Ultracongelado à Santos

As fórmulas para se conseguir uma selecção de sucesso, normalmente, não andam muito longe de um aproveitamento exacerbado da espinha-dorsal de um clube que nessa época tenha tido sucesso ou apresentado um futebol com envolvimento positivo entre os jogadores. É demasiada exigência e expectativa para tão pouco tempo de treino e demasiada dependência sobre o que os jogadores fizeram no seus clubes. E em dois anos muitas mudanças podem acontecer, mas o que, por norma, nem sempre acontece é os seleccionadores abdicarem daquilo que os levou ao sucesso. Neste limbo de acontecimentos e ideias está o futebol (ou falta dele) que Portugal tem apresentado neste Rússia ’18.

Um caso que não difere muito daquilo que outrora apelidei de ‘Bacalhau com Natas Ultracongelado‘. Em 2014, no Brasil, também Paulo Bento quis repetir a todo o custo – ou aproximar o mais possível – o onze que chegou com brilhantismo às meias-finais do Euro ’12. O resultado todos nos lembramos qual foi, e neste caso, de regresso a 2018, só não foi diferente porque esta estratégia de Santos – que também contempla o descongelar progressivo à Steve Rogers do Moutinho, do Adrien, do Fonte, do Guerreiro, do João Mário e do Pepe de 2016 – esta estratégia de Santos, dizia, tem um ponto de vantagem que é tão cómico quanto trágico.

O facto da Selecção não conseguir, ou não querer, jogar (já não interessa muito pois não será agora que vamos galgar e passar com intenções ultra-ideológicas) traz os defeitos dos adversários ao de cima. E se isso era demasiado perigoso com uma Alemanha, um Gana e uns EUA que quer queiramos quer não jogavam muito mais (eram pelo menos muito mais assertivos), foi  muito perigoso contra Espanha, Marrocos e Irão. E se tivermos em conta o susto que apanhámos nos descontos contra o Irão (que diriam agora os defensores de Fernando Santos se aquela bola entrasse?) saberemos imediatamente que a diferença da perigosidade não foi assim tanta. Mas não querer, ou não conseguir, jogar (bom nome para a obra de engenharia descongelante que é esta equipa) deixou toda a responsabilidade nos pobres ombros de rapazes marroquinos e iranianos que têm o coração ao pé das intenções. E por isso é que o maior defeito desta versão da equipa de todos nós não será o jogar bonito ou feio, não será ter a bola ou não tê-la. Não será sequer a falta de velocidade ou intensidade. O maior defeito desta equipa é o número de oportunidades evidentes que deixa criar. E se isso contra rapazes com o corpo emocional de um miúdo de cinco anos acabou por não se notar no placard, notou-se por exemplo contra uma Espanha que nos castigou com três golos. Abdicar tanto tempo da bola, por mais legítimo que seja, faz a equipa depender da qualidade do adversário, e para uma equipa que constrói chutando (para ficar com muitos de frente para a bola em caso de perda) é impensável permitir tantas oportunidades aos adversários.

Pois bem, ao todo foram cinco minutos de alegria. Aqueles 3 da entrada contra Espanha, alguns segundos de transições ofensivas perigosas, o livre que nos deu um empate… vitorioso, um cabeceamento contra Marrocos e uma monumental trivelada. E se os três minutos iniciais contra Espanha foram de um nível assombroso, não deixaram de lembrar o acto sexual de um coelho. Se exceptuarmos isso, resumimo-nos à inspiração de Cristiano Ronaldo e Ricardo Quaresma. Dois Matusaléns que lutam contra o envelhecimento mas que têm coração de teenager quando vêem uma bola à frente.

E desde o apito final daquele senhor chileno vestido de preto (VAR de retro!) que estamos todos à espera da marcação dos penálties contra o Uruguai. Esperamos todos, desta feita, ter melhor sorte do que contra o Chile. Talvez, de novo, as tropelias dos minutos finais do Grupo nos tenham atirado para o lado cego do torneio – tal como aquele golo islandês que fez de nós campeões da Europa. Nesta altura, juntamente com a apetência pelo golo de CR7, as luvas de Patrício e os dois pés-esquerdos de Quaresma, é o melhor que podemos esperar.

Portugal-Irão, 1-1 (Quaresma 45′; Karim 90’+3 g.p.)

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13 Comentários

  1. O jogo contra o Uruguai vai ser enfadonho mas a minha previsão é ganhem antes das penalidades numa bola parada.
    Quanto ao futuro da seleção acho que o FS não tem condições para continuar porque pede-se mais a esta seleção e não é por falta de qualidade que não podemos jogar melhor.

