O Mundial da nossa desgraça

Parecem ter sido unanimes as duas grandes decepções em termos de exibições da selecção portuguesa. Tudo por uma mais do que evidente incapacidade para ter bola. Mas seria assim tão inexpectável que tal viesse a acontecer?

Na minha presença na RTP quando falei sobre Marrocos toquei naquilo que poderia ser o jogo em função das características individuais e colectivas da equipa magrebina. Antecipei a forte pressão individual sobre cada um dos nossos jogadores, e as dificuldades que tal provoca em quem recebe. Era previsível a dificuldade do jogo e o estilo que a toada do mesmo iria ter. Portugal tinha dois caminhos para definir o seu destino. O da coragem, em procurar explorar no pé os seus melhores jogadores, para que estes pudessem na recepção enquadrar e ultrapassar opositor directo, e a partir daí auto estradas se abririam, porque a equipa de Marrocos estaria onde estivessem os jogadores portugueses, e portanto, abertos e sem controlo dos espaços. Ou o de construir longo e ou ganhar bola mais adiante para então construir mais alto, obrigando Marrocos a baixar metros, ou perder a tal bola, e entrar em organização defensiva, juntando linhas, à espera do momento de contra atacar.

Curiosamente, e por estranho que lhe possa parecer, em função de como decorreu o jogo, a opção de Fernando Santos foi mesmo a da coragem. Forçou a saída com bola no chão. E o ponto mais negativo de toda a exibição de Portugal foi a incapacidade gritante de jogadores de bom nível, independentemente de estarem ainda longe do nível dos melhores (Iniesta, Modric, Kroos, Sergio Busquets, David Silva, Isco, etc), serem capazes de ter tido sucesso nas suas acções técnicas, perante a pressão gigantesca do adversário. João Mário, William, Moutinho, Guedes e Bernardo, foram engolidos, perderam bolas sistematicamente, e Portugal viu-se obrigado a constantes transições defensivas, com a equipa mais extendida no relvado.

Efectivamente, Portugal não jogou sozinho, e não terá sido por acaso que referenciei Marrocos como uma possível supresa no Mundial (a surpresa acabou por ser estar fora do apuramento ao segundo jogo. Fiquei mais surpreso pelos maus resultados do que com as dificuldades que criou, independentemente de já ter referenciado na análise à equipa marroquina, que o ponto mais deficitário era a sua competência no último terço. Um pouco ao contrário da selecção lusa, que depois de anos de sonho nos primeiros dois terços, sem efectivar essa supremacia, vive hoje dias antagónicos. Quase não cria, mas com Ronaldo, tem sido suficiente…).

O que poderia ser a selecção portuguesa na actualidade se à qualidade na finalização resgatasse a qualidade de outrora? Seria garantidamente uma das melhores da história! Imagine a quantidade de vezes e a qualidade com que chegávamos aos últimos terços de todas as grandes selecções do mundo, com Cristiano na área… Mas, e porque não o faz?

Todos parecem muito interessados em “bater” no seleccionador, mas antes de o fazer, é preciso considerar dois factores chave, que garantidamente surgem bastante antes de qualidades ou defeitos do nosso engenheiro.

  1. O nível individual é totalmente díspar do dos tempos dourados. Sim, temos jogadores nos melhores campeonatos do Mundo. Mas, antes, tinhamos os melhores jogadores desses campeonatos! Rui Costa e Paulo Sousa estavam na elite do futebol italiano, Figo no do futebol espanhol. E ainda haviam outros jogadores que mesmo não sendo top 20 do melhor que havia pelo mundo fora, estavam por clubes importantes do futebol mundial.
  2. Não há tempo para treinar! Quem fizer o esforço para perceber como deve funcionar o processo treino, as capacidades físicas e motoras dos atletas, entenderá que no final da época, e com espaços muito curtos entre jogos, a hora é de recuperar. Não é possível construir treinos aquisitivos. Numa equipa em que praticamente todos vêm de equipas diferentes, é de uma dificuldade tremenda rotinar e ter um modelo bem vincado. Por estas dificuldades, e porque a qualidade não é a mesma dos que jogam num Real Madrid ou Barcelona…

Por norma, creio que os maiores críticos de Fernando Santos estarão na facção de admiradores de Sampaoli. Estou só por mencionar este facto, a pretender elevar o trabalho de um e desvalorizar o de outro? Nada mais falso. Apenas a tentar abrir-vos a mente e novas perspectivas, para que consigam tentar perceber que há muito cinzento entre o branco e o preto.

A curiosidade maior da última partida da nossa selecção foi precisamente o facto de Fernando Santos ter optado por tentar jogar e impor o futebol que todos nós mais gostamos em detrimento das estratégias habituais no Euro, e tal valeu-nos um jogo bastante sofrível. Ao contrário de estratégias de outros jogos, Portugal não conseguiu! Muito diferente de não ter tentado. Quem for capaz de o entender, retirará as devidas lições, sobre a dificuldade do caminho, e sobre como nem sempre o que acreditamos é o mais correcto.

Para segunda, não há desculpas, senhor Engenheiro!

