em ataque posicional e tentar criar. Aí, penso que é algo onde teremos muito que melhorar, tendo em conta os adversários que se seguem e que exigirão da nossa equipa, maior capacidade de ter bola, paciência e pausa até encontrar os melhores espaços para entrar no último terço. Creio que um dos maiores problemas em termos de dinâmica ofensiva, se prenderá também com a dificuldade dos nossos centrais, Pepe e Fonte, no momento ofensivo do jogo. Creio ser necessário encontrar dinâmicas que os ajudem a ser mais competentes na fase de construção, para que não optem invariavelmente pelo chutão na frente e pelo passe diagonal no corredor oposto.

Se é verdade que Portugal entrou bem e com personalidade para ter bola e com isso chegar à vantagem inaugural, depois foram os espanhóis que com naturalidade e porque é algo cultural, tomaram conta da bola. Sempre que a equipa portuguesa voltava a ter bola, mesmo quando a Espanha baixava e se remetia à sua organização defensiva, nem sempre fomos uma equipa paciente, pausada e com critério. Demasiada pressa, por vezes pouco critério e muitas bolas perdidas, que facilitaram a vida aos espanhóis. Para além disso, acho que com Gonçalo Guedes e Cristiano Ronaldo, até pelas suas características e complementaridade de movimentos (apoio e profundidade), poderíamos ter explorado melhor o espaço nas costas da linha média espanhola, pelos ataques à profundidade de um e o outro a aproveitar o espaço entre sectores (ver segundo golo português). Percebo e volto a relembrar porém, que não estávamos a jogar com uma equipa qualquer e creio que com estes jogadores, temos muito espaço para poder crescer. Assim, foi sobretudo em saídas rápidas para contra ataque ou ataque rápido, que criamos problemas à Espanha, tendo Cristiano Ronaldo e Gonçalo Guedes como referências verticais para sair. Porém, chegados ao último terço, nem sempre tivemos a assertividade necessária para resolver melhor as situações de possível finalização.

A Espanha foi o que se esperava. Uma equipa dona da bola, com uma ideia construída de muitos anos de trabalho, com um perfil de jogadores tecnicamente fantásticos, associativos e inteligentes e ligando-se através do passe curto que os faziam viajar juntos desde a sua construção até zonas de criação e finalização. Creio que em zonas de primeira fase de construção, a grande maioria da vezes colocavam muitos jogadores sem necessidade fora do bloco português, retirando algum protagonismo aos seus centrais e assumindo muitas vezes os médios o início de construção, o que acabou por ir facilitando a vida à organização defensiva portuguesa. Todavia, o facto de ligarem sempre de forma curta e estarem sempre muito próximos uns dos outros, fez com chegassem sempre juntos ao último terço ofensivo.

Destaque para a dinâmica do lado esquerdo, com Iniesta sempre a assumir a construção à largura de Guedes e Ronaldo e fora do bloco português trazendo sempre Moutinho para sair ou Bernardo Silva pelo lado cego, permitindo a Alba se projectar no corredor e Isco aparecer entre linhas como bem gosta. Quando este último decidia aparecer em zonas de construção, Iniesta subia e colocava-se no lugar do seu companheiro. Estas trocas posicionais e estas relações numéricas entre os três e por vezes quatro, com Silva a sair da meia direita e a aparecer na esquerda para criar igualdade ou superioridade numérica (ver terceiro golo espanhol), criaram os maiores problemas à organização defensiva portuguesa.

Na direita, a dinâmica foi praticamente inexistente.  Koke em zonas de construção, David Silva em zonas de criação, mas Nacho, que entrou claramente com mais preocupações defensivas até pelo aparecimento naquela zona do seu companheiro de equipa Cristiano Ronaldo, não foi como não é um jogador criativo, dinâmico e técnico o suficiente para criar desequilíbrios à largura, pese o seu grande golo. Destaque ainda para Diego Costa. É um jogador com um perfil diferente dos demais, procura muito mais a profundidade e até foi assim que com sagacidade conseguiu o seu primeiro golo, mas procurou sempre associar-se com os colegas, para além do enorme desgaste que tem em termos defensivos na primeira fase de construção adversária.

No fim, quando se esperava a vitória espanhola e numa altura em que os espanhóis seguravam o resultado com bola, apareceu um livre directo em zona frontal à baliza de De Gea e quem tem Cristiano Ronaldo, arrisca-se a ser feliz. Foi o que aconteceu. Felizes de nós, Portugueses, em ter alguém com esta capacidade e instinto de finalização que tanto o caracteriza. Um ponto que acaba por ser bem positivo, mas que não nos deve desfocar do essencial, que é o facto de termos que melhorar muito em todos os momentos do jogo, se queremos fazer um Mundial de elevado nível.

Sobre José Carlos Monteiro 47 artigos
Treinador de Futebol, Uefa B, com percurso e experiência em campeonatos nacionais nos escalões de formação. Colaborador como observador e analista em equipas técnicas na Primeira Liga. Alia a paixão pelo treino e pelo jogo à analise de jogo.

3 Comentários

  1. Temos que melhorar muito com bola em ataque posicional. Tendo em conta que fazendo um 11 ibérico metíamos 3 jogadores (Ronaldo, Bernardo e Nelson Semedo) não foi nada mau o resultado.

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado.


*