    • O homem é campeão da Europa e nem isso lhe dá algum crédito.. Em 2016 criticavam as exibições, já queriam que o FS saísse e no fim festejaram. Por este andar, dia 15 será dia de festa

      • E pronto lá vem o mesmo argumento de sempre.
        O estado de graça por ter ganho o Euro já acabava é que toda a gente com olhos na cara viu que jogámos mal e fomos incompetentes em quase todos os jogos mas fomos tendo sorte ao longo do caminho. Se foi merecido? Não acho. Se festejei? Sim não sou hipócrita, adorei ver a seleção ganhar o título mas não gostei da forma como o fez.
        Espero sempre o melhor da seleção e estas novas gerações têm talento para jogar muito mais mas isso não acontece porque o FS não sabe mais. Em 3 anos a equipa não evoluiu, não tem processos, os jogadores não sabem o que devem fazer em campo.
        E sim devemos mesmo ganhar o Mundial a jogar desta forma, não é todos os dias natal.

  2. Tal como já escrevi em comentários há alguns posts atrás, é um evidência que as seleções que têm vários jogadores a jogar juntos numa boa equipa ao longo da época.

    Não tendo nós essa ‘ferramenta’ à mão, há que fazer algo…

    Embora continuemos a ter espaço para vender no meio campo ofensivo e não saibamos ter bola, tento olhar para este último jogo pela positiva:

    Melhorámos na saída de bola com o posicionamento mais recuado do William que assim oferece o que os centrais não.
    Melhorámos nos apoios que o Adrien deu.

    Até ao momento, com o que tenho visto, ocorre-me o seguinte para o jogo contra o Uruguai:
    . A defesa que tem jogado.
    . William mesmo em frente à defesa.
    . João Mário ou Moutinho e Adrien è frente do William, um de cada lado.
    . Ronaldo ladeado de Guedes e Bernardo (trocas de posição entre Ronaldo e Guedes).
    . João Mário ou Moutinho, Quaresma, André Silva, no banco para entrarem conforme o que o jogo der.

    Lamentavelmente é um 433. Mas parece-me a melhor forma de procurar construir desde trás, criar apoios nas alas mas também capacidade de jogar dentro do bloco para haver mais posse e progressão, tentando ainda ter capacidade de conter a profundidade do Uruguai.

  3. E Fernando Santos? Está congelado não em 2016, mas em 1996. Que o futebol das suas equipas é miserável é ponto assente. Que com ele não dá para mais que isto, também. Por mim, mesmo chegando muito longe de novo com um improvável benefício da nossa santinha aleatoriedade, chega! É um suplicio assistir a jogos da seleção. Sim, é um suplicio pior ganhando assim, do que era em tempo de vitórias só morais! O futebol de seleções ultrapassa aquela frieza apenas focada nos resultados. Prefiro cair nos oitavos e ver F.Santos cair, do que chegar a uma meia-final e ter que o aguentar mais uns anos.

    Mas esquecendo isso, onde está realmente Portugal, comparativamente a outras seleções quanto a valor individual?
    O que valem Bernardo, Guedes, Joao Mário, Adrien, William, Gelson,Andre Silva,Guerreiro? Prometeram muito. A carreira nos clubes de alguns deles não tem corrido como esperado. Mas ainda assim, seremos inferiores jogador a jogador a uma Inglaterra, a um Uruguai, a uma Argentina? Onde estamos? Que há espaço para fazer muito mais ninguem duvida. Mas até que ponto? Iludiram-nos? Da mesma forma que acredito que o adepto comum tem tendência a sobrevalorizar os jogadores nacionais, creio que o viciado em futebol, tende a subvalorizá-los numa atitude sobranceira de demonstração de exclusividade de conhecimento. O que valemos?

  4. Que promovam Rui Jorge e que este traga a miudagem de qualidade com ele. Se assim for, o futuro poderá ser radioso.

  5. Acho importante se reler um texto do entre dez sobre o jogo Liverpool Mancity da Champions deste ano. Na minha opinião, o Grupo que nos calhou foi o mais difícil do Mundial e a prova disso é que se Marrocos tivesse terminado o Grupo com 9 pontos não seria nada surpreendente. E terminou com 1! A performance de Portugal embora não boa (sobretudo com bola) foi muito ditada no meu entender pelo emocional e responsabilidade de sendo campeão da Europa poder ficar na fase de grupos. Para lá do posicionamento muitos erros com bola por exemplo resultam de falhas individuais (recepção, passe) e aqui eu acho que o emocional tem pesado muito nisso. Em relação a mudanças gostei muito mais do Adrien na posição do Moutinho e acho o meio campo merecia a entrada do Manuel Fernandes também. Que acham?

  6. Foi assim no Euro e venceram , portanto quem sabe se o caneco não volta a sorrir para Portugal, o futebol é horrível , em 6 jogos de fase de grupo ( Euro e Copa do Mundo) F.S tem a proeza de ter vencido apenas 1 jogo.

    Todavia, as outras seleções favoritas não andam a jogar muito melhor que Portugal, exceptuando a Alemanha, que perdendo ou ganhando percebe-se uma ideia de jogo, França, Brasil,Espanha e companhia não jogaram nada até agora…

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