A transição defensiva e um Bernardo que se assumiu

Portugal caiu da Rússia no seu melhor jogo. Uma ironia, incrível, a menos que se queira atribuir causa efeito a tal, como tantas vezes parece ser o caso, como se a vitória não estivesse mais próxima dos que fazem bem.

A desilusão da partida foi precisamente a equipa do Uruguai. Cheia de bons ou muito bons valores, e incapazes de conseguir ligar três ou quatro ataques de forma consecutiva, saiu vencedora precisamente pela inspiração individual de um ponta de lança tremendo no último terço.

Dois erros que Portugal pagou bem caros, num jogo que nunca merecia ter perdido.

O primeiro golo termina com um desposicionamento de Guerreiro, que por não estar alinhado e com a posição corporal adequada (ver posicionamento corporal dos dois centrais, e linha destes), não ataca a bola de frente e permite que esta entre nas suas costas. Porém, para se chegar a uma situação de finalização, geralmente há sempre algo mais por trás.

No primeiro momento da transição defensiva, a reactividade no momento da perda, William não antecipou possível saída e permitiu desenvolvimento do ataque.

O médio português esteve bastante longe de ter sido a nulidade que a crítica geral foi apontando. No jogo com o Irão terá sido até quem ofensivamente, mais contribuiu para que Portugal pudesse ter um jogo diferente, mas sem bola, William não tem o nível dos melhores médios do futebol Europeu, e também por isso é muito mais jogador de equipa que passe o jogo todo em posse do que o contrário. Embora também as melhores equipas, precisem bastante de reactividade na transição defensiva…

 

Sobre a importância do médio mais defensivo e da marcação individual no momento da perda, já por cá havia falado bastante. Para quem não teve oportunidade de o ver, recordo o video apresentado como um exemplo de alguém extremamente competente nesse momento muito específico:

Os últimos vinte minutos do jogo ficaram marcados pelo assumir-se de Bernardo Silva. E como Portugal precisa que o seu pequeno craque perca a vergonha.

Talvez não seja perceptível ao olho menos treinado o que faz ou o que fez Bernardo na noite de ontem, mas o português realizou um jogo tremendo, ao contrário do que tinha sido, por exemplo, o jogo com Marrocos, onde nunca conseguiu sair da pressão.

Tremendo porque não soltou uma bola sem algo por trás. Uma, que fosse! Se há a necessidade de desequilibrar a estrutura adversária, o passe não pode ser feito só por si. Há que esconder algo por trás, há que eliminar adversários para potenciar melhores situações aos colegas. Bernardo chamou a si opositores em cada posse que teve, concentrou sobre si os adversários antes de soltar, sempre para ganhar espaço para os colegas. Infelizmente, poucos outros foram capazes de perceber a importância desmedida que o atrair antes de soltar tem para se poder desorganizar o adversário, e também por isso Bernardo se viu obrigado a correr quarenta metros com bola, quase de baliza a baliza para soltar, só depois de fixar oposição, quando o ideal era ter quem o fizesse mais atrás, para que Bernardo recebesse a bola mais à frente, e pudesse fixar linha defensiva adversária e não a média.

Foi uma lição de Bernardo. De personalidade, qualidade e ideias em ataque posicional. O futuro da selecção nacional terá de passar por aquilo que foram os últimos vinte minutos do jogador do City no jogo com o Uruguai.

 

Vocês serão sempre os nossos heróis, até porque ninguém se desilude com quem não gosta. Bom regresso, rapaziada!

Sobre Paolo Maldini 3828 artigos
Pedro Bouças - Licenciado em Educação Física e Desporto, Criador do "Lateral Esquerdo", tendo sido como Treinador Principal, Campeão Nacional Português (2x), vencedor da Taça de Portugal (2x), e da Supertaça de Futebol Feminino, bem como participado em 2 edições da Liga dos Campeões em três anos de futebol feminino. Treinador vencedor do Galardão de Mérito José Maria Pedroto - Treinador do ano para a ANTF (Associação Nacional de Treinadores de Futebol), e nomeado para as Quinas de Ouro (Prémio da Federação Portuguesa de Futebol), como melhor Treinador português no Futebol Feminino. Experiência como Professor de Futebol no Estádio Universitário de Lisboa, palestrante em diversas Universidades de Desporto, Cursos de Treinador e entidades creditadas pelo Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ). Autor do livro "Construir uma Equipa Campeã", e Co-autor do livro "O Efeito Lage", ambos da Editora PrimeBooks Analista de futebol no Canal 11 e no Jornal Record.

13 Comentários

  1. É tudo isto, menos Bernardo. É certo que fez um jogo melhor do que todos os outros anteriores, mas não é como se fosse uma bitola muito alta, convenhamos.
    Mas se quiséssemos resumir tudo numa só frase, o jogo de ontem foi a concretização de um velho provérbio: quem com ferros mata, ferros morre.