Sobre Paolo Maldini 3828 artigos
Pedro Bouças - Licenciado em Educação Física e Desporto, Criador do "Lateral Esquerdo", tendo sido como Treinador Principal, Campeão Nacional Português (2x), vencedor da Taça de Portugal (2x), e da Supertaça de Futebol Feminino, bem como participado em 2 edições da Liga dos Campeões em três anos de futebol feminino. Treinador vencedor do Galardão de Mérito José Maria Pedroto - Treinador do ano para a ANTF (Associação Nacional de Treinadores de Futebol), e nomeado para as Quinas de Ouro (Prémio da Federação Portuguesa de Futebol), como melhor Treinador português no Futebol Feminino. Experiência como Professor de Futebol no Estádio Universitário de Lisboa, palestrante em diversas Universidades de Desporto, Cursos de Treinador e entidades creditadas pelo Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ). Autor do livro "Construir uma Equipa Campeã", e Co-autor do livro "O Efeito Lage", ambos da Editora PrimeBooks Analista de futebol no Canal 11 e no Jornal Record.

9 Comentários

  1. Concordo que não é possível criar depois deste final de época porque não há tempo mas acho que esta situação assemelhasse a um aluno que quer salvar um semestre a uma semana dos exames, não é possível. Fernando Santos tem uma base de jogadores que vêm desde do Euro 2016 e com esses, em dois anos, poderia pelo menos ter dado alguma identidade à equipa na forma como defende e ataca contudo o que se vê é uma equipa que não sabe o que fazer com bola, que se posiciona e pressiona mal.
    Também é verdade que não temos o talento das principais seleções do Mundo mas partimos logo atrás destas com jogadores que poderiam dar mais do que estão a dar.
    Guedes e Ronaldo na La Liga fizeram boas épocas.
    Bernardo Silva teve uma excelente época de estreia no City.
    Na nossa liga Ricardo Pereira, Bruno Fernandes, Patrício foram os melhores nas respectivas posições e Gelson também vem de uma época positiva.
    Manuel Fernandes foi a estrela do Lokomotiv que se sagrou campeão.
    Quaresma e Pepe( enquanto não esteve lesionado) estiveram bem no Besiktas.
    Anthony Lopes é um dos melhores guarda redes da liga francesa aos anos.
    Depois Guerreiro, João Mário, William e André Silva apesar das épocas fracas não deixam de ter qualidade e ainda deixamos de fora Rony Lopes, Nélson Semedo, André Gomes( sei que teve uma má época mas se o Adrien, que é inferior ao jogador do Barcelona, tendo uma época ainda pior vai), Rúben Neves, Cancelo, Bruma, Diogo Jota e Vezo.
    Não são jogadores de topo a maior parte deles mas dentro de uma equipa mais ou menos oleada poderiam render.

  2. “João Mário, William, Moutinho, Guedes e Bernardo, foram engolidos, perderam bolas sistematicamente, e Portugal viu-se obrigado a constantes transições defensivas, com a equipa mais extendida no relvado.”

    E será que para isso não terá contribuido termos 3 jogadores em 4, desconfortáveis com bola na primeira fase de construção? Quantos charutos na frente sem critério quando havia espaço para com mais calma, fazer chegar a bola em melhores condições aos Bernardos, etc? Quantas vezes, com metros para avançar em condução(Fonte, Cedric principalmente), não tinham essa coragem? Depois, se recebem quase sempre em más condições, se andam a desgastar-se sempre a correr atrás dos adversários somada à ansiedade provocada por cheirarem pouca bola, é natural que os Bernardos,Guedes, J.Mario, não revelem depois a mesma capacidade/tranquilidade quando finalmente têm bola em condições mais favoráveis. Muito determinante também a arbitragem que permitiu tudo, menos canibalismo, à intensa pressão marroquina.

    Eu acompanho o blog quase desde o início. Aprendi sempre muito por aqui. Acompanho também aquilo que julgo ser a tua evolução PB, trocando uma visão determinista por uma visão probabilística, onde as tuas dúvidas revelam maturidade e inteligência. Por essa razão, muitos dos fundamentalistas da posse como pináculo inamovível deste desporto acabaram por se virar contra ti. Há muitos anos lembro-me por exemplo de ter uma discussão contigo sobre boas e más decisões em que eu frisava a importância de ter em conta as caraterísticas dos jogadores, para avaliar se cruzar para a área por exemplo em situação não obvia de vantagem numérica naquele espaço, seria boa ou má decisão. Ou aproveitar mais insistentemente a profundidade. Tenho plena convicção que hoje, não me darias as respostas que deste na época.

    Isto tudo para dizer que apesar disso, hoje, a mim parece-me que em alguns aspetos de avaliação do trabalho de F.Santos, a corrente da posse mais posse, parece-me ter alguma razão. É que mais do que o problema dos tecnicamente dotados que F.Santos tentou que assumissem posse (eu não tinha visto o jogo com essa ideia, mas admito que possa ter sido assim), o grande problema está ali mesmo no inicio da construção.

