França – A estratégia para os magoar

 

A França é de longe a melhor equipa deste (e para este) Mundial. O modelo de jogo enquadra-se perfeitamente no modelo competitivo da prova e individualmente tem uma quantidade imensa de soluções com uma qualidade abismal e que garantem muita variabilidade. Defensivamente é super compacta, linhas juntas quer em largura e em profundidade, com 4 cavalos muito difíceis de agredir na linha defensiva (Varane, Umtiti, Pavard e Lucas), 3 médios capazes de cobrir rapidamente grande porção de campo, que não perdem um duelo individual e com grande chegada na frente quando a sua equipa recupera a posse (Kanté, Pogba e Matuidi) e 3 jogadores na frente que em transição garantem soluções em apoio (Griezmann e Giroud) e em profundidade (Mbappe), muita velocidade de execução e desequilíbro. Com bola, apesar de a saber preservar não é uma equipa muito criativa (nem individual nem coletivamente), o que faz com que por vezes tenham dificuldades em furar blocos mais compactos e/ou baixos. No entanto nunca se expõe em demasia, tendo depois os bichos todos ligados na transição defensiva.

Com a dificuldade que é enquadrar perante a última linha da França, pela forma baixa e compacta que defendem e pelos bichos que têm, e agredir os seus 4 elementos que compõem a linha mais recuada, a melhor forma de os magoar é mesmo ir por fora. Mas com critério e … estratégia.

A extremos na linha média aparecem Matuidi à esquerda e Mbappé à direita. Matuidi é muito mais comprometido defensivamente e defende mais e mais baixo que Mbappé. No corredor lateral esquerdo muitas vezes Lucas nem tem de sair no jogador que dá largura e profundidade, porque Matuidi está baixo e consegue chegar. Neste corredor, Matuidi, Lucas e Kanté garantem a formação do triângulo defensivo no corredor lateral e evitam desmontar a defesa da baliza em 3:1 (Umtiti, Varane e Pavard, com Pogba). Já no corredor lateral direito, Mbappé (que está sempre mais alto a preparar transição) num primeiro momento condiciona a entrada da bola por fora, com Pavard mais encurtado, mas depois dela entrar nunca defende, o que permite à equipa contrária envolver e criar igualdades ou superioridades numéricas. Atacando por este corredor sairá Pavard, Pogba e/ou Varane. Ou seja, se a equipa contrária obrigar Varane a sair ao corredor passam a defender baliza só com dois (Umtiti e Lucas, mais Kante). Sendo claramente Pavard (1m86) e Varane (1m91) mais fortes a defender cruzamento que Umtiti (1m81) e Lucas (1m84), e também Pogba (1m91) é muito mais forte que Kanté (1m68) neste capítulo. Ou seja, explorar o lado onde dado os posicionamentos e envolvimentos dos seus jogadores a França defende pior (o direito), atacando o cruzamento do lado da linha defensiva menos forte no ar (o esquerdo).

 

Corredor lateral direito, com Lucas, Matuidi e Kanté no corredor lateral e 3:1 na àrea
Corredor lateral direito, Mbappé sempre à frente da restante linha média, perto dos dois avançados
Corredor lateral direito. Pavard, Pogba e Varane (que saiu ao corredor lateral), defende baliza só com 2, os menos fortes no ar da linha defensiva

Olhando para este último encontro, o jogo posicional da Bélgica foi com Hazard à esquerda, Fellaini no corredor central mais à esquerda, Lukaku como avançado, De Bruyne mais à direita e Chadli à largura na direita. Sendo que para além do que enunciei anteriormente, Pogba pegava Fellaini individual com medo do poderio deste no cruzamento. Assim, trocaria De Bruyne com Fellaini, obrigando-o a estar mais vezes do lado contrário ao de Pogba que joga pela direita, e forçaria o lado direito da seleção francesa com Hazard e De Bruyne, obrigando Varane a sair ao corredor e ficando com Lukaku (1m91) e Fellaini (1m94) a atacar o cruzamento contra o lado menos forte dos franceses. E mesmo a defender, Fellaini não é inferior a De Bruyne a fechar o corredor lateral, bem como este último não é inferior ao gigante belga a defender no corredor central. O problema seria mesmo na transição ofensiva, onde a Bélgica perderia De Bruyne numa posição onde podia receber com condições para acelerar e definir com mais espaço e contra menos jogadores.

 

 

 

3 Comentários

  1. Tanto pormenor táctico para analisar e o jogo foi resolvido num canto… a meu ver a França foi superior ainda assim no jogo jogado mas o resultado desse jogo jogado foi 0-0. A Bélgica foi merecedora de mil elogios a nível táctico contra o Brasil… sem o auto-golo do Fernandinho num CANTO… teria ganho? Talvez não, talvez até perdesse nos 90 minutos e depois onde ficariam os elogios à seleção belga? transformar-se-iam em criticas? o que quero com isto dizer é que há uma facilidade enorme em comentar conforme o resultado… se equipa x ganha vamos procurar forma de a elogiar. A Bélgica foi superior ao Brasil no jogo jogado? Produziu mais? esteve mais vezes perto do golo?

    • Acho pertinente a referência à tendência para se comentar depois do resultado, mas creio que, pelo menos neste caso, o que se passa é uma espécie de explicação para o facto de a França estar na final ao contrário de outras equipas que talvez se afigurassem como tão ou mesmo mais favoritas, à partida.

      O importante, contudo, reside aqui: o jogo não foi decidido num canto. O jogo foi decidido na forma como a Bélgica nunca foi capaz de criar grandes problemas à França, especialmente depois desse tal canto. Ou seja, a chave táctica do jogo está menos no ‘1’ da França, e mais no ‘0’ da Bélgica.

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