  2. Faz me alguma confusão num jogo que sabíamos que os avançados iam ser comidos pelos centrais do Uruguai (tremendo jogo de ambos), não se tenha pensado a equipa com um médios com capacidade de remate…
    Fizemos o melhor jogo e um facto, mas ontem por exemplo faria me sentido qualquer Fernandes (Bruno ou Manuel) a titular em detrimento do João Mário (melhorou muito quando fica a 2 médio na 2 parte) ou até mesmo de Guedes.
    Sou mero treinador de sofá, percebo que mais importante que táctica e a dinâmica da equipa, mas pareceu me evidente que a 2 parte a equipa melhora quando passa a jogar João Mário e Bernardo Silva no meio numa espEcie d 4-3-3 …
    Uma coisa é certa ao contrário de muitos críticos eu sou defensor que há muita mão de obra qualificada (entenda se jogadores) e que o futuro será risonho … há posições deficitárias (centrais claramente) e Ronaldo não durará pra sempre o que implicará uma crise de golos (não vale a pena pensar de outra forma) mas a “pequenada” que aí vem permite nos ter esperanças…

  3. De acordo e apenas umas notas para complementar:
    1) pênalti falhado no jogo com Irão e/ou erro absurdo do VAR no pênalti inexistente do Cédric ditam ir jogar com o Uruguay em vez da Rússia. A sorte que tivemos naquele ‘último golo da Islândia que ditou a nossa ida para o lado bom da chave no Euro 2016 abandonou Portugal no mundial 2018. As equipas que ganham estas competições crescem nestes torneios mas jogar com Uruguay era muito mais traiçoeiro neste processo que jogar com Russia
    2) Vergonha que muitos jogadores tiveram em jogar à bola. O caso talvez mais emblemático foi o bernardo que só solta verdadeiramente quando estamos a perder no Uruguay na segunda parte de ontem. E também o Fernando Santos que só encontra a formação ideal no mesmo período. 4231 com Bernardo no meio. Gonçalo não é Nani e então devia sair da esquerda para ter metros para correr com CR7 mais fixo na frente
    3) Laterais muitos furos abaixo do necessário. O Raphael nunca se encontrou no torneio e teve sempre problemas defensivos em todos os jogos do torneio. Não entendi a aposta no Ricardo ontem. Percebi a ideia. Ter um lateral direito muito superior à jogar a bola que o Cédric. Mas fazer isto nas oitavas? O Ricardo esteve mal defensivamente em ambos os golos. No primeiro então os apoios estão todos errAdos para um destro como Suarez. E pouco acrescentou ofensivamente dado o peso do jogo na sua estreia. Não ter trazido aqui o Nelson muito mais habituado a grandes jogos que o Ricardo foi um erro que se pagou com juros. E de todas as formas a mudança no quarto jogo apresentava various riscos
    4) Portugal nunca se encontrou naquilo que sempre foi a sua principal força. A transição ofensiva. Nenhum jogador se assumiu como um quebra linhas como Renato no Euro 2016. Em todos os jogos a nossa transição ofensiva foi lenta, imprecisa e pouco vertical
    5) Como os Mundiais e Europeus privilegiam as equipas que esperam em vez de as que assumem dado o pouco tempo de treinar o mais complexo que é o ataque posicional e a transição defensiva a menos que beneficiem de rotinas herdadas dos clubes sobretudo no meio campo. Portugal Euro 2004 e Mundial 2006: Porto de Mourinho. Espanha 2008 a 2012: Barcelona de Guardiola. Alemanha 2014: Bayern de Guardiola. A vida de Inglaterra neste torneio seria bem diferente se Guardiola treinasse o Tottenham e vez do Man city por exemplo
    6) Nas equipas que esperam, ter uma qualidade enorme na frente faz então toda a diferença (e essa qualidade não pode vir só de um jogador). Brazil, França, México, Inglaterra e Uruguay (com Cavani). Espanha, Croácia, Colômbia (se tiver James) e Bélgica vão estar do outro lado do espectro. Em Competições como o Mundial acho que o primeiro grupo tem mais hipóteses

  4. Esta melhoria do Bernardo e o finalmente “abrir o livro” está diretamente relacionado, parece-me, com uma maior liberdade de ação que teve durante a segunda parte. Terá sido indicação do Selecionador, ou ele simplesmente decidiu ser ele próprio?

    Se foi indicação do Selecionador, veio tarde, muito tarde para aquele jogo, mas pode ser q tenha vindo a tempo para um futuro risonho da seleção. É que prender a um lado do campo um jogador destes… é um crime.

    De resto, acho que os laterais foram uma das grandes lacunas de ontem. Nenhum conseguiu dar a profundidade que a equipa precisava de forma assertiva. Que falta fez Nélson Semedo e provavelmente Mário Rui. É que o Raphael não está com confiança, parece-me…

    No resumo, sim, o Uruguai não merecia ter passado. Mas com aqueles dois avançados… é meio caminho andado para a vitória.

  5. Pois, que há a dizer desta prestação no Mundial? Foi rezar a todos os santinhos e apelar à fé e à sorte. Pode-se dizer que até pode funcionar, não se pode é dizer que foi até ao limite, que não era possível lutar mais, que etc etc. Fica a certeza que dá para muito muito mais.

  6. Como tinham dito anteriormente a seleção anda a defender pior e isso foi fatal neste jogo.
    Foi bom ver o Bernardo Silva! Finalmente a mostrar o que pode dar à equipa.
    E é verdade que o William defensivamente ainda pode melhorar bastante mas no Mundial foi sempre a melhor unidade do meio campo.
    Depois gostava de saber a tua opinião acerca do João Mário, achas que recuá-lo em campo lhe seria benéfico, quer na seleção quer no clube? É que ele não é propriamente um 10, falta-lhe criatividade, qualidade no remate e golo e acho que voltar à sua posição antiga poderia ser benéfico para ele.

  7. Também estou curioso para ver a próxima convocatória da seleção, à partida Rúben Neves, Bruma, Rony Lopes, Cancelo e Nelson Semedo pelo menos devem entrar nesta equipa. E continua a ser preciso renovar os centrais.

    GK – Patrício, Anthony Lopes, Cláudio Ramos
    DD – Semedo, Cancelo, Ricardo
    DC – Pepe, Rúben Dias, (?), (?)
    DE – Guerreiro
    MDF – William, Rúben Neves, Danilo
    MC – João Mário, André Gomes
    MCO – Bernardo Silva, Rony Lopes, Bruno Fernandes
    Extremos – Guedes, Bruma, Gelson
    Avançados – André Silva, Ronaldo

    Para central é que há falta de soluções, Danilo pode ser utilizado a central caso seja necessário logo basta levar 3 centrais e sendo que Pepe e Rúben Dias devem continuar a terceira opção passará por Fonte, Luís Neto, Rolando, Pedro Mendes, Edgar Ié e Paulo Oliveira. Destes gostava de ver o que o Vezo pode fazer.

  8. “Foi uma lição de Bernardo. De personalidade, qualidade e ideias em ataque posicional. O futuro da selecção nacional terá de passar por aquilo que foram os últimos vinte minutos do jogador do City no jogo com o Uruguai.”

    Concordo totalmente!!

    A opinião resumida que dei a alguns amigos:
    O nosso melhor jogo e afinal é a nossa derrota.
    Penso que o FSantos poderia ter começado antes, nesta seleção, a jogar pelo meio. Ontem fizemos isso; podíamos ter criado, antes, essas ideias de jogo, para haver maior rotina. (A descrição no post sobre o Bernardo ter que transportar a bola, ilustra isso mesmo).
    Lamento!

  9. Concordo em pleno o que dizes sobre Bernardo, e acrescento, NÃO PERDE UMA BOLA! Incrível! A próxima pulga do football.
    Há uma pergunta que quero fazer em relação ao segundo golo do Urugai, é verdade que posicionamento do Ricardo é mau, mas o posicionamento do Rui Patricio tb é mau, não percebo pq está tão encostado ao poste direito?

  10. Estou certo de que o futuro de Portugal, e já falo numa perspectiva pós-CR7 (em 2020, quejá não terá o mesmo protagonismo), passa por uma maior centralidade de Bernardo Silva no meio-campo. Brilhar ao lado de CR7 nem sempre é fácil, pois a equipa pensa demasiado em servir Cristiano e esquece-se de testar diferentes vias de chegar ao golo, diferentes movimentações, diferentes marcadores de livres, etc.

    Jogando a 10 na segunda parte, não foi só ele, foram todos os comportamentos da equipa que mudaram para melhor. Porque ele faz mesmo o papel de “regista”, isto é, faz jogar, e faz jogar com inteligência. Já tivemos isto noutra Selecções do passado, e tão importante esses cérebros eram, depois… esquecemo-nos. E nos últimos Europeus e Mundiais temos tido só equipas reactivas, sem capacidade de controlar um jogo (como se viu aliás contra Espanha, Marrocos e Irão)

  11. E o Fonte? Nao reparte culpas no golo? Onde estava Cavani? Costas…

    Uruguai, tem os centrais GG, Suarez e Cavani, nao inventa, mas mesmo a fechar com garra nao e de excelencia. Tabarez nao sabe mais. E nao arrisca variar. Vale mais por aqueles e pelo que trazem das experiencias de clubes que o real coletivo. Esse e calo de anos.

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado.


*