    E pior, é que sem tempo se calhar para estrategicamente, aumentar as probabilidades de jogadores com graves deficiências técnicas, se sentirem mais confortáveis quando o adversário pressiona alto, a única forma de rapidamente atenuar o problema passará por troca de Cedric por Ricardo (que se pressionado, tem sempre o recurso de sair em condução) e quanto a um dos centrais nem sei (B.Alves mais competente com bola, mas um desastre defensivamente em tudo o que não seja bola no ar. Ruben Dias, o que achas?). Duvido que F.Santos o faça. Os piores jogos oficiais da era F.Santos, chegaram sempre contra equipas que nos decidiram pressionar alto (Croácia, Espanha e Marrocos)…estes dois ultimos, ainda mais condicionados por termos marcado muito cedo.

    Queria ler também a tua opinião para o pós-Mundial. Se F.Santos sair (espero que sim), o que achas de Rui Jorge? Pessoalmente, a minha unica preocupação, seria a gestão de egos, onde já revelou algumas dificuldades. Quanto ao resto, acho que a qualidade do nosso futebol ficaria anos-luz à frente dos ultimos anos…é que isto não é só ganhar. A imagem também é importante. De 1974 e 1982, falar-se-á mais de Holanda e Brasil do que dos vencedores. E Portugal como selecção encantadora está a deixar de existir no imaginário do mundo do futebol (sim, ainda persiste admiração pelo período Figo, Rui Costa). Em pouco tempo, o Portugalaccio, se chegarmos de novo longe, poderá ser a nossa nova imagem de marca, agora que os inventores lhe viraram costas…

  3. Percebo os argumentos e concordo com muitos deles. Mas a qualidade individual que temos neste momento é assim tão inferior ao passado? Bernardo Silva, Ronaldo, Gonçalo Guedes, Semedo (está fora), André Gomes (está fora), Moutinho, não jogam todos no top mundial? Concordo que o Figo, Rui Costa, Deco, Paulo Sousa, Ricardo Carvalho e pouco mais estavam num patamar à parte…Mas não estavam também muito pior acompanhados do que os nossos melhores estão agora? Tirando a excepção do Ronaldo (que até é quem está a ter mais rendimento) não temos as mesmas dificuldades de treino e sistematização que todas as outras selecções? É óbvio que o caminho é o da Espanha e Alemanha (não falo no modelo em si mas na consistência com que é aplicado) mas como temos selecções como o México, Austrália, Marrocos com modelos muito mais consolidados do que nós e com uma qualidade individual francamente inferior? (é uma pergunta sincera,não um argumento)
    E concordo que a ideia nos dois jogos foi tentar jogar futebol sempre que possível, mas como se pode pedir isso aos jogadores se a equipa não está organizada para tal? Por exemplo quantas soluções possíveis tinha o Bernado em quase 100% das vezes que recebeu a bola?

  4. Se tivesse havido essa intenção, não teria jogado o Fonte ou o Cédric, 2 cepos que mal recebem já só pensam em mandar um balão. Não quando há Ricardo e Rúben Dias. Como se deixa de fora o melhor trinco tuga: Rúben Neves? E é claro que fica difícil ter bola quando se joga num 4x4x2 à inglesa com o Moutinho na mesma linha do William…

  5. Como se pode querer ter uma boa 1a fase de construção com 2 centrais como Pepe e José Fonte?

    Como se pode querer jogar a bola de pé para pé quando apenas temos 2 médios que sendo apertados homem a homem ficamos sem qualquer solução de jogo interior?
    Cristiano percebe muito pouco do jogo… como é possivel alguém com a.experiência de Cristiano perceber tão pouco do jogo?
    Pressiona mal, não recebe onde deve receber, em termos de jogo coletivo é banalissimo.
    É o melhor do mundo em tudo aquilo que nada tem a ver com coletivo.
    Muito forte nos duelos individuais dentro da área e muito forte na transição ofensiva.
    O resto, mau demais.

    Com Bruno Fernandes e Bernardo Silva é assustador perceber que não há uma única dinamica para estes jogadores conseguirem receber a bola nas costas de Moutinho e William.

    Enfim, somos uma equipa banal, com um GR top, com centrais fortes nos duelos individuais, um super Moutinho (até agora o melhor da seleção) que percebe mais do jogo que o treinador e com um Cristiano onfire.

    P.S.
    A substituição de Moutinho por Adrien aos 87 minutos, fez-me lembrar a substituição de Pizzi por Seferovic no último Benfica Porto… MAU DEMAIS!!

    • É fácil de dizer que Cristiano percebe pouco do jogo depois de Portugal – Marrocos, mas aí também poderias dizer que Bernardo, Moutinho, entre outros percebem pouco do jogo, porque nenhum deles fez melhor do que ele. Fala-me antes da 1º parte do Ronaldo contra a Espanha e nas vezes sem conta que conseguiu ligar jogo entre o meio-campo e o ataque… aí já não podes falar, certo? Portanto ficamos com a conclusão que um jogo mau do Ronaldo é por não perceber nada do jogo, vários jogos maus de Bernardo, Moutinho, Guedes, etc, é porque os defesas são maus na 1º fase de construção………. tá certo.

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