Campeões do Mundo sem balizas

O leitor mais atento (todos os 35 mil de um Lateral Esquerdo que está de parabéns) perguntará imediatamente o que raio tem a ver este título com uma Selecção nacional que, pouco jogando, vai encontrando na identidade, mentalidade, emoção e físico de Ronaldo os caminhos para o golo e para resultados que desafiam toda e qualquer lógica em futebol? A esses respondemos: meus caros, e quem disse que o protagonista desta crónica teria de ser esta versão esotérica de Portugal, e não de uma outra equipa das quinas que, há já muitos anos, equipava de camisola vermelha e calção verde?

Obviamente as crónicas incidem nos protagonistas dos jogos, e neste Portugal-Marrocos os protagonistas foram os de uma selecção magrebina que foram fazendo, ao invés do campeão da Europa, séries de passes com sentido, foram circulando a toda a largura, foram para cima, reagindo a cada perda de bola como se a sua participação no Rússia ’18 pudesse terminar ali, no Luzhniki, em Moscovo. De calculadora em punho, a Selecção que equipava de vermelho e verde fez lembrar tempos idos em que, de cada vez que se enfrentava uma equipa vestida de branco, com jogadores robóticos, duros de rins, com pouca velocidade e técnica, inevitavelmente se perdia ao sabor de uma eficácia que nos tirava do sério. Obviamente, víamo-nos em desvantagem logo nas primeiras jogadas – com um golo nascido de algum pontapé de canto ou coisa que o valesse – para depois passarmos o jogo todo a queixarmo-nos de algo.

Oportunidades, mais posse, mais remates para todos os gostos. Isto desde que os disparos não levassem a direcção da baliza ou fossem possíveis de defender pelo guarda-redes adversário. E quando fosse uma realidade física que a derrota era certa, começavam as picardias e as queixas: desde o árbitro, aos matreiros jogadores adversários, a altura da relva ou o tamanho dos postes, tudo servirá para mais uma vitória moral. Eram os deuses que não estavam connosco, e deverão ser os deuses que agora estão. Porquê? Porque Fernando Santos deverá ser um inequívoco adepto do terço, e a Vontade que tem vindo à Terra é aquela que já está expressa no Céu. Portugal desafia a lógica e vai operando milagres. Por mais que os centrais estejam irreconhecíveis no duelo e sejam cada vez mais iguais a si próprios na saída (?) de bola (é cada paralelo ou balão…), por mais que Bernardo, Bruno e os Joões sejam engolidos e não queiram aparecer (com bola e sem bola, a pedirem por um 4x3x3 que os tire do suplício), ou por mais que Gonçalo nos lembre a cada bola que nunca jogou um torneio deste calibre, o Eixo Patrício-Ronaldo cá estará para desafiar tudo o que se disse sobre futebol, desde que ele foi criado até este dia 20 de junho do ano da graça de 2018. Afinal é possível assim. “Ou queriam continuar a jogar como nunca e a perder como sempre?“, perguntam os pragmáticos.

E desde quando jogando “um pouquinho mais“, a Selecção teria de perder? Um pouco mais de acerto no passe (três sem perder a bola, já era bom), mais jogo posicional que por sua vez permitisse mais soluções iria estragar alguma coisa? Talvez sim, não sei. Será a lei do karma. Perdemos sempre a tentar jogar muito. Tanto que agora estará escrito que não podemos jogar bem para ganhar sempre. Só não sei é se isto é intuição, ou um pacto com o diabo. E esses só duram até ele querer.

Portugal-Marrocos, 1-0 (Ronaldo 4′)

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4 Comentários

  1. A nossa sorte é que Marrocos é igual ao antigo Portugal, muito jogo com posse de bola, mas jogo miudinho e sem eficacia.
    Onde està a nossa capacidade de posse? Um pouco de pressing e a bola perde-se. Jogadores de bola parecendo perder o dom nestes dois jogos. Desde o inicio do Europeu que desapareceu essa nossa capacidade. Serà somente receio de jogar?

    Para mim, hà três explicaçoes para mim pelas nossas fraquezas:

    1/ A nossa capacidade sofrivel na transiçao defensiva quando estamos muitos projetados à frente do ataque faz que jogamos muito atràs da linha de bola e temos jogadores com pouco sentido de jogo nessa posicao. William é bom no passe com jogadores entre as linhas, e nao os temos. Bernardo é bom com jogadores perto para redobrar passes ou fintar esses passes para avançar no espaço da finta, e os jogadores estao longe dele. Idem com o joao Mario. O Joao Moutinho é o unico a sobressair nesse sistema.
    Quando perdemos, somos obrigados à organisaçao ofensiva mas vamos ao rudimentar com o jogo objectivado na jogada final e monomaniaca: o Quaresma a cruzar para o Ronaldo.

    2/ A nossa organisaçao defensiva e posicional é fraca a cortar os espaços e sofremos com a Espanha e Marrocos. Vale a nossa força aerea na pequena area.

    3/ Transiçao ofensiva sem trabalho e com precipitaçao; vale a velocidade de Guedes e Ronaldo mas é tao pouco preciso a preparaçao à transiçao que as jogadas morrem depressa e forças perdem-se. Nao entendo as fraquezas de Bruno Fernandes e Gelson nessas fases, onde eles costumam ser bons. Onde està o prazer de jogar? Problemas mentais devidos às situaçoes pessoais?

    Vivemos à custa do Mister Universo da eficacia mas nao poderemos ir longe se a organisaçao defensiva ficar tao fraca e tambem a transiçao ofensiva

  2. Este é mais um daqueles artigos que se torna difícil compreender. A própria natureza do futebol implica que os golos são muito escassos (raríssimo o jogo que chega sequer à dezena), e que a obtenção de um único pode ser fundamental. O resto passa, entre outros, por bolas ao poste, nervos à flor da pele pelos minutos que passam, remates falhados por um ressalto infortunado num tufo de relva. Tudo isto é inacreditavelmente simples de perceber, e não vejo que relação possa ter com karmas, vontades divinas, ou pactos com o diabo. De resto, a atribuição de factores divinos ou esotéricos no futebol parece-me das atitudes mais perniciosas que se pode ter no âmbito do desporto, a ideia que a nossa tribo é tanto mais especial quanto mais bafejada seja pela sorte, fortuna ou acaso.

    E assim, não há nada no eixo Ronaldo-Patrício “a desafiar sobre tudo o que se disse”. Pelo contrário, há muitos autores que explicam que esse eixo é parte natural do jogo. Curiosamente, vários desses autores até escrevem no Lateral Esquerdo.

    • Fiquei a saber que se fizer metáforas ou comparações com culinária o jogo é um bacalhau com natas. Ok.

      E já agora, só os ateus podem ler o Lateral-Esquerdo? Continua a ler os artigos do pessoal que escreve o que tu achas e deixa passar os outros. O Mundo dar-te-á sempre razão e os outros nada têm para te ensinar.

      Esta é apenas outra forma de contar o jogo. Nem todo o público quer termos técnicos a toda a hora. Tu querrs cortar a ligação com esse restante público. O LE quer alargar-se a mais pessoas. E para isso há que fazer a ligação com textos e artigos menos técnicos e mais fáceis de compreender pela população geral.

      Espero que leias outra vez e que percebas que a crónica não tenta explicar o jogo com esoterismo ou religiões. Crítica exactamente isso. E já agora, quando as bolas entrarem na nossa de que valerá o eixo Patrício-Ronaldo? A conceder oportunidades assim pode muito bem acontecer que a capacidade de Ronaldo não chegue para ganhar sempre. E o que mudará desse jogo para este? Que ganhámos este e perderemos esse é que é demasiado abstracto ou até esotérico